O que explica jovem de hoje ser menos feliz que o de gerações passadas
Vitor Nogueira, 22, estudante de fisioterapia e morador de Santos (SP), e Beatriz Chagas Pizzo, 24, pedagoga de Curitiba (PR), compartilham não apenas a juventude, mas também preocupações sobre o futuro. Essas preocupações refletem as conclusões de um artigo publicado no dia 16 abril no periódico NBER. O estudo revela uma mudança significativa na chamada "curva da felicidade", indicando que a juventude não é mais o período de maior satisfação pessoal e bem-estar.
Baseada em estudos relevantes que remontam a 1973 e replicados em 146 países, a curva tradicionalmente tinha o formato de "U", com os picos esquerdo e direito representando a juventude e a velhice, respectivamente. Agora, esse padrão que foi consistente por anos dá lugar a uma linha gráfica que revela um aumento da infelicidade entre os jovens, tanto em termos absolutos quanto em relação aos mais velhos.
O que está por trás dessa infelicidade?
Para Vitor e Beatriz, a crescente pressão das redes sociais e a crise climática são fatores que contribuem para esse sentimento de desconforto e incerteza. O artigo reforça essa percepção ao mostrar que os desafios contemporâneos impactam negativamente a saúde mental dos jovens.
A pesquisa em questão se concentra principalmente na faixa etária de 18 a 24 anos e usou dados de saúde mental de 34 países, incluindo o Brasil. Ionésia Amaral, psiquiatra da infância e adolescência, observa que o estudo apresenta limitações na representatividade dos dados de gênero e grupos raciais, mas concorda que a geração atual enfrenta pressões intensas devido ao mundo virtual e às redes sociais.
"Com a chegada do mundo virtual e o boom do Facebook, as pessoas passaram a se conectar a comunidades online, buscando validação através de curtidas e compartilhamentos. A ideia de ser especial e de quanto se é falado pelos outros se tornou fundamental, pois, psicologicamente, nos constituímos a partir do olhar do outro. Tudo é exibido e comparado, gerando uma pressão interna e externa nos indivíduos", afirma Amaral, que é coordenadora aposentada do Ambulatório de Crianças e Adolescentes do HUWC/UFC (Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará).
Ainda de acordo com a pesquisa, a pandemia de covid-19 exacerbou as tendências existentes de declínio da saúde mental dos jovens, principalmente porque levou ao isolamento social e aumentou a dependência da realidade virtual.
Os jovens estão em uma fase de afirmação e construção de identidade, e as redes sociais, ao amplificar comparações e expectativas, tornam-se um campo fértil para sentimentos de inadequação, ansiedade e depressão. Patrícia Scheeren, doutora em psicologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Fatores econômicos e sociais também têm seu papel
Além dos fatores sociais, a situação econômica mundial também desempenha um papel crucial no bem-estar dos jovens. A instabilidade financeira e a recessão global, como a de 2008, resultaram em menos oportunidades de emprego e salários mais baixos, que continuam reverberando na sociedade, segundo o artigo.
No Brasil, por exemplo, a flexibilização das leis trabalhistas em 2017 resultou em contratos de trabalho extenuantes e que não garantem direitos, e acabam impactando diretamente nas perspectivas futuras e, consequentemente, a satisfação pessoal dos jovens, segundo Dandara Palhano, que é psicóloga doutora em modelos de decisão e saúde pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Vemos uma crescente insatisfação entre os jovens, que reclamam de trabalhar excessivamente e de não terem tempo para si mesmos. Essa geração é muito mais consciente que seus pais da necessidade de equilibrar trabalho e lazer. Dandara Palhano, psicóloga doutora em modelos de decisão e saúde pela UFPB e que atua como professora visitante no programa de pós-doutorado da UFS (Universidade Federal de Sergipe)
Esses jovens têm mais dificuldade em alcançar independência e estabilidade financeira e enfrentam altas expectativas para se estabelecerem. A comparação com o sucesso financeiro promovida por influenciadores digitais e entre as gerações também causa mal-estar entre os jovens.
Muita gente diz que, na minha idade, já tinham carro, estavam casados e com filhos, entre outras coisas. Isso gera um sentimento de insuficiência e a necessidade de fazer mais e ser melhor, sendo que a competição nos dias de hoje é absurda. Beatriz Chagas Pizzo, pedagoga de 24 anos
A psicóloga Susy Rocha, mestre em ciências da saúde pela UnB (Universidade de Brasília), observa que a superproteção dos pais, que muitas vezes suprem os filhos materialmente para compensar a presença emocional, impede o desenvolvimento da resiliência emocional necessária para lidar com os desafios da vida adulta, incluindo as pressões do mundo profissional. "Isso resulta em jovens com baixa tolerância à frustração e dificuldades em lidar com as próprias emoções", explica.
Para lidar com esses desafios, as especialistas sugerem que os jovens façam uma autoavaliação para identificar suas próprias necessidades e valores. Buscar espaços de conexão emocional, como com a família e amigos, e cuidar da saúde mental através de práticas como a espiritualidade, a atividade física e o descanso adequado são essenciais.
"Também recomendo que esses jovens deixem de seguir perfis nas redes sociais que promovem padrões de vida inatingíveis e façam um esforço para se desconectar mais do celular, priorizando a interação face a face com amigos e familiares", destaca Palhano.
Por outro lado, as profissionais afirmam que é essencial procurar ajuda profissional, principalmente se a sensação de insatisfação e a tristeza forem constantes e paralisantes.
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