90 graus de escoliose: 'Bati o salto e minha costela encostou na bacia'

Daniela Guedes de Macedo Fraga, ou simplesmente Dani Guedes, tem familiaridade com a dor. Aos 10 anos, descobriu ter escoliose idiopática, nome dado quando não se sabe o motivo da doença. A atriz resistiu à cirurgia na coluna até os 38 anos e saiu da operação com 24 pinos e duas hastes.

Em 2021, ela descobriu um tumor benigno de quatro centímetros envolvendo toda a hipófise (glândula cerebral), que também foi retirada na cirurgia. Era o motivo da acromegalia, uma das doenças raras que se manifestou. No caso dessa, ela viu seus pés e mãos crescerem.

Ano passado, a artista voltou aos palcos aos 44 anos. A obra foi adaptada às suas necessidades e mostra uma mulher que se sente rejeitada pelo marido por causa de sua deficiência.

Mãe de Cauê, 16, e Suelen, 26, a atriz se tornou ativista na causa das pessoas com doenças raras e invisíveis. Apoiada pelo marido, Roberto Marcio de Macedo Fraga Junior, fundou a Cia Teatro Raro, com a missão de tornar visível questões de interesse do público que enfrenta os mesmos desafios que ela. A VivaBem, ela conta sua história:

"Tinha 10 anos quando um primo me empurrou do balanço. Com muita dor nas costas, fui levada ao médico que detectou uma escoliose importante. Meus pais não a haviam percebido. O doutor solicitou o uso de colete para reverter o quadro e evitar a cirurgia. Mas sofria muito bullying e deixei de usar cerca de um ano depois.

Não queria ser olhada diferente. Nos bailinhos, terminava sempre dançando com a vassoura. Então, usei meu poder de comunicação. Na escola, transformava resumos de livros em cenas de teatro. Ganhava os meninos pelo papo por que a escoliose ficou mais aparente. E, assim, me descobri atriz e estudei teatro aos 14 anos.

Quando tirei o colete, a escoliose já tinha evoluído para 69 graus [a curvatura considerada normal vai até 10 graus], mas a cirurgia era mais arriscada na época. Disse aos meus pais que não queria fazê-la. Evitava roupas coladas e alguns vestidos, pois um lado das costas era muito alto. Fazia natação, RPG, mas meu caso era cirúrgico.

Quando entrei no teatro, me rebelei. Fingi que não existia escoliose, usava a roupa que queria, deixei o cabelo comprido e achava que escondia o problema. Cheguei ao final de muitos testes, mas não passava na prova de figurino e sabia que a questão era a coluna. Aos 16, em uma festa infantil, um contratante perguntou ao responsável do nosso grupo: 'Você trouxe uma pequena sereia torta?'.

Percebi a rejeição ao meu físico, fiz comunicação social e fui trabalhar em uma secretaria de cultura. Aos 26 anos, engravidei. Desejava parto natural, sem anestesia, mas meu filho se sentou. Tive que anestesiar e usaram fórceps. Vi tudo. Um ano após o parto, conheci minha filha em um orfanato.

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Depois de alguns anos, voltei para o teatro com a peça Engano. Não sentia mais rejeição, estava diferente, tinha segurança. Fiz a sedutora, maluca, sonhadora, vilã, mocinha e convenci. A questão da coluna não aparecia, sabia como compensar o meu corpo e disfarçar.

Em uma das apresentações do musical Bar da Noite, em 2017, bati forte o salto no palco e as dores que já sentia ficaram incapacitantes. Minha costela encostou na bacia. Eram dois dias de espetáculo e três deitada.

Mas continuei as apresentações e, depois, ainda estreei A Mais Forte, por dois meses. Saía dos ensaios e espetáculos para o hospital por causa da dor. Operei a coluna em junho de 2018 e fiquei em cartaz até um dia antes da cirurgia.

Hoje digo aos pais: optem pela cirurgia sempre, agora é segura. Fiz a minha com 38 anos e hoje sinto os pinos a todo momento. Meu corpo, que antes conseguia disfarçar, fica torto, perdi a mobilidade da coluna.

Antes e depois da cirurgia
Antes e depois da cirurgia Imagem: Arquivo pessoal

A cirurgia levou 10 horas, minha escoliose estava com 90 graus. O resultado do que era a curvatura para o que ficou foi excelente. Mas meu cérebro não entende até hoje que estou reta. Então, agora, me sinto torta. Fiquei com diferença na perna e manco um pouco quando cansada. Após a cirurgia, achei que não poderia mais voltar ao palco, andava dura. Então, por quatro anos, trabalhei em uma empresa de comunicação.

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Um dia, caí da cama. No hospital, pedi uma tomografia por que estava com um galo. Quando a médica voltou, me disse: 'A coluna está normal, mas você tem um tumor de quatro centímetros na hipófise'. Sentia a visão esquerda ruim, os pés ficaram grandes e o nariz mais largo. Era a acromegalia.

