'Troquei o delivery pelo fogão': a virada de vida de quem decidiu cozinhar

Em tempos em que a maioria das pessoas usa e abusa dos aplicativos de entrega de comida, existem aquelas que vão na contramão e preferem cozinhar a própria comida. É o caso da engenheira ambiental e criadora de conteúdo Adriana Wright, 27, e do advogado, concurseiro e atleta amador Mauricio Raupp, 32. A seguir, eles contam suas experiências:

Adriana tem menu diferente todos os dias

"Na minha casa a alimentação sempre foi repleta de verduras, legumes, frutas e variedades de sabores. Eu era o tipo de criança que comia brócolis e espinafre, mas meus pratos eram pouco nutritivos e sem cor. Durante anos vivi muito abaixo do peso, na faculdade pesava cerca de 40 kg.

Em 2020 comecei a cozinhar a minha própria comida por conta da pandemia. Parei de ir à faculdade e me deparei com um novo desafio: o que comer em casa? Tive que me virar e aprender a cozinhar.

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Na época eu não consumia carnes, somente peixes e frutos do mar. Busquei referências de receitas vegetarianas e descobri o tofu, as leguminosas e a proteína de soja. Me apaixonei pelo processo de cozinhar e não me imagino mais fora da cozinha.

Ao longo dos anos outros fatores contribuíram para eu manter uma alimentação saudável. Em 2021 comecei a fazer acompanhamento nutricional e a praticar atividade física. Em 2022 fiz uma transição para o vegetarianismo, e no ano seguinte para o veganismo.

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Passei a ter uma visão mais holística da alimentação e a entender cada alimento por seu sabor, aroma, nutrientes, textura e sensações. Gosto de transformar ingredientes simples em uma refeição completa. Cozinhar é algo meditativo para mim. É ciência, mas também é amor e carinho que coloco no preparo.

Prefiro cozinhar a minha comida por alguns motivos. Um deles é para garantir que nenhum ingrediente de origem animal seja usado. Outro é para entender o que estou comendo e o que faz bem para o meu corpo.

Continua após a publicidade

Tenho uma rotina intensa de treinos, pratico corrida, natação, ciclismo, musculação, ioga, escalada e triatlo. Ao cozinhar, consigo garantir a ingestão de macro e micronutrientes que preciso. Acho difícil ter esse controle com comidas de delivery, restaurante ou até feitas por outras pessoas.

Sou criadora de conteúdo sobre vida e alimentação saudável e vegana, compartilho as minhas refeições no meu perfil no Instagram.

As pessoas me perguntam como faço para comer algo diferente todos os dias. A dica é sair do óbvio e variar o modo de preparo e os temperos. Posso refogar, assar, fritar, grelhar, empanar um mesmo alimento. Uma abobrinha assada é diferente de uma abobrinha cozida só na água.

Adriana costuma fazer compras em um mercado online que entrega alimentos frescos em até um dia
Adriana costuma fazer compras em um mercado online que entrega alimentos frescos em até um dia Imagem: Lais Acsa/Trela

Posso transformar um prato de arroz, batata e lentilha em um hambúrguer com esses ingredientes. Amo explorar as possibilidades ao cozinhar vegetais, é uma infinidade de ideias e todas ficam diferentes.

No dia a dia abasteço minha despensa e geladeira com produtos orgânicos (sempre que possível), com menos embalagens plásticas, menos conservantes, aromatizantes e imitadores de sabor. Gosto de cozinhar o básico, como arroz, feijão, legumes, tubérculos, verduras, mas também faço pratos requintados.

Continua após a publicidade

Sou organizada com a minha rotina de alimentação e sigo o plano alimentar elaborado pela nutricionista. Geralmente preparo as refeições ao longo da semana e vou intercalando as opções. Também tenho algumas comidas congeladas, caseiras ou industrializadas, como hambúrgueres vegetais, tempeh, marmitas, quibes e vegetais, para aumentar a variedade.

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Na maioria das vezes não como em restaurantes nem na casa de amigos, mas tudo depende da situação. Não deixo que a minha opção de comer o que cozinho me prive de viver momentos e atrapalhe as minhas relações sociais. Se a família ou amigos vão comer em um restaurante ou na casa de alguém, levo minha marmita ou como se tiver alguma opção vegana.

Minha vida e saúde melhoraram depois que comecei a cozinhar. Aprendi a identificar alimentos que não me faziam bem, desenvolvi estratégias para melhorar a digestão, sou uma pessoa leve, tenho mais disposição, melhorei minha performance esportiva, ganhei massa magra.

Para mim, ser saudável é entender o meu equilíbrio e as minhas vontades, e não só consumir comidas nutricionalmente boas. É ter uma relação prazerosa com a comida e comer o que me faz bem, o que normalmente significa alimentos naturais feitos por mim, com as minhas intenções e respeitando o meu corpo.

Mas também significa comer um pedaço de bolo quando tenho vontade, um hambúrguer quando quero, uma batata frita quando é a única opção vegana do lugar e me sentir bem com isso também."

Continua após a publicidade

(Adriana Wright, 27, engenheira ambiental e criadora de conteúdo)

Maurício cozinha com toda a família

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

"Na infância e adolescência tive uma alimentação ruim, comia muito carboidrato refinado, massas, fritura, processados e ultraprocessados, fast food e doces. Achava que por ser magro poderia comer o que quisesse sem limites e sem preocupação.

Em 2017 fui diagnosticado com esclerose múltipla, e minha mãe com tireoidite de hashimoto um ano depois. A partir de então um novo mundo se abriu para nós. Descobri que existem opções integrativas que controlam os sintomas e tratam a causa do problema, e uma delas é pela alimentação.

Mudei drasticamente o meu estilo de vida e a forma de me alimentar, focando principalmente em refeições anti-inflamatórias e antioxidantes.

Continua após a publicidade

Comecei a cozinhar porque percebi como é difícil encontrar refeições saudáveis, com qualidade e preço acessível. Ao preparar minha comida tenho o controle da escolha dos ingredientes, do preparo e do que vou comer.

Na época do diagnóstico tranquei o mestrