Posta foto dos filhos nas redes sociais? Isso pode ser perigoso para eles
No passado, memórias selecionadas da infância e adolescência eram guardadas em álbuns de fotografias que passavam de geração para geração. Hoje, com as redes sociais, é possível compartilhar centenas de momentos de crianças e adolescentes, muitas vezes no mesmo dia em que acontecem.
Mas exposição constante e intensa pode ter um preço alto: há o risco de comprometer a saúde mental e até mesmo a segurança física dos menores, colocando-os em situações de vulnerabilidade que antes eram menos comuns.
Quando essa prática vem dos pais, ela pode ser caracterizada pelo termo "shareting", que no inglês mistura "share" (compartilhar) com "parents" (pais). Em outras palavras, é o hábito de expor nas redes sociais fotos e vídeos dos filhos.
"Os principais riscos, especialmente quando a exposição é excessiva, envolvem a violação à privacidade da criança e do adolescente e a segurança, sob diversos aspectos", avalia o Lucas Baff, professor de Direito na Facha (Faculdades Integradas Hélio Alonso), doutor em direito e advogado.
Segundo ele, em relação à segurança, em especial o compartilhamento de locais frequentados e da rotina da família, pode fornecer informações às quais criminosos podem se aproveitar. Além disso, a exposição excessiva no mundo pode gerar um impacto psicológico em crianças e adolescentes.
Mesmo que as contas dos pais ou responsáveis não tenham muitos seguidores, especialistas consultados pelo VivaBem alertam que ainda existem riscos à segurança das crianças.
As fotos e vídeos podem, mesmo assim, acabar sendo usadas como o intuito de humilhar ou fazer bullying, e ainda mais grave, ser acessada por pessoas envolvidas em redes de pedofilia.
A mãe Amanda Vidal, 41, diz que se considera alguém que não gosta de exposição gratuita —e busca proteger sua filha de 8 anos do mesmo na internet.
"Minha criança nem entende o que pode ter por trás dos perfis na internet. Não somos pessoas públicas, não temos fama nem pretensão em ter, então penso não ter necessidade de expor minha criança por aí."
Apesar de compartilhar algumas fotos de sua filha no Instagram, Amanda diz que toma medidas para minimizar riscos.
Geralmente utilizo postagens rápidas, que duram 24h e depois somem, e meu perfil é privado, o que limita muito as visualizações indesejáveis. Não gosto da ideia de deixar a criança à vontade para produzir conteúdos e postar. Acho que criança precisa brincar, correr, pular, e não dá para fazer isso com celular na mão. Amanda Vidal
Edilza Frazão, 35, que tem uma filha de 5, compartilha de uma opinião semelhante.
"Não vejo problemas em postar algo referente aos filhos, mas é necessário cuidado no que expor e na quantidade de informações, que mesmo sem querer, oferecemos a pessoas erradas na internet. Acredito que esse seja o limite. A informação pode chegar em mãos erradas e ser usada para bullying, abusos, sequestros, entre outros."
Edilza relata tomar cuidados como nunca postar sua filha em uniforme escolar, assim como conscientemente escolher o tipo de imagem.
Minhas redes são privadas e frequentemente eu faço a manutenção das pessoas que me seguem. Não posto nenhuma foto que seja vulnerável a uma montagem pornográfica, como a criança consumindo um sorvete —já que pode ser copiada e manipulada. Edilza Frazão
Quais os direitos da criança e adolescente?
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é o principal marco legal brasileiro que estabelece os direitos fundamentais específicos das crianças e adolescentes.
De acordo com o advogado Flávio Pierobon, não há legislação específica sobre exposição na internet, mas há diversas normas que podem ser usadas quando a superexposição se mostrar contrária aos interesses da criança e ofenderem direitos fundamentais reconhecidos pelo sistema jurídico brasileiro.
"O ECA garante direitos relacionados à preservação da imagem e destaca a proteção da dignidade da criança em diversos dispositivos", diz Pierobon, que atua no escritório Caversan Antunes Advogados Associados.
