'Cheguei a parar de menstruar por excesso de treino': entenda a vigorexia

A carioca Giulia Marques, 31, advogada, foi diagnosticada há pouco mais de um ano com vigorexia. O distúrbio, também conhecido como transtorno dismórfico corporal, é caracterizado por uma preocupação exacerbada com a imagem do corpo, especificamente com a massa muscular e a definição corporal. Pessoas com vigorexia acreditam que nunca estão suficientemente musculosas e frequentemente passam muitas horas por dia se exercitando e seguindo dietas rigorosas.

Giulia conta que passou a notar que sofria com o transtorno no fim de 2022, depois de perceber que sua preocupação excessiva com o corpo estava trazendo problemas físicos e emocionais. Para tratar o problema, ela buscou ajuda com psicóloga, psiquiatra e nutricionista. Ao VivaBem, ela conta a sua história:

"Desde 2012 comecei a levar uma vida mais ativa e saudável e, à medida que os anos se passaram, fui me interessando mais e ganhando mais conhecimento na área. Em dezembro de 2021, eu estava a fim de dar uma secada. Eu já era magra, definida, com massa muscular, mas senti essa necessidade de ficar mais 'slim'.

Com acompanhamento da minha antiga nutricionista e do meu antigo endócrino, eu pedi para montarmos um plano para esse objetivo. Curto, já que seria de restrição mais severa.

Nessa época eu fazia duas sessões de treino por dia de, aproximadamente, duas horas cada uma, e tinha um gasto calórico muito alto e uma ingestão muito baixa.

Se eu não estivesse trabalhando, eu estava treinando. Eu malhava de manhã cedo, ia para o trabalho e depois voltava de noite para treinar mais. A ideia era ficar apenas um mês nesse protocolo, mas fui mantendo porque eu cada vez mais me aproximava do visual estético que me agradava. Eu não soube a hora de parar.

Depois de seis meses, eu havia perdido uns 10 kg. Cheguei a usar diuréticos ou bloqueadores de calorias para alcançar meu objetivo. Os bloqueadores funcionam, por exemplo, para seu organismo não absorver todas as calorias provenientes dos carboidratos e gorduras daquela refeição. Geralmente é usado quando você acaba comendo muito, mas eu usava isso em qualquer refeição que achasse que comia mais gorduras do que deveria.

Giulia Marques
Giulia Marques Imagem: Arquivo pessoal

Em dezembro de 2022, tinha batido meu menor percentual de gordura: estava com 8% (aproximadamente 4,5 kg de gordura corporal). Para uma mulher, isso é muito pouco. E o pior é que eu nem precisava. Nesta época, cheguei a parar de menstruar em razão do baixo percentual de gordura e excesso de treino.

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Foi só então que comecei a ficar preocupada e mudei de nutricionista, pois a anterior contribuía muito para esse meu quadro de transtorno, e procurei a psicóloga. Fiquei alguns meses só com esses dois profissionais, até que a psicóloga sugeriu que eu procurasse a psiquiatra para conseguirmos fechar o diagnóstico de vigorexia.

Meu grande problema com a imagem é que eu nunca consigo ter a real percepção do quão definida eu sou. Minha obsessão maior acaba sendo com o abdome.

Se minhas veias da barriga não estivessem aparecendo, se eu não estivesse extremamente depletada (com musculatura bem aparente), eu não achava que estava bom e acabava compensando com alguma coisa: ou exercício ou alimentação.

A vigorexia me trouxe outros transtornos. O fato de não me ver nunca de forma satisfatória, sempre achando que podia melhorar um pouco mais, me fez desenvolver um TOC, uma obsessão extrema com a região abdominal e sua definição, e bulimia nervosa. Houve uma época que desenvolvi uma ortorexia (obsessão patológica por alimentos saudáveis).

Eu tinha muita dificuldade de comer qualquer coisa preparada por outra pessoa, por não saber como tinha sido o modo de preparo. Comecei a ler todas as tabelas nutricionais dos alimentos, pedia lista de ingrediente e tabela nutricional de qualquer coisa que eu fosse comer e que não havia sido preparada por mim.

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Imagem: Arquivo pessoal
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E a questão é essa, eu atingi um físico muito acima da média, então, qualquer coisa um pouco abaixo disso acabava trazendo certo grau de insatisfação. Desacostumar com o corpo do 'físico perfeito', mas que estava doente, para um corpo realmente com físico perfeito —que às vezes eu duvido— e saudável é um processo, mas posso dizer que com a ajuda psicológica, psiquiátrica e nutricional eu tenho caminhado muito bem.

Se eu puder dar um conselho para quem minimamente se sente assim, é: procure ajuda, mesmo que em um primeiro momento seja da família e amigos. Eles podem te ajudar a identificar essas distorções de imagem. Não tenham vergonha de identificar o problema e tratá-lo.

Ainda hoje eu treino todos os dias da semana, uma sessão de duas horas de treino que pode ser de crossfit, musculação ou exercícios aeróbicos em ergômetros. Aos domingos eu faço descanso completo ou algum tipo de descanso ativo, mas tenho optado pelo descanso completo 98% das vezes.

Tem semanas que estou péssima, achando tudo horrível e tem semanas que eu estou ótima, achando tudo lindo. É um processo, mas tenho sentido que a equipe multidisciplinar tem me ajudado muito a mudar a visão. O que eu faço muito é fazer fotos e vídeos para conseguir enxergar a realidade. Através de vídeos eu tenho mais essa noção de realidade do que pessoalmente, olhando no espelho."

Vigorexia atinge homens e mulheres

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Imagem: iStock
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Embora a vigorexia seja mais prevalente em homens, devido à ênfase cultural na musculatura masculina como símbolo de força e virilidade, também pode afetar mulheres, como no caso da Giulia, representando cerca de 20% dos casos, segundo especialistas ouvidos por VivaBem.

"Homens tendem a focar no aumento de massa muscular e na definição, enquanto mulheres podem se concentrar mais na tonificação e no emagrecimento, além da definição muscular. As mulheres podem também sofrer pressão adicional para manter uma aparência feminina e esbelta, o que pode complicar ainda mais a percepção corporal", explica Arthur Danila, médico psiquiatra e coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).

Quais são os gatilhos da vigorexia

Os gatilhos para a vigorexia podem ser variados e complexos, incluindo fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Entre os fatores psicológicos, destaca-se a baixa autoestima e a insatisfação com a imagem corporal desde a adolescência. Socialmente, a pressão para atingir um corpo idealizado, promovida pela mídia e pelas redes sociais, tem um papel significativo. Experiências pessoais negativas, como bullying ou críticas sobre o corpo, também podem servir como gatilhos.

A obsessão pelo corpo musculoso aparece como uma forma de construção de identidade, na busca de um sentimento de maior valor entre os pares. Aldo Vilar, professor do departamento de neuropsiquiatria da UFPE e membro da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria

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Sinais e riscos da vigorexia

Segundo Francine de Paula Oliveira, psicóloga pela UniFsp (Centro Universitário Sudoeste Paulista), e que também atende a Giulia, do ponto de vista emocional, o aumento da ansiedade, do estresse e o aparecimento de sintomas de depressão são comuns devido à pressão que o próprio indivíduo se coloca.

"Como o foco dessa pessoa é a parte estética e a força, pode-se desencadear transtornos alimentares, como bulimia, anorexia e compulsão alimentar, visto que, na maioria das vezes, o indivíduo segue uma dieta restrita, rigorosa e pode buscar por recursos compensatórios quando algo na sua alimentação não sai conforme o planejado", aponta.

Ela conta que há alguns sinais poucos citados, mas muito recorrentes e importantes nesse quadro que são os comportamentos repetitivos/compulsivos, que podem ser desde a pesagem, em alguns casos, diária; autoavaliar-se no espelho várias vezes ao dia (para checar se não ganhou/perdeu massa ou gordura) e a comparação com outros corpos.

"A constante insatisfação com o próprio corpo e a necessidade de atingir um ideal inatingível podem levar a sentimentos de fracasso e baixa autoestima. Além disso, a condição pode resultar em isolamento social, já que as atividades e interações sociais podem ser negligenciadas em favor de um regime rigoroso de exercícios", afirma Emili Barberino, psicóloga pela Universidade Federal do Vale do São Francisco e neurocientista do comportamento pela PUCRS.

Além dos sinais emocionais, problemas físicos também podem surgir. Indivíduos afetados frequentemente se envolvem em exercícios excessivos e intensos, o que pode resultar em lesões musculares e articulares.

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"Além disso, muitos recorrem ao uso de substâncias anabolizantes e suplementos sem orientação médica, aumentando o risco de problemas cardíacos, hepáticos e renais, além de distúrbios hormonais", alerta o psiquiatra Arthur Danila.

Tratamento

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Imagem: iStock

O tratamento da vigorexia geralmente requer uma abordagem multidisciplinar, com acompanhamento médico, psicológico e nutricional.

A psicoterapia, especialmente a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), é fundamental para ajudar o paciente a reestruturar seus pensamentos e comportamentos relacionados à imagem corporal.

O médico psiquiatra irá avaliar a necessidade de medicação para tratar sintomas de ansiedade e depressão.

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O acompanhamento nutricional é importante para promover hábitos alimentares saudáveis.

Já a orientação de um profissional de educação física vai trazer execuções mais seguras e na medida certa para um crescimento muscular equilibrado.

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