'Meu companheiro 'morreu' por 50 minutos e eu pedia para não desistirem'

O arquiteto Rogério Oliveira, de 53 anos, "morreu" por cerca de 50 minutos na noite de 4 de julho, uma quinta-feira. Seu caso é conhecido como morte súbita abortada, quando a pessoa tem uma parada cardíaca revertida após o socorro.

"Lembro cerca de 5 minutos antes de ter apagado. Foi um dia tranquilo, nenhum estresse, fiquei trabalhando em home office", conta.

Quem o socorreu primeiro foi a esposa, a jornalista Cláudia de Castro Lima. "A sensação é que eu estava em um pesadelo", afirma. Ela diz que o resgate só foi possível devido a uma "série de acasos". O primeiro foi o fato de estar em casa na hora.

Eu tinha uma happy hour, mas uma amiga acordou resfriada e desistimos. Só por isso não cheguei em casa por volta das 22 horas. Teria o encontrado já morto.
Cláudia de Castro Lima, jornalista e esposa de Rogério

Rogério Oliveira teve quadro conhecido como morte súbita abortada
Rogério Oliveira teve quadro conhecido como morte súbita abortada Imagem: Arquivo pessoal

A parada cardíaca

O coração de Rogério parou de bater pouco antes das 19h56, o horário em que Cláudia ligou para a emergência. Ele estava no sofá, falando ao celular com um amigo, e a esposa ao lado. O aparelho caiu no chão, e Cláudia chamou o marido, que não respondeu.

"Vi que a boca e os olhos estavam meio abertos, dei uma sacudida nele", conta a jornalista.

Ela ligou para o resgate ao percebê-lo inconsciente e foi instruída a colocar Rogério no chão para começar a massagem cardíaca. "Ele é grande, não sei como tirei do sofá e botei no chão."

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Na hora em que tudo aconteceu, nem tive tempo de sentir. Só sabia que precisava fazer algo, só tinha nós dois. Pensei 'meu marido está morrendo na sala'. Cláudia de Castro Lima

Ela correu para pedir ajuda ao vizinho, Walter. "Ele não ouviu a campainha, mas a neta estava em casa e o chamou", explica Cláudia.

Síndico, Walter soube quem chamar: um casal de médicos que mora no prédio —e que recebia uma amiga médica naquela noite, por coincidência. Dois deles, os endoscopistas Thiago e Denise, se revezaram na massagem cardíaca, dois minutos cada, até o socorro chegar, quase 20 minutos depois.

Rogério pratica surfe há 40 anos, desde os 13
Rogério pratica surfe há 40 anos, desde os 13 Imagem: Arquivo pessoal

'Não desistam dele'

Rogério tomou cinco choques de desfibrilador, ainda em casa. No terceiro, às 20h39, Cláudia ligou para a irmã dele, Kátia. "Estava poupando a família, queria falar só quando tivesse notícias mais definitivas, mas precisava avisar alguém."

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Ele até voltava, mas perdia os batimentos em seguida. Foram quatro paradas cardíacas, no total. Rogério precisava ser levado ao hospital, mas existia um obstáculo: o elevador do prédio era pequeno demais para a maca ir deitada. Por isso, os socorristas tiveram de sustentá-lo em pé, enquanto faziam a massagem cardíaca.

Dizia para todos: 'por favor, não desistam dele, mesmo parecendo que não vai dar'.
Cláudia de Castro Lima

Ele foi levado ao hospital, a um quilômetro de sua casa, em São Paulo. Ao chegar lá, Claudia foi avisada que o coração de Rogério havia voltado a bater. "A médica veio falar que ele só estava vivo porque teve ótimo atendimento pré-hospitalar", conta a jornalista. No Instagram, ela resumiu:

Rogério morreu por quase 50 minutos. Ele teria virado estatística —um dos 320 mil mortos por morte súbita todos os anos no Brasil— não fosse uma sequência de eventos, que alguns chamam de sorte, outros de acasos, outros de milagre, outros de obra de Deus. Cláudia de Castro Lima, no Instagram

Risco alto

Casos de morte súbita abortada não são necessariamente raros. Tudo depende do socorro: quanto mais rápido, melhor. É essencial fazer a massagem cardíaca e, sobretudo, ter o choque do desfibrilador (que retoma o ritmo cardíaco) o quanto antes —para reduzir o risco de morte, mas também de sequelas neurológicas.

