Espanhola com câncer faz 'autotransplante' de útero, com técnica brasileira

A espanhola Rebeca Delgado, de 36 anos, descobriu um câncer colorretal em estágio avançado em outubro do ano passado. Pela gravidade da doença, seu tratamento devia ser com radioterapia e quimioterapia.

Além do baque ao descobrir o câncer, Delgado estremeceu ao saber que seu útero pararia de funcionar com a ação da radio. Ela nunca pensou sobre querer ou não ser mãe, mas sabia que a partir daquele momento não poderia gestar um bebê.

Foi então que a equipe médica propôs uma técnica brasileira rara e inovadora: a transposição uterina, que permite manter a fertilidade após a radioterapia. É uma alternativa para mulheres que passam pelo tratamento oncológico e querem a opção de gerar filhos depois de recuperadas.

Me disseram que essa opção me dava tempo para decidir se queria ser mãe. Eu disse que sim. E não me arrependo da decisão.
Rebeca Delgado, em entrevista ao El País

Delgado foi a primeira mulher na Espanha a passar pela intervenção. Por lá, o método ficou conhecido popularmente como "autotransplante". A técnica foi apresentada em 2017 pelo cirurgião oncológico Reitan Ribeiro, coordenador de pesquisas do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba.

Nela, útero, trompas e ovários são fixados na parede do abdômen, região fora do alcance da radioterapia. Quando o tratamento termina, os órgãos são recolocados no lugar de origem.

Como a cirurgia é feita?

São duas cirurgias minimamente invasivas, feitas por laparoscopia ou técnica robótica. A primeira acontece uma semana antes do início da radioterapia, em geral. A recuperação completa leva cerca de 15 dias e não atrasa o tratamento, pontua Ribeiro. A segunda é ao término do tratamento com radiação, para levar os órgãos à posição original.

"Primeiro, soltamos o útero da bexiga e da vagina, cortamos alguns vasos debaixo da pelve. Soltamos as trompas e os ovários e os vasos que nutrem, que vêm da parte de cima do abdômen", explica o cirurgião.

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O útero fica preso na parede do abdômen, em uma região em cima do umbigo. E aí, fechamos a vagina da paciente. Quando termina o tratamento com a radioterapia, a gente solta as suturas, coloca de volta o útero dentro da vagina e dá os pontos nas posições normais. Reitan Ribeiro, cirurgião oncológico

São indicadas à técnica mulheres que precisam de radioterapia e que tenham tumores na região da pelve, exceto os ginecológicos (no útero, ovários ou trompas). É o caso de doenças no reto, vulva e sarcomas (nos ossos e músculos), por exemplo.

Nascimento do 1º bebê popularizou a técnica

Mais de 20 países já fizeram a cirurgia —incluindo EUA, casos na Europa e quase todos os vizinhos da América Latina, conta o médico. Curitiba é a cidade com mais mulheres operadas (16), seguida por Nova Iorque (EUA).

A técnica se popularizou há dois anos, quando o primeiro bebê nasceu. Também foram registradas gestações nos EUA e no Peru, diz o médico.

Após a cirurgia de reversão, com o fim da radioterapia, a gestação já está liberada em termos biológicos. No entanto, o protocolo pede que as mulheres esperem dois anos para engravidar —é o período de segurança para monitorar um possível retorno do câncer. Esse prazo pode ser reduzido para aquelas acima dos 40 anos, em que a fertilidade é naturalmente menor.

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Projeções do cirurgião indicam que 2.000 mulheres podem se beneficiar da técnica no Brasil. De acordo com Ribeiro, a falta de conhecimento de muitos médicos sobre o procedimento ainda torna essa realidade distante.

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