Com anorexia e bulimia, ela pesa 29 kg: 'Gastava para comer e vomitava'

Alerta: o texto abaixo traz o relato de uma paciente com transtornos alimentares, o que pode servir de gatilho**

"Adquiri dívidas, entrei numa bola de neve. Eu só queria comer, comer e comer bem. Foram vários saques, empréstimos para pagar as dívidas dos cartões de crédito, tudo para manter o meu vício pela comida."

Sofia Ramos é uma atriz portuguesa de 1,66 m de altura e que, aos 26 anos, está pesando apenas 29 kg. Há uma década ela lida com um combo de distúrbios alimentares severos: anorexia, compulsão alimentar e bulimia. Tudo isso levou a dívidas na casa das dezenas de milhares de euros, já que gastava muito com alimentação —mas vomitava para não engordar.

A portuguesa, que teve algumas atuações no teatro e não conseguiu papéis mais importantes pelos problemas de saúde, está internada em um hospital em Leiria, devido a um colapso nos órgãos, causado pelos distúrbios.

Segundo ela relata, o descontrole alimentar começou para "esquecer os problemas". Em 2015, aos 17 anos, ela decidiu fazer uma dieta, por não estar feliz com o peso, apesar de ter 57 kg —que condiziam com os parâmetros de sua idade.

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Imagem: Arquivo Pessoal

"Fazia dietas extremas. Ingeria poucos alimentos, comia só maçãs, saladas e bebia muita água. Perdi 20 kg e cheguei aos 37. Daí, não parei mais. Amigos da escola me diziam que eu tinha pernão e bundão, aquilo me deixava desconfortável", conta ela, no hospital, a VivaBem.

'Prazer momentâneo'

"Foi aí que aprendi que se vomitasse o que comia, poderia ter o prazer momentâneo de comer e que não iria engordar. Isso se tornou o maior e único prazer que tinha na vida", adiciona a atriz.

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A anorexia nervosa é resultado da preocupação exagerada com o peso corporal, em uma busca pela magreza extrema. A pessoa tem uma imagem do corpo distorcida e acredita estar com sobrepeso, quando o que acontece é exatamente o contrário.

Já na bulimia, que geralmente vem acompanhada da compulsão por comida, a pessoa come de forma descontrolada, e depois, arrependida, segue rituais para evitar o ganho de peso —como provocar propositalmente o vômito para eliminar a culpa em ter comido.

"Os distúrbios alimentares tem múltiplas causas como questões genéticas e podem estar associados a outros transtornos mentais como depressão, pânico, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo e alterações de personalidade. A compulsão, por exemplo, é uma resposta do organismo para as restrições, uma perda do controle na ingestão exagerada no consumo do alimento. Come escondido, come sem fome, come até ter dor. A compulsão vem em resposta a restrição", afirma Táki Cordás, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, de São Paulo.

Sofia Ramos, atriz portuguesa que sofre com consequências de anorexia e bulimia
Sofia Ramos, atriz portuguesa que sofre com consequências de anorexia e bulimia Imagem: Arquivo Pessoal

Internação e dívidas

Sofia está em sua sexta internação, sendo alimentada por uma sonda no nariz. "Minha filha está com os cabelos, as unhas e os dentes fracos. Ela não menstrua há 9 anos. Neste momento não consegue manter a comida no estômago. Tem os rins em falência, e o potássio está muito baixo. Isso afeta todos os órgãos. Está em falência dos órgãos, por isso o grande risco. O coração está muito fraco", descreve a mãe, Ana Moisés.

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Para Ana Moisés, ver a filha conviver com os distúrbios alimentares traz sofrimento para toda família. Além da questão de saúde, as dívidas causadas pela alimentação —muitas vezes em restaurantes caros— prejudicaram Sofia, que somando saques, faturas de cartão de crédito e empréstimos bancários, deve 57 mil euros - aproximadamente R$ 370 mil.

Agora, doente, não consigo mais trabalhar para pagar as contas. Pedi muitos empréstimos para pagar os cartões. Quando eu vi, já estava fora de controle.
Sofia

A mãe culpa, em parte, o bullying pelos problemas.

