Peste negra voltou? Caso nos EUA gera preocupação, mas precisamos ter medo?

No início de julho, um caso ocorrido no Colorado (EUA) chamou a atenção: um humano foi diagnosticado com peste bubônica, uma doença que, segundo estimativas, já matou mais de 200 milhões de pessoas ao longo da história e foi responsável por uma epidemia que dizimou pelo menos um terço da população da Europa no Século 14.

Apesar de ser uma doença associada à Idade Média, casos de peste bubônica não são tão raros assim. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), estima-se que de 1.000 a 3.000 pessoas ainda são infectadas pela doença por ano, especialmente em países como a República Democrática do Congo, Madagascar e Peru.

Mas será que isso significa que há o risco de uma epidemia em nível global?

Três doenças em uma

A peste bubônica é uma doença causada pela bactéria Yersinia pestis e que pode infectar humanos de duas formas principais. "A transmissão em geral ocorre por picada de pulgas, que levam a bactéria aos humanos após picarem animais infectados. Em geral, esses animais são ratos, já que eles são roedores que convivem próximos de humanos", aponta José Geraldo Ribeiro, epidemiologista do Fleury Medicina e Saúde.

Outra forma de transmissão é de humano para humano, geralmente por meio de tosses e espirros.

O sintoma mais comum da peste bubônica é o inchaço dos gânglios, estruturas do sistema linfático que atuam na defesa do corpo contra infecções. Isso é seguido de sintomas como febre, fraqueza, mal-estar e dor de cabeça. Essa é a forma mais leve e comum da doença —representando entre 80 e 90% dos casos— e pode, inclusive, não evoluir e ter cura espontânea caso a secreção que faz os gânglios incharem acabar drenando naturalmente.

Yersinia Pestis, a bactéria da peste bubônica
Yersinia Pestis, a bactéria da peste bubônica Imagem: Getty Images

O maior risco ocorre quando ela evolui. "Por vezes a bactéria pode causar um quadro de pneumonia grave ou até um quadro de infecção generalizada no sangue, similar a um choque séptico. Essas duas formas são mais raras, mas se não tratadas, levam a alto risco de óbito, superior a 60%. E, mesmo com tratamento, pela dificuldade do diagnóstico e atraso na tomada de medidas específicas, o risco de morte pela doença pode chegar a 15 a 20%", explica Max Igor Banks, infectologista do Hospital Santa Catarina - Paulista.

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Quando atinge os pulmões, a peste compromete de forma severa o órgão, gerando, entre outras sintomas, a hemoptise, que é uma tosse com presença de sangue. Essa situação, inclusive, é a principal responsável pela transmissão da doença entre humanos. Nesses estágios mais avançados, a oxigenação de extremidades do corpo, como mãos, pés e nariz fica comprometida, causando o escurecimento da pele nessas regiões. É justamente daí que vem outro apelido da doença: a peste negra.

O tratamento, em si, é relativamente simples. "São administrados antibióticos e a maioria dos disponíveis atualmente é eficaz e apresenta bons resultados", aponta Stefan Cunha Ujvari, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Risco ficou no passado

Alguns fatores foram fundamentais para a letalidade da peste bubônica no passado: falta de conhecimento sobre a doença e sobre como ela era transmitida, a inexistência de medidas para tratamento de infecções, como antibióticos, e a própria formatação das cidades antigas.

"Para se ter uma ideia, acreditava-se que a doença era transmitida pelos chamados 'miasmas', ou gases venenosos. Daí os trajes dos chamados 'médicos da peste' serem grossos, feitos de couro", explica Ujvari.

Charge de Oswaldo Cruz combatendo febre amarela e peste bubônica em 1911
Charge de Oswaldo Cruz combatendo febre amarela e peste bubônica em 1911 Imagem: Museu da Funasa
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As cidades do período também careciam de quaisquer medidas de saneamento, o que favorecia a proliferação de ratos e os deixavam próximos dos humanos. Por fim, havia uma grande concentração de pessoas em um mesmo imóvel, especialmente em épocas como o inverno, aumentando consideravelmente o índice de transmissão da doença caso houvesse infectados em uma família.

A doença, inclusive, causou uma epidemia no Brasil, com os primeiros casos sendo registrados em outubro de 1899, inicialmente na cidade de Santos (SP). Na ocasião, grandes nomes da ciência brasileira, como Adolpho Lutz, Vital Brasil e Oswaldo Cruz atuaram no combate à doença.

O risco de uma epidemia, porém, é coisa do passado. "Considerando o mínimo de condição sanitária é muito improvável de algo assim acontecer nos dias atuais. O tratamento com antibióticos é bastante efetivo e, sabendo da importância do controle de pulgas e animais no ambiente, é bem conhecida a forma de se estabelecer um controle caso haja um surto em alguma região", diz Banks.

Sendo assim, o que ocorre hoje em dia são casos isolados, geralmente em áreas rurais ou locais com problemas de saneamento básico. Mesmo assim, não custa se prevenir e adotar algumas medidas básicas para evitar a doença, como uso de barreiras físicas e repelentes contra pulgas quando se está em ambientes mais naturais e evitar o acúmulo de lixo.

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