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'Desmaiei': ela tem alergia a carne causada por picada de carrapato

Elfriede não pode comer derivados de mamíferos, o que inclui carnes e laticínios Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

22/07/2024 04h00

Carne vermelha, leite, queijos, manteiga, iogurte e até gelatina. Elfriede Walzberg, 57, tem de eliminar esses e outros alimentos da dieta devido a uma alergia grave e potencialmente fatal: a síndrome de alfa-gal. Antes do diagnóstico, a analista junguiana e professora de dança circular teve reações alérgicas que incluíam coceiras e lesões na pele, diarreia, inchaço, falta de ar e desmaio. A VivaBem, ela conta como descobriu a condição.

"A primeira vez que tive reação alérgica foi bem forte, há cerca de 20 anos. Fui a um churrasco e de sobremesa comi sorvete, duas coisas que para quem tem essa alergia são alergênicas. É uma alergia incomum, que vai dar efeito seis horas depois. Então comi, voltei e tive a reação em casa.

Fui parar no hospital com coceira e manchas pelo corpo. Quando cheguei lá, me mandaram para o soro e minha respiração já não estava muito legal.

Depois de uma hora ou mais, saí de lá, e a moça da recepção falou que nunca tinha visto um paciente chegar queimado e sair bem. Ela pensou que eu estava com queimadura, de tanta urticária.

A urticária toma conta: começa pelo abdome, dá edema nas mucosas, afeta região genital, anal e começa a vir para cima, sinto tudo inchando. A sensação era de que eu não ia mais conseguir respirar.

Sem suspeita

Voltei a comer carne e às vezes vinha um pouco de alergia, mas eu não tinha a mínima ideia. Quando eu suspeitava de algo, tirava da dieta —e tirei um monte de coisa. Uma das grandes suspeitas era a pimenta, mas em nenhum momento cogitei que pudesse ser carne.

Eu vinha apresentando sempre uns sintomas ali e aqui, mas grave mesmo foram duas ou três vezes. Vem como um choque tardio, bem complicado, e quando você explica para as pessoas, elas acham que a alergia vai ser de imediato.

Uma vez fiquei bem ruim, vieram sintomas gastrointestinais fortes e cheguei a desmaiar, estava sozinha no quarto. Na época, a gente estava programando uma viagem em família e pensei que tinha que procurar uma solução.

Carrapato-estrela é gatilho para alergia Imagem: ViniSouza128/Adobe Stock

Mas demorou um tempo para investigar. Eu comentava com os médicos, mas eles não ajudam muito, não tinham interesse. Passei um tempo no Mato Grosso e lá comia muita carne, foi quando começou a aumentar muito a frequência das alergias.

Vitor, meu marido, perguntou na empresa onde trabalhava se indicavam alergologistas. Fui e quando comecei a descrever para a médica, ela disse que provavelmente sabia o que era, mas pediu o exame para confirmar.

O alívio do diagnóstico

É muito importante ter o diagnóstico, porque ninguém acredita que você tem, parece fantasia. Quando mostro para as pessoas, começam a levar a sério.

Com o diagnóstico, comecei a restringir só o que não podia: faz sete anos que parei o consumo de carne e depois de dois anos parei com queijo e leite.

Posso comer aves, peixes, ovos e introduzi mais grãos. O chocolate, que amo, virou um problema para mim, porque mesmo o meio amargo tem leite, e não posso.

Se entro em contato com qualquer um deles, dá mal-estar, cólica forte na barriga, então estou sempre com meu antialérgico, caso comece a crise.

Até agora, não tive que ir para a emergência de novo. Consigo evitar da melhor forma possível e, quando não dá, sei o que é e tenho remédio.

Vida com cautela

A alergia cria situações incômodas na vida, para a gente e para os outros. Até hoje tenho dificuldade quando vou almoçar fora ou viajar. Em casa, meu marido come a minha alimentação e pede fora quando quer algo diferente. Leite, ele tem os dele e eu tenho os meus vegetais.

Quando vou para casa de amigos, fico constrangida, porque as pessoas sempre falam: 'O que vou fazer para você?' Eu levo algo para mim, mas eles acabam dando um jeito de tirar leite, usar óleo em vez de manteiga ou comprar produtos veganos.

Mas a maior dificuldade é em restaurantes. No self-service, que seria a melhor opção para mim, as colheres migram de um lugar para outro, tenho que perguntar se o feijão está com bacon. As pessoas têm que ter um pouco de paciência e eu também. Às vezes fico chateada, às vezes irritada.

Em maio, tive contato com alimento que tinha carne ou leite, comecei com fortes cólicas e diarreia. Tomei o antialérgico e depois de um tempo começou a diminuir o sintoma forte, mas tenho que tomar mais um ou dois dias além. Quando desanda a parte intestinal, leva um bom tempo para voltar ao normal.

Quando a gente viaja, não tenho controle de tudo que estou ingerindo, dá medo. Mas a partir do diagnóstico, você vai montando a vida com mais segurança, porque sei o que tenho, o que preciso cortar e o que tomar se tiver reação.