Essas áreas do corpo voltaram ao tamanho normal após a cirurgia. O tumor envolvia toda a glândula, que também foi retirada. Acordei com muita sede no hospital, mas não podia tomar água. Chorei e minhas lágrimas estavam tão salgadas que meu rosto ardia, parecia água do mar. Era sintoma do diabetes insipidus.

Preciso equilibrar a ingestão de água e vontade de urinar, senão desidrato, perco sódio, tenho confusão mental e entro em coma. Tenho incontinência urinária e já passei por vários perrengues. Não fabrico o hormônio que controla a sede e a vontade de urinar.

Já fiz xixi na academia, na cama ao lado do meu marido e me senti muito envergonhada. Foi muito difícil de aceitar no início.

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Por causa da insuficiência adrenal tomo corticoide todo dia, pois não fabrico cortisol. Já com o pan-hipopituitarismo, meu cabelo começou a cair e inchei 30 kg. A osteoporose veio também e acentuou a perda óssea onde há os pinos. Minha imunidade é horrível. Tive covid sete vezes. Na última, no começo do ano, desenvolvi hepatite e trombose nas pernas.

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Ano passado, o parceiro e autor Ricardo Leitte, me sugeriu voltar ao palco com A Mais Forte, mas com texto adaptado às minhas necessidades. E quero incluir pessoas, discutir com as mulheres questões de autoestima."

A escoliose

Para saber sobre o comprometimento da coluna, usa-se uma metodologia conhecida como ângulo de Cobb, que mede a curvatura através das vertebras mais inclinadas.

O grau de escoliose (ângulo de Cobb) é medido traçando-se uma linha entre a vértebra mais baixa e a mais alta da curva e medindo a angulação entre elas. Em geral, os pacientes têm mais de uma curva, sendo necessário medir 2 ou mais ângulos para uma mesma pessoa.

Radiografia mostra coluna com escoliose de 90 graus
Radiografia mostra coluna com escoliose de 90 graus Imagem: Reprodução/Research Gate

"Olhando a coluna de frente, não é para ter curvatura em nenhum dos lados. Quando chega aos 10 graus, considera-se escoliose", explica Carlos Eduardo Barsotti, ortopedista, cirurgião de coluna e especialista em deformidades complexas dessa estrutura.

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Entre 15 e 20 graus, indica-se a fisioterapia. Com 25, se usa o colete, feito em 3D, específico para cada pessoa. Segundo o especialista, as pesquisas mostram que o uso correto e no momento certo, pode evitar até 70% das cirurgias.

Mais de 50 graus é caso de cirurgia o quanto antes. "Além de ficar torta, a coluna pode afetar outros órgãos, causando síndrome restritiva pulmonar, por exemplo. Escoliose grave diminui a expectativa de vida do paciente", adverte o especialista.

Recomenda-se que jovens, no início da puberdade, já procurem um médico de coluna. Meninas têm mais de escoliose que meninos, na proporção de oito para um. E os casos mais graves costumam ser em mulheres.

A questão dos hormônios

A acromegalia é uma doença caracterizada pelo aumento do nível dos hormônios GH E IGH-1. Na maioria dos casos é causada por um nódulo na região da hipófise, glândula que fica logo abaixo do cérebro, explica Felipe Gaia, endocrinologista com doutorado e pós-doutorado em endocrinologia e atual presidente da regional São Paulo da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

"Essa produção de hormônios pode levar a uma série de alterações tanto físicas como metabólicas" diz o especialista.

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Entre as primeiras estão, por exemplo, o crescimento de mãos, pés e mandíbula, e alargamento de nariz. Além disso, pode haver também aumento de órgãos como o coração e surgimento de hipertensão arterial e diabetes.

O tratamento principal é a cirurgia. Há a possibilidade de até mais de 90% de cura com a retirada de tumores descobertos cedo e com menos de 1 centímetro. Descoberto tardiamente e maior, a chance de cura diminui. Quando a cirurgia não pode ser feita ou não controla a doença, pode-se fazer uso de medicamentos.

A diabetes insipidus, para evitar a confusão com a diabetes melitus, agora se chama diabetes por deficiência de vasopressina, outro hormônio. Pode acontecer por conta de danos na região do hipotálamo e hipófise, que secretam essa substância responsável por controlar a quantidade de água que os rins eliminam na forma de urina. É necessária a reposição com outro hormônio chamado desmopressina.

Danos à hipófise podem impedir a produção do hormônio ACTH, que estimula as glândulas supra-renais, que produzem o cortisol. Sem ele, dá-se a insuficiência adrenal, que pode causar queda de pressão, hipoglicemia e baixa de sódio, conjunto de situações que, não tratados, pode ser fatal.

Por fim, com a hipófise totalmente danificada haverá a falta de produção de TSH, que controla a tireoide e FSH e LH, que regulam a função dos ovários e testículos.

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