Despensa mudou de tamanho: Plano Real transformou mesa dos brasileiros

Quantos anos você tinha quando o Plano Real entrou em vigor? Se você nasceu até o final da década de 1970, deve se lembrar das compras mensais repletas de enlatados. Com a inflação alta e a desvalorização acelerada da moeda, as famílias corriam aos supermercados assim que recebiam seus salários para garantir o abastecimento da despensa.

Naquela época, era comum ver clubes de compras adquirindo grandes volumes para conseguir preços mais vantajosos, já que os mercados por atacado não eram tão comuns. Os pequenos comércios de bairro mantinham o antigo hábito de anotar em cadernetas os gastos das famílias, com acerto no dia do pagamento.

Com o Plano Real, introduzido em 1994 durante o governo de Itamar Franco, as transformações foram significativas. O pacote econômico foi crucial na estabilização da economia brasileira, controlando a hiperinflação e melhorando o poder de compra da população.

"A alta do consumo e da confiança econômica afetaram positivamente áreas como o varejo, mercado imobiliário e construção civil, além do crescimento de mercados emergentes como turismo e tecnologia. O Plano Real não apenas estabilizou a economia, mas também transformou o cotidiano dos brasileiros e diversificou seus hábitos", explica Luã Santini, professor de administração da Faculdade Anhanguera.

Novos hábitos de consumo

A dieta dos brasileiros mudou significativamente. Segundo Santini, a expansão de supermercados e hipermercados ampliou a oferta de produtos importados e ultraprocessados. "Ao passo que cresce a procura por comida pronta, congelada e ultraprocessados, outra vertente também é incentivada, a da apreciação pela gastronomia e qualidade dos alimentos."

As despensas diminuíram de tamanho, e itens alimentícios passaram a fazer parte do dia a dia. "As famílias deixaram de comprar tudo uma vez por mês e passaram a ir ao mercado mais vezes, uma vez por semana, por exemplo, sem se preocupar com a perda imediata de valor da moeda", afirma Veneziano de Castro Araújo, professor de economia da Faculdade Belavista.

Antes do Real, era difícil poupar, e apenas algumas famílias abastadas tinham acesso a produtos financeiros que minimizavam as perdas. "Duas coisas marcaram minha infância na transição da inflação descontrolada para o Plano Real: a máquina remarcadora de preço e a despensa da cozinha. São aspectos que mudaram completamente após o Real", relembra Araújo.

Em 1994, no início do Real, com uma nota de R$ 1 —que tinha um beija-flor estampado e deixou de circular em 2005— comprava-se oito pães, tomava-se um café e ainda sobravam R$ 0,10 de troco ou se levava para casa 1 kg de frango. A mesma nota de R$ 1 valia o mesmo que US$ 1.

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R$ 100 compravam praticamente uma cesta básica e meia na cidade de São Paulo. O salário mínimo era de R$ 64,79. Lojas de R$ 0,99 proliferaram, oferecendo de tudo um pouco, desde material escolar até presentes.

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Imagem: Getty Images

O aumento do consumo de iogurtes e frango foi um dos principais indicadores do resultado positivo das medidas econômicas. Uma reportagem de 20/12/1996, no jornal Folha de S.Paulo, registrou que o consumo de iogurte havia crescido 89,4% de 1994 a 1995, superando o de ovos, conservas, congelados e frango. As classes D e E respondiam por 30% da aquisição de produtos como biscoitos, iogurtes e macarrão instantâneo.

Alex Nery, economista e professor da FIA Business School, aponta que esses itens ainda são populares na alimentação dos brasileiros. "Pesquisas mostram que iogurtes e leite ainda estão entre os itens mais comprados por brasileiros."

A revolução dos industrializados

A procura por industrializados e processados, como refrigerantes, pães e produtos semiprontos, cresceu. O consumo de proteínas também mudou, com um aumento na demanda por frango e carne bovina.

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"As mudanças não ocorreram somente em razão do Plano Real. Outras variáveis, como a urbanização, a globalização e a abertura de mercado iniciada nos anos 1990, também contribuíram para as modificações nos hábitos dos brasileiros", explica Nery.

Apesar dos benefícios econômicos e do aumento do poder aquisitivo, surgem desafios como problemas de saúde relacionados à dieta, como obesidade e doenças crônicas.

Durval Ribas Filho, presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), destaca que a ingestão elevada de processados, aliada à queda na atividade física, tem levado ao excesso de peso corporal. "Nos últimos 30 anos, a combinação desses fatores tem gerado consequências preocupantes para a saúde."

O Plano Real não apenas estabilizou a economia, mas transformou a maneira como os brasileiros consomem e vivem. Essa mudança, enquanto positiva em muitos aspectos, também exige novas abordagens para lidar com os desafios que surgem no caminho.

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