O que é o amor? Para a filosofia, mais que sentimento, amar é uma prática

O amor é confuso. Americanos pesquisam a palavra “amor” cerca de 1,2 milhões de vezes por mês no Google. Aproximadamente, um quarto dessas pesquisas questionam “o que é o amor” ou pedem algum tipo de “definição” sobre o sentimento.

A que se deve toda esta confusão?

A neurociência nos diz que o amor é causado por determinados químicos no cérebro. Por exemplo, quando conhecemos alguém especial, os hormônios dopamina e norepinefrina podem desencadear uma resposta de recompensa que nos faz querer ver essa pessoa novamente. Tal como provar um chocolate, e querer mais.

Os sentimentos são o resultado dessas reações químicas. Perto de uma paixão ou melhor amigo, você provavelmente sente algo como excitação, atração, alegria e afeto. Você se ilumina quando ele entra na sala. Com o tempo, você pode sentir conforto e confiança. O amor entre pais e filhos é diferente, geralmente é uma combinação de afeto e cuidado.

Mas será que esses sentimentos, causados por reações químicas no cérebro, resumem tudo o que o amor é? Se sim, então ele parece ser algo que acontece corriqueiramente. Você teria tanto controle sobre se apaixonar quanto sobre cair acidentalmente em um buraco.

Como filósofa que estuda o amor, estou interessada nas diferentes maneiras como as pessoas entenderam o tema ao longo da história. Muitos pensadores acreditam que ele é mais do que um sentimento.

Mais do que um sentimento

O antigo filósofo grego Platão achava que o amor pode causar sentimentos como atração e prazer, que estão fora de seu controle. Mas esses sentimentos são menos importantes do que os relacionamentos amorosos que você escolhe formar, tendo como resultado: laços duradouros entre pessoas que se apoiam mutuamente a mudar e crescer em seu melhor estado.

Da mesma forma, Aristóteles, aluno de Platão, afirmou que, embora os relacionamentos baseados em sentimentos como o prazer sejam comuns, eles são menos bons para a humanidade do que os relacionamentos construídos na base da boa vontade e nas virtudes compartilhadas. Isso se deve ao fato de Aristóteles acreditar que os relacionamentos baseados em sentimentos duram apenas o tempo em que os sentimentos duram.

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Imagine que você inicie um relacionamento com uma pessoa com quem tem pouco em comum, a não ser o fato de ambos gostarem de jogar videogame. Se um de vocês deixar de gostar de jogar, nada manterá a continuidade do relacionamento. Como é baseado no prazer, desaparecerá quando o prazer acabar.

Relacionamentos duradouros são baseados em mais do que apenas sentimentos de prazer
Relacionamentos duradouros são baseados em mais do que apenas sentimentos de prazer Imagem: iStock

Compare isso com um relacionamento em que vocês querem ficar juntos não por causa de um prazer compartilhado, mas porque se admiram mutuamente. Vocês querem o melhor um para o outro. Esse tipo de amizade, baseado na virtude e na boa vontade compartilhadas, será muito mais duradouro. Os amigos continuarão se apoiando à medida que mudarem e crescerem.

Platão e Aristóteles acreditavam que o amor é mais do que um sentimento. É um vínculo entre pessoas que se admiram e decidem amparar-se umas às outras ao longo da vida.

Talvez, então, o amor não esteja totalmente fora de seu controle.

Celebrando a individualidade e “permanecendo no amor”

O filósofo contemporâneo J. David Velleman também acha que o amor pode ser desvinculado dos “gostos e anseios” que o acompanham - aquelas borboletas no estômago. Isso ocorre porque ele não é apenas um sentimento. É um tipo especial de atenção, que celebra a individualidade de uma pessoa.

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Velleman diz que o Dr. Seuss definiu muito bem o que significa celebrar a individualidade de uma pessoa quando escreveu: “Vamos lá! Abra sua boca e grite para o céu! Grite bem alto com toda a sua voz: ‘EU SOU EU! EU! Eu sou eu!” Quando você ama uma pessoa, você a celebra porque valoriza o “EU SOU EU” que ela é.

Você também pode melhorar no amor. O psicólogo social Erich Fromm acredita que amar é uma habilidade que requer prática. Quando você se apaixona, age de determinadas maneiras em relação a uma pessoa.

Assim como aprender a tocar um instrumento, você também pode melhorar sua capacidade de amar com paciência, concentração e disciplina. Isso se deve ao fato de que o amor é composto de outras aptidões, como ouvir atentamente e estar presente. Se você aprimorar essas capacidades, poderá aprimorar sua forma de amar.

Se esse for o caso, então o amor e a amizade são distintos dos sentimentos que os acompanham. O amor e a amizade são laços formados por habilidades que você escolhe praticar e aperfeiçoar.

O amor é uma habilidade que requer prática
O amor é uma habilidade que requer prática Imagem: Getty Images/iStockphoto

Isso significa que você poderia se apaixonar por alguém que odeia ou se forçar se apaixonar por alguém por quem não tem nenhum sentimento? Provavelmente, não. A filósofa Virginia Held explica a diferença entre fazer uma atividade e participar de uma prática. No primeiro caso, seria simplesmente fazer algum trabalho. No segundo, fazer algum trabalho e, ao mesmo tempo, aplicar valores e padrões.

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Compare um professor de matemática que resolve mecanicamente um problema no quadro com um professor que fornece aos alunos uma explicação detalhada da solução. O professor mecânico está realizando a atividade - apresentando a solução - enquanto o professor engajado está participando da prática do ensino. Ele está exercendo bons valores e padrões de ensino, como a criação de um ambiente de aprendizado divertido.

Estar apaixonado é uma prática no mesmo sentido. Não se trata apenas de um conjunto de atividades que você realiza. Estar realmente apaixonado é realizar essas atividades e, ao mesmo tempo, executar valores e padrões amorosos, como empatia, respeito, vulnerabilidade, honestidade e, se Velleman estiver certo, celebrar uma pessoa por ela ser quem realmente é.

Quanto controle você tem sobre o amor?

É melhor entender o amor como um sentimento ou uma escolha? Pense no que acontece quando você termina com alguém ou perde um amigo. Se você entender o amor puramente em termos dos sentimentos que ele desperta, o amor acaba quando esses sentimentos desaparecem, mudam ou são suspensos por algo como uma mudança de casa ou de escola.

Por outro lado, se o amor for um vínculo que você escolhe e pratica, será preciso muito mais do que o desaparecimento dos sentimentos ou mudanças na vida para acabar com ele. Você e seu amigo podem não se encontrar por alguns dias ou podem se mudar para uma nova cidade, mas o amor pode persistir.

Se esse entendimento estiver correto, então o amor é algo sobre o qual você tem mais controle do que parece.

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Amar é uma prática. E, como qualquer outra prática, envolve atividades que você pode optar por fazer - ou não - como sair, ouvir e estar presente. Além disso, a prática envolverá a adoção dos valores corretos, como respeito e empatia.

Embora os sentimentos que acompanham o amor possam estar fora de seu controle, a forma como você ama alguém está, e muito, sob o seu controle.The Conversation

Edith Gwendolyn Nally, Associate Professor of Philosophy, University of Missouri-Kansas City

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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