Ligar para ex e até dinheiro: o que explica jovens estarem largando álcool
Isabella Abreu
Colaboração para o VivaBem
27/07/2024 04h00
Diversos levantamentos realizados ao redor do mundo nos últimos anos apontam que a atual geração de jovens consome menos bebidas alcoólicas do que fizeram os seus pais ou avós na juventude.
Um estudo publicado no dia 23 de junho na revista Alcohol: Clinical & Experimental Research mostra que não querer ficar bêbado, não querer que o álcool interfira na escola ou no trabalho e questões financeiras estão entre as principais razões pelas quais jovens norte-americanos decidiram parar de beber.
Já em relação aos jovens brasileiros, segundo dados do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), a "ressaca moral" é o principal fator que leva o público de 18 a 34 anos a refletir mais antes de consumir bebida alcoólica. Os motivos mais citados são:
Falar algo que não devia ou ser excessivamente sincero e magoar alguém;
Ligar para um ex-namorado durante o momento de embriaguez;
Não comparecer a um compromisso de trabalho no dia seguinte após se embebedar na noite anterior;
Perder dinheiro ou objetos, como celular e carteira.
Outro fator importante, na opinião de Mariana Thibes, socióloga e coordenadora do Cisa, é que o uso nocivo do álcool deixou de ser fundamental para a socialização de boa parte desses jovens. Segundo ela, as gerações anteriores tinham no álcool, e principalmente na embriaguez, uma experiência compartilhada que unia os grupos e, portanto, funcionava como elemento central da socialização. "Para diversos jovens, há uma mudança de sentido dessa experiência. A embriaguez passa a ser vista não mais como um passaporte para estar em certos grupos, mas como um sinal de descontrole e até de saúde mental abalada. Eles também passaram a preferir programas diurnos, que terminam mais cedo e que permitem acordar bem no dia seguinte", analisa.
Novos hábitos
Foi justamente o mal-estar na manhã pós-bebedeira que fez com que a mineira Ana Assis, 31, reconsiderasse o consumo da bebida em 2022. "Também decidi me dedicar a uma rotina mais saudável e percebi que o álcool não se encaixava no estilo de vida que eu queria para mim", diz ela, que encontrou na corrida de rua um verdadeiro prazer e uma forma saudável de lidar com a ansiedade. Hoje, ela bebe raramente, apenas em ocasiões especiais, e mesmo assim apenas um copo.
Ana conta que o convívio com pessoas que ainda consumiam álcool regularmente foi uma dificuldade no começo. "Eu sentia um certo deslocamento e às vezes até uma pressão para me adequar aos hábitos do grupo. Tive que aprender a encontrar novas formas de socializar e me divertir que não envolvessem álcool. Com o tempo, percebi que era possível manter essas relações e até fortalecer algumas delas, mostrando que minha escolha por uma vida mais saudável não afetava minha capacidade de estar presente e me divertir com amigos e familiares", afirma.
Estresse e problemas no sono
Além do popular mito de que beber é condição para se divertir, outra crença muito comum é sobre o consumo de álcool para relaxar após um dia cansativo. Embora seja verdade que a bebida possa facilitar a pegar no sono, essa estratégia é totalmente contraindicada pois, além de o efeito ser apenas momentâneo, há o risco de levar à dependência física e psicológica.
"À medida que o corpo desenvolve tolerância, é necessário consumir quantidades maiores para obter o mesmo efeito relaxante", explica Zila Sanchez, chefe do departamento de medicina preventiva da Unifesp. "Há ainda interferência do álcool nos ciclos do sono, especialmente no sono REM. Isso resulta em uma qualidade de sono inferior, levando à fadiga, a um pior estado de alerta no dia seguinte e à insônia no médio prazo, o que perpetuará o ciclo de estresse", completa.
O que é beber de forma moderada?
A falta de clareza sobre o que significa beber com moderação é outro desafio. O levantamento do Cisa revelou que 75% dos brasileiros que consomem álcool de maneira excessiva acreditam que bebem moderadamente. Apenas 13% admitem que bebem muito e que precisam mudar o seu padrão de consumo e 11% reconhecem que bebem muito, mas não veem problema nisso.
"Existe um grande desconhecimento por parte da população a respeito do que constitui o uso abusivo, definido como cinco ou mais doses para homens e quatro ou mais doses para mulheres em uma única ocasião", diz Thibes. No Brasil, uma dose de bebida equivale a 14 g de álcool puro, o que corresponde a 350 ml de cerveja (5% de álcool), 150 ml de vinho (12% de álcool) ou 45 ml de destilado (vodca, uísque, cachaça, gin, tequila, com 40% de álcool).
Quando se preocupar
Segundo Arthur Guerra, psiquiatra e presidente do Cisa, os primeiros sinais de alerta são mudanças no comportamento e na saúde. "Se você ou alguém que você conhece está bebendo mais do que o habitual, usando o álcool como uma forma de lidar com problemas, ou se o consumo está afetando o trabalho, a família e as amizades, é importante buscar ajuda e conversar com um profissional de saúde", aconselha.
Outros pontos de atenção incluem a necessidade de beber mais para sentir os mesmos efeitos, sentir-se culpado ou envergonhado pelo consumo de álcool, ou ter dificuldades em parar de beber uma vez que começou.
Estratégias de redução
Para quem está pensando em reduzir o consumo, há algumas estratégias simples e eficazes que podem ajudar. Primeiro, estabelecer limites claros para si mesmo sobre a quantidade de álcool que vai consumir e tentar se manter dentro desses limites. Planejar com antecedência as ocasiões em que vai beber e evitar situações em que será difícil controlar o consumo.
"Decidir consumir pequenas doses de álcool apenas em momentos especiais torna esses momentos mais significativos e proveitosos", diz Assis. Outra dica é alternar bebidas alcoólicas com não alcoólicas, como água e sucos. "A chave é fazer do consumo de álcool uma escolha consciente e responsável", ressalta Guerra.