Também gosto de fazer trilha, estou sempre no meio do mato, e agora tento minimizar, porque a alergia que tenho é decorrente da picada do carrapato."

O que é síndrome alfa-gal?

Trata-se de uma reação alérgica a galactose-?-1,3-galactose (alfa-gal), um carboidrato (açúcar) que se expressa em proteínas de mamíferos não primatas. Ela pode ser encontrada em carne bovina, suína e de cordeiro, por exemplo, carnes de órgãos (intestinos, corações, fígado) e no leite desses animais, bem como nos derivados, como manteiga, queijo e iogurte.

Outros alimentos podem representar risco: cubos de caldo de sopa, atum enlatado (porque pode ser contaminado por golfinhos ou baleias) e gordura de porco. Consumir gelatina é arriscado porque normalmente é derivada do colágeno da pele ou dos cascos de grandes mamíferos.

Por que ela ocorre?

A causa da síndrome é a picada do carrapato-estrela. Segundo Barbara Gonçalves da Silva, alergista especialista pela Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia), a picada do carrapato Amblyomma cajennense induz a produção de anticorpos IgE (imunoglobulina E) específicos para alfa-gal em algumas pessoas.

Os seres humanos perderam a capacidade de produzir alfa-gal ao longo da sua evolução. Consequentemente, o alfa-gal passou a ter efeito imunogênico, ou seja, o organismo reconhece a molécula como estranha e provoca uma resposta imune no corpo. Barbara Gonçalves da Silva, alergista especialista pela Asbai e consultora médica em alergia no Laboratório Fleury

A alergia pode se manifestar de duas formas em pessoas já sensibilizados à picada de carrapatos:

imediata (primeiros 20 minutos), após o uso de medicamentos que contenham alfa-gal;

tardia (de duas a seis horas), após a ingestão de carnes vermelhas.

Quais são os sintomas?

  • Inchaço nos lábios, rosto, garganta, língua e outras partes do corpo;
  • Coceira e lesões generalizadas na pele, que descama;
  • Chiado no peito ou falta de ar;
  • Coriza e espirros;
  • Dor no estômago, diarreia, vômito e náusea.

Além desses sintomas, as reações mais graves se manifestam com:

  • Estreitamento das vias aéreas e inchaço da língua ou garganta, que dificulta a respiração;
  • Tontura e desmaio;
  • Pele pálida ou vermelhidão;
  • Pressão baixa;
  • Pulso fraco e rápido.

Silva fala também da anafilaxia de início tardio. É uma reação grave que pode levar à morte se não reconhecida e tratada adequadamente de forma rápida.

Habitualmente, a anafilaxia ocorre cerca de minutos até duas horas após a exposição a um alérgeno. No caso da alergia a alfa-gal, a reação tardia dificulta o diagnóstico, pois nem sempre é feita a correlação dos sintomas tardios com a ingestão de carne. Barbara Gonçalves da Silva, alergista

Nem todas as pessoas têm reações. Mesmo com anticorpos IgE para alfa-gal, alguns podem não ter reações em todas as vezes que come carne de mamíferos. Outros podem tolerar a carne novamente depois de evitar mais picadas de carrapatos durante um a dois anos.

Como o diagnóstico é feito?

É preciso analisar a história da pessoa e fazer testes alérgicos. A avaliação inclui testes cutâneos para alfa-gal, testes de provocação oral (em casos muito específicos) e mensuração de anticorpos IgE para alfa-gal. Silva alerta que os resultados devem ser avaliados com muito cuidado para evitar restrição alimentar desnecessária.

"Os níveis de IgE específica para alfa-gal não estão relacionados com a gravidade da síndrome e não existe um valor a partir do qual se defina que a pessoa tem a síndrome", diz a médica. "Esse teste não distingue pessoas com a síndrome de pessoas assintomáticas com sensibilização a alfa-gal."

Maria Cantalogo, especialista da Thermo Fisher Scientific, fala da importância de se fazer um teste específico de igE para alfa-gal, diferente de um exame que testaria para alergia à carne de modo geral. "A gente tem o alérgeno completo que é a carne. Com o advento da alergia molecular, criamos alérgenos moleculares, componentes específicos com informações específicas e próprias daquela proteína", explica.

Uma pessoa com alergia à carne, sem síndrome alfa-gal, eventualmente tomaria os mesmos cuidados de quem tem a condição, mas saber o detalhe do alérgeno faz diferença na recomendação de evitar o contato com carrapatos.

Quais são os cuidados para quem tem a síndrome?

Quando há hipersensibilidade, não se deve comer carne vermelha e é preciso evitar as picadas de carrapatos.

Para quem tem histórico de anafilaxia, é importante andar com uma caneta de adrenalina.

"Não se recomenda a retirada do leite e produtos lácteos da dieta de adultos e crianças com alergia alfa-gal, exceto nos casos de persistência dos sintomas", diz Silva.

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