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Patricia Abravanel teve síndrome de Estocolmo após sequestro? Saiba o que é

Silvio Santos e Patricia Abravanel após sequestro, em 2001 Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Colaboração para VivaBem

21/08/2024 12h00

Após seu sequestro em 2001, a apresentadora Patricia Abravanel declarou à imprensa, da sacada da casa da família no Morumbi, que perdoava seus sequestradores.

À época, o comentário da filha de Silvio Santos, então com 23 anos, surpreendeu a opinião pública e foi debatida a possibilidade de que ela pudesse estar sofrendo de síndrome de Estocolmo, uma explicação que mais tarde seria rejeitada pela própria Patrícia.

"No sequestro eu tive uma experiência de fé muito forte. Fiquei firme e em paz porque tinha certeza de que iria sair bem. E não teve nada de síndrome de Estocolmo, como foi falado na época. As pessoas acharam isso só porque declarei que havia perdoado os sequestradores. E perdoei mesmo. Perdoar faz bem para quem perdoa. Óbvio que fiquei com medo, mas imagina ficar amarga por causa disso? Deus me livre", disse a apresentadora à revista "TPM" em 2015.

O que é a síndrome de Estocolmo?

A síndrome é caracterizada por um estado psicológico singular, em que uma pessoa que fora vítima de alguma situação crítica e perigosa (como um sequestro ou assalto) estabelece uma relação de afeto com o agressor/criminoso.

Essa síndrome não é uma doença nem um distúrbio, pois não se encontra na CID-10, a Classificação Internacional de Doenças, nem no DSM-5, que é o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Mas com o aumento da divulgação de casos de violência doméstica, psicológica e até de relacionamento abusivo, tem se amplificado esse tema, gerando mais estudos sobre o assunto.

Ainda assim, não há dados estatísticos sobre a prevalência do quadro, que ainda é considerado raro.

O que a capital da Suécia tem a ver com isso?

A primeira descrição da síndrome de Estocolmo aconteceu na capital sueca, após um assalto a banco em 23 de agosto de 1973 que fez quatro reféns por seis dias dentro da agência. No segundo dia de cativeiro, Kristin Enmark, na época com 23 anos, teria surpreendido policiais do caso e o próprio colega de trabalho, Sven Säfström, quando argumentou que ele deveria deixar um dos bandidos atirar em sua perna. "Mas Sven, é só a perna", teria dito.

A própria Kristin confirmou à BBC a história em 2016, explicando que um dos ladrões, Jan-Erik Olsson, queria mostrar à polícia que suas ameaças eram reais. "Jan disse a ele [Sven]: 'Não vou machucar nenhum osso na sua perna, só vou atirar na parte em que não vai machucar tanto'", relembrou.

Kristin Enmark, uma das vítimas que cunhou o termo "síndrome de Estocolmo", em 2016 Imagem: Reprodução

"Naquela situação, eu achei que ele [Sven] estava sendo um pouco covarde por não se deixar ser atingido na perna. Acho que foi horrível da minha parte por pensar e dizer isso, mas acho que também mostra o que pode acontecer com as pessoas quando estão em uma situação que é tão absurda. É uma situação que causa uma virada moral. Eu realmente tenho vergonha disso", confessou Kristin.

Olsson acabou desistindo de atirar em Sven, mas o próprio colega de Kristin admitiu posteriormente à imprensa que se sentiu grato aos ladrões e tinha que se forçar a lembrar que eles eram criminosos violentos e não seus amigos. A partir desta dinâmica, o psiquiatra e criminologista sueco Nils Bejerot criou a teoria — e o termo — da síndrome de Estocolmo, que explica a aparente irracional afeição que vítimas têm por sequestradores após cativeiros prolongados.

Envolvimento emocional é real?

Críticos da ideia da síndrome acreditam que a teoria se desenvolveu em meio ao frenesi da cobertura do caso em Estocolmo pela mídia internacional apenas para tentar desviar atenção da ineficiência da polícia diante do sequestro, colocando a culpa nas vítimas. Ao longo dos dias de cativeiro, Kristin, Sven e seus colegas passaram a exibir sinais de hostilidade em relação à polícia, e não aos criminosos.