Segundo ele, esses dispositivos abordam dois aspectos principais: a proteção da imagem, privacidade e intimidade das crianças, que não podem ser violados sem o consentimento delas e/ou dos pais ou responsáveis; e o fato de que, se a exposição voluntária de imagens e da vida privada gerar rendimentos, esses devem beneficiar a própria criança.
Nos Estados Unidos, alguns estados, como Illinois, já têm leis específicas para proteger esses ganhos financeiros e direcioná-los exclusivamente para os menores, prevendo minimizar o risco de exploração pelos pais. Ainda não há algo semelhante no Brasil, e as consequências previstas pela lei brasileira, explica Pierobon, dependem dos efeitos da superexposição.
A superexposição não é crime, mas pode colocar a criança em risco. Nesse caso, o Judiciário pode intervir, não necessariamente para punir os pais, mas para ajudá-los a compreender os riscos da superexposição. Há, inclusive, disposições específicas sobre a privacidade no contexto das medidas de proteção às crianças. Flávio Pierobon, advogado.
Outra legislação que contribui para a proteção, lembra o advogado Lucas Baffi, é a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). "As diretrizes protegem contra a utilização indevida de dados dos usuários, incluindo crianças e adolescentes. Nossa legislação atual veda o tratamento de dados de forma indevida, incluindo a coleta, exposição e compartilhamento de imagem, nome e outros dados dos usuários."
Saúde mental dos menores deve ser considerada
Além disso, a superexposição nas redes sociais pode trazer impactos significativos na saúde em todas as fases do desenvolvimento, alerta Verônica Carvalho, pediatra e psiquiatra do Hias (Hospital Infantil Albert Sabin). "Os impactos se refletem desde o comprometimento da saúde física, como atraso de fala, problemas de visão e dores musculares, até repercussões complexas na saúde mental, como o surgimento de vícios, ansiedade e depressão."
A especialista afirma que o excesso de mídias sociais também pode contribuir para situações como o cyberbullying e visualização de conteúdos inadequados, provocando comportamentos de risco principalmente entre os adolescentes.
Outro risco é que esses jovens apresentem isolamento e mudanças no comportamento. "Podem perder interesse em atividades que antes eram prazerosas, como brincar e sair com os amigos, alteração no apetite e no sono (para mais ou para menos) e queda no rendimento escolar", diz Carvalho.
"Eles também podem apresentar sintomas físicos como dores de cabeça ou na barriga, sem causa médica aparente. Há também situações em que elas apresentam um aumento da sensibilidade a críticas, ficando mais irritadas, tristes ou com choros frequentes."
Como balancear exposição e segurança
"As principais medidas que podemos destacar é reduzir a exposição de crianças e adolescentes e, quando esta ocorrer, que seja minimamente limitada a familiares e amigos próximos, utilizando-se das ferramentas disponibilizadas nas redes sociais para tanto", recomenda o advogado Lucas Baffi.
Apesar de o compartilhamento ser positivo no aspecto de melhora do engajamento social entre familiares e amigos, afirma a pediatra e psiquiatra Verônica Carvalho, informações detalhadas sobre eventos e pessoas envolvidas nunca devem ser divulgadas.
Não podemos esquecer que o que entra na rede, fica na rede, e que o excesso de informações pessoais pode trazer riscos à saúde física, mental e social com repercussões para toda a vida do indivíduo. Verônica Carvalho, pediatra e psiquiatra
Os especialistas são unânimes no que diz respeito à necessidade de proteger informações pessoais nas redes, como: local de moradia, escola, lugares que frequenta de modo recorrente, número de documentos, entre outros dados pessoais importantes.
Carvalho alerta que os pais e responsáveis precisam manter um diálogo aberto sobre riscos inerentes a presença nas redes é importante. "A criança deve estar instruída para reconhecer uma interação inadequada, mesmo com pessoas de sua convivência e se sentir à vontade para recorrer aos seus familiares em situações de risco."
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