Em procedimento inédito, ela reconstruiu rosto com próteses de impressão 3D
Janaína Silva
Colaboração para o VivaBem
29/07/2024 04h00Atualizada em 29/07/2024 09h10
Sthefane Felipe Verteiro, 23, passou por cirurgia inédita para colocação de próteses de titânio, confeccionadas na Alemanha com impressão 3D, para reconstrução de seu rosto, em 12 de julho. Ela sofreu um acidente durante o deslocamento de sua casa ao trabalho, no ano passado.
O procedimento inédito contou com equipes médicas e até técnicos de informática do Paraná, São Paulo e da Alemanha. As próteses foram desenvolvidas no formato de quebra-cabeça e uma guia de perfuração tridimensional foi usada para o encaixe perfeito das peças.
Segundo Daniel Gaziri, cirurgião bucomaxilofacial do Hospital Evangélico, em Londrina (PR), o uso de tecnologias já existentes e algumas utilizadas pela primeira vez na América Latina tornaram possível a reconstrução facial de Stephane com sucesso.
Acidente na rodovia
Quando seguia para o trabalho, uma colheitadeira bateu na moto em ela estava, na rodovia entre Bela Vista do Paraíso e Sertanópolis, no Paraná. Era 9 de março de 2023.
Sthefane lembra da data, mas não se recorda de nada daquele dia nem dos seguintes em que esteve na UTI. Com a colisão, ela teve traumatismo craniano, fraturou os dois punhos, a tíbia e a fíbula da perna esquerda. Ela foi socorrida, estabilizada e levada de helicóptero ao Hospital do Coração, de Londrina.
A agilidade no atendimento fez total diferença, mas mesmo assim seu estado ao chegar ao hospital era três na escala Glasgow, no qual há de 5 a 10% de chance de vida. Ainda hospitalizada, desenvolveu trombose e embolia, que a fizeram retornar à UTI. No total, foram 30 dias na UTI, durante os dois meses de internação.
Devido ao impacto na cabeça, mesmo usando capacete, a energia concentrada no rosto do lado esquerdo tornou impossível reconstruir os ossos do crânio, exigindo a colocação de placas. A preocupação era salvar a vida e, depois, a estética. "Lembro que ainda na UTI conversei com ela sobre a existência de sequelas, mas que sabíamos como tratá-las", comenta o cirurgião.
Além disso, houve a perda de gordura que envolve o olho esquerdo, a gordura periorbital. Com os tecidos danificados e sem sustentação da gordura, o globo ocular mudou de posição e afundou, o que causou a visão dupla (diplopia). "Se eu olho fixamente para frente, é normal, mas de acordo com a movimentação e os ângulos, vejo tudo dobrado. É uma sensação de instabilidade e atrapalha a locomoção, a leitura e outras atividades diárias, prejudicando a qualidade de vida", explica Sthefane.
Ela estava noiva e de casamento marcado para maio daquele ano, mas os planos mudaram. Segundo ela, ainda não há uma nova data, pois aguarda sua recuperação. "Estou dando um passo de cada vez. Assim que eu me recuperar, começo os preparativos."
Cirurgia durou 7 horas
Diante da gravidade da condição da paciente, Gaziri se deparou com um verdadeiro desafio, pois teve que encontrar uma forma de dar o contorno ideal para o globo ocular, permitindo que ele voltasse à posição correta e possibilitasse a fusão de imagens, sem a diplopia.
Para isso, o cirurgião bucomaxilofacial —que é uma especialidade da odontologia—, com mestrado e doutorado em reconstrução facial, acionou profissionais de Londrina, São Paulo e da Alemanha para estudarem o caso conjuntamente e encontrarem uma solução.
Gaziri relata que já havia acompanhado casos com próteses em 3D de outros materiais, mas não na complexidade do caso de Stephane. Foram realizados exames de imagens, como ressonância e tomografia, para dimensionar a perda de tecidos e projetar uma prótese 3D em titânio precisa.
"O procedimento é ainda mais inédito porque a prótese é do tipo puzzle, um quebra-cabeça. Ela veio desmontada, e montamos dentro da paciente", diz o cirurgião.
Durante a cirurgia, o globo ocular foi colocado na posição correta, alinhado ao olho direito. Isso foi feito por meio de uma técnica chamada espelhamento, na qual o olho que não foi danificado foi espelhado para a confecção da prótese. Além da visão, a harmonia facial e estética foram pontos a serem alcançados, para a recuperação da autoestima.
A cirurgia durou quase 7 horas, mas podia ter levado até 14 horas, segundo o Gaziri, e teve a participação de três equipes médicas, com especialistas de Londrina, da Unesp e do Hospital Sírio Libanês, para a remoção de todas as placas e parafusos, seguindo todos os protocolos, pois além de tudo, pelo histórico, o risco de tromboembolismo era maior.
"Uma vantagem da tecnologia é a previsibilidade dos resultados, e Sthefane pode ver na tomografia do pós-operatório imediato que a correção havia sido resolvida", ressalta o bucomaxilofacial.
Agora, com o alinhamento dos globos oculares, ela se recupera, fazendo fisioterapia também dos olhos. As previsões indicam que em 30 dias o rosto esteja mais desinchado e, em três meses, ela possa retomar a vida normal.
"A divulgação da existência dessa tecnologia é fundamental para possibilitar acesso a outras pessoas que necessitam de reconstruções de face", enfatiza o cirurgião.