A certa altura, ela foi convencida por um dos criminosos, Clark Olofsson, a falar no telefone com o então primeiro-ministro Olof Palme. "Acho que você está sentado aí jogando com as nossas vidas. Eu confio totalmente em Clark e no assaltante. Não estou desesperada. Eles não fizeram nada para nós. Ao contrário, eles têm sido muito gentis. Mas sabe, Olof, o que eu estou com medo é que a polícia ataque e cause a nossa morte", disse Kristen no telefone.

Jan-Erik Olsson desfilou pela rua depois que a polícia o levou sob custódia após o cerco de cinco dias Imagem: GettyImages

Posteriormente, os policiais invadiram mesmo o banco pelo teto e gritaram para que os reféns saíssem, mas eles se recusaram, achando que haveria um tiroteio que atingiria também os sequestradores. Na saída, reféns e criminosos se abraçaram, chocando o mundo. Mesmo assim, o terapeuta canadense Allan Wade, que entrevistou Kristin para suas pesquisas sobre o trauma, disse à BBC que síndrome de Estocolmo é "uma má representação da experiência dela".

"O termo síndrome de Estocolmo tem longas raízes no pensamento psicoanalítico da Europa. Mas, naquele momento, foi usado para silenciar e desacreditar uma jovem mulher com raiva que estava resistindo a uma violência, protegendo-se e protegendo outros por seis dias e meio. Foi usado para proteger a resposta da polícia", acredita Wade.

Após a situação, a vítima segue tendo sentimentos pelo agressor?

Em 2021, Kristin disse ao podcast BBC's Sideways que o diagnóstico "é bobagem". "É um jeito de culpar a vítima. Eu fiz o que podia para sobreviver."

Para Allan Wade, a amizade com os bandidos teria surgido porque eles "realmente estavam trabalhando para algumas pessoas se sentirem mais seguras".

Vítimas podem não se identificar com a síndrome Imagem: Getty Images/iStockphoto

No entanto, o psiquiatra Luiz Scocca, especialista do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria), explicou à VivaBem que a negação é parte do processo. "As pessoas não se identificam com a síndrome, não aceitam que passaram por um estado ilusório que a própria mente criou", explica. Por isso, é fundamental que haja acolhimento, bem como um tratamento psicológico, como a psicoterapia, que ajuda em quadros ansiosos ou depressivos.

A personalidade de cada vítima é que determina se os sentimentos serão duradouros. Há casos em que eles perduram por anos. E vale lembrar que essa pessoa passou por um trauma ou estresse muito grande, mesmo que ela não identifique dessa forma. Harvey Schlossberg, um ex-policial nova-iorquino que foi pioneiro nas técnicas de negociações de reféns nos anos 70, acredita que o trauma está no centro da questão. Para ele, esta não é a síndrome de Estocolmo, mas a síndrome de identificação da sobrevivência.

Nós simplesmente queremos dizer que quando duas ou mais pessoas se encontram, elas formam uma relação. Claro, quanto mais estresse na situação, mais rápida a relação e mais intensa será. Quando as pessoas estão em uma crise, e não têm certeza do que vai acontecer, a única coisa que tememos é enlouquecer. E o que fazemos é testar nossos sentimentos por outra pessoa, porque se aquela pessoa está compartilhando dessa experiência e está sentindo o mesmo, não está enlouquecendo e isso está mesmo acontecendo, então talvez esteja tudo bem. Explicou Schlossberg à BBC sobre a relação entre os reféns que, em grupo, decidiram que seus sequestradores eram amigos em Estocolmo

Para Scocca, pequenos atos de doçura do bandido acabam formando na mente da vítima uma "gratidão primitiva", semelhante ao que acontece com uma criança dependente. "É como se a vida da pessoa tivesse sido dada pelo agressor, que está permitindo que ela continue vivendo. Elas entram num estado de negação mesmo, e não percebem que estão naquela situação por causa do abusador", completa o especialista.

Por isso, quando a vítima insiste em ficar próxima de seus agressores, é preciso buscar ajuda psiquiátrica para lidar com a síndrome.

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