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A cada minuto que passa sem fazer nada, o risco de morrer aumenta em 10%. Não existe um tempo limite para você iniciar ou terminar a ressuscitação. Mas, claro, o tempo em que foi ativada a resposta de emergência é o que realmente importa.
Sergio Timerman, diretor do Centro de Parada Cardíaca e Ciência da Ressuscitação do InCor (Instituto do Coração), em São Paulo

Em quadros como os de Rogério o risco de morte é muito alto, diz Timerman. São casos em que há o socorro imediato por meio da massagem cardíaca, mas atraso na desfibrilação (foram mais de 20 minutos até a chegada do resgate e o primeiro choque com o aparelho).

'Acordei no hospital'

Rogério retomou a consciência após três dias na UTI, sem sequelas. Sua última memória era a de estar no sofá de casa. Foi como cair em um sono abrupto, que durou dias. "Não tenho mais nenhuma lembrança até o momento em que acordei no hospital ao lado dela [Cláudia]", conta.

Não sabia por que estava no hospital. Aos poucos, conforme me contavam, fui assimilando o que tinha ocorrido. Rogério Oliveira, arquiteto

A compreensão da gravidade só veio quando viu o apoio que recebia. "Muita, muita gente estava torcendo por mim, alguns mandando energias e vibrações, outros fazendo orações. Me senti amparado por essa rede e comecei a entender a dimensão do que aconteceu comigo."

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O arquiteto tem pressão alta, mas rastreios recentes antes da parada cardíaca não indicavam alterações de saúde. Ele também mantinha uma rotina saudável: se alimentava bem, não bebia com frequência e surfava todos os fins de semana.

Exames descartaram infarto ou AVC (acidente vascular cerebral), causas comuns de morte súbita.

Rogério teve uma fibrilação ventricular, descrita como um "caos elétrico" do coração. O problema causou uma arritmia maligna, que leva à parada cardíaca. "O coração bate de maneira caótica e não consegue mandar sangue para o restante do organismo", descreve Sergio Timerman.

É como se estivesse em um barco com um montão de remadores e cada um começa a remar para um lado de repente, aí o barco não sai do lugar. Essa é a arritmia maligna, que leva à parada cardíaca. Sergio Timerman, cardiologista do Incor

Ele foi transferido de hospital e passou por cirurgia para implantar um CDI (cardioversor desfibrilador implantável), capaz de detectar arritmias e produzir um choque interno no coração para normalizá-lo. É o que o jogador dinamarquês Christian Eriksen usa para atuar mesmo após ter tido uma morte súbita abortada, durante jogo da Eurocopa em 2021.

"Tenho que ficar ainda três meses sem dirigir e sem praticar esportes extenuantes. Mas tudo indica que, aos poucos, vou poder voltar a fazer todos os esportes que praticava antes", diz Rogério.

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O médico me esclareceu que o protocolo proíbe as pessoas com CDI de pilotarem avião, mas, como isso não estava nos meus planos, não me importei muito.
Rogério Oliveira

Cruzada por massagem cardíaca

Passado o susto, Rogério e Cláudia se empenham em uma missão: divulgar cada vez mais a massagem cardíaca. A jornalista nunca participou de treinamentos presenciais e notou não ter noção do que fazia ao ver os médicos executando as manobras em seu marido. "Vi que eu fazia cócegas no coração do Rô", diz.

Casal quer democratizar acesso aos treinamentos presenciais de massagem cardíaca
Casal quer democratizar acesso aos treinamentos presenciais de massagem cardíaca Imagem: Arquivo pessoal

Os movimentos devem assumir o papel do órgão, para bombear o sangue ao restante do corpo. É o que preserva as funções do organismo. Mas é comum leigos terem dificuldades em fazê-los: é preciso adequar a frequência das compressões, profundidade, intensidade, permitir o retorno correto do tórax, entre mais cuidados. Por isso, nem sempre fica fácil aprender por vídeos, é preciso praticar ao vivo.

"É raro ter cursos presenciais gratuitos. Alguns que vi chegam a custar R$ 500, o que privilegia e dá mais direito à vida aos que têm dinheiro", diz a jornalista.

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Estou nessa cruzada de alertar para a importância de massagem cardíaca. Já assisti a mil vídeos e nunca tinha treinado. Não é a mesma coisa. Tem que ser um treinamento presencial para entender qual é o ritmo, é muito forte o negócio.
Cláudia de Castro Lima

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