"Fui eu que percebi que algo de errado estava acontecendo com a minha filha. Foi um aprendizado ao longo destes anos, com muitos sentimentos. Por muitas vezes me senti impotente. Minha filha precisa de ajuda para não morrer. A compulsão alimentar começou por causa do bullying. Os comentários maldosos dos colegas provocaram isso. Os jovens não têm noção o quanto podem fazer mal com certos comentários."

Sofia já lidou com cinco internações e está na sexta
Sofia já lidou com cinco internações e está na sexta Imagem: Arquivo Pessoal

Enquanto se recupera no hospital, Sofia faz planos. "Tenho o sonho em conseguir trabalhos importantes como atriz. Participei de vários testes de elenco, consegui alguns trabalhos, mas o meu baixo peso não me ajudou continuar", lamenta a portuguesa.

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O meu conselho para quem passa pela anorexia é que peça ajuda antes que seja tarde. Lutem com muita garra por uma vida feliz, não deixem que esta doença te domine. Ela me dominou. A vida vale mais que a figura esbelta, magra ou um estereótipo de pessoa elegante.
Sofia

Transtornos alimentares

Os transtornos alimentares são doenças psiquiátricas em que a relação da pessoa com a alimentação fica distorcida, podendo afetar tanto a ingestão como a absorção dos alimentos. Os principais são:

Anorexia nervosa: quando a pessoa come muito pouco ou deixa de se alimentar.

Bulimia nervosa: episódios de restrição alimentar seguidos de compulsão. A pessoa provoca vômito ou usa medicamentos laxativos.

Compulsão alimentar: há descontrole ao se alimentar.

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Em todos os transtornos há um grande sofrimento psicológico e muita culpa. As causas do problema são multifatoriais e envolvem questões psicológicas, biológicas e sociais.

Sinais de alerta

Dinâmica excessiva de controle do peso;

Distorção da imagem corporal: a pessoa se percebe maior do que ela realmente é;

Mudança do ciclo menstrual em mulheres;

Problemas gastresofágicos;

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Anemia;

Sofrimento ao se alimentar;

Isolamento social.

O que fazer?

O primeiro passo, se você desconfia que alguém próximo esteja com transtorno alimentar, segundo as especialistas, é se informar, conhecer os sintomas, as características da doença e como funciona o tratamento. Depois, tente conversar, demonstrando suas preocupações.

"Você pode dizer: 'Olha, eu estou percebendo que você tem perdido muito peso. Isso está me preocupando, porque a gente sabe que a alimentação é importante para nossa sobrevivência'. Ou para pessoas que, por exemplo, possam estar com compulsão alimentar: 'Tenho percebido que você tem comido mais rápido, que você não está se alimentando mais na mesa com a gente'", sugere a psiquiatra Ana Raquel Santiago de Lima, docente do curso de medicina da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e coordenadora do programa Physis de Comportamento Alimentar.

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De acordo com a psicóloga Ana Luiza Sobral, especialista em transtornos alimentares e mestre em psicologia social pela UFS, pessoas com transtorno alimentar geralmente controlam ao máximo os comportamentos compensatórios e os rituais para perda de peso, para que ninguém perceba. Então, possivelmente quando você reparar que algo não vai bem, isso já significa que o transtorno se agravou. "É preciso abordar, de forma empática, que a pessoa precisa passar por uma avaliação psiquiátrica e psicológica", explica Sobral.

Segundo a Astral (Associação Brasileira de Transtornos Alimentares), também é importante não minimizar o problema, nem culpar ou criticar a pessoa com o transtorno. "Temos que ter muita atenção com essa cultura de elogiar quem perdeu peso, porque com isso há a internalização de que isso é bom e saudável, como se a magreza fosse sinônimo de saúde e felicidade", reforça Lima.

**Quadros com o de Sofia podem levar à morte se não tratados. Em São Paulo, um dos centros de referência para transtornos alimentares é o Ambulim, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.

*Com informações de reportagem do dia 27 de maio de 2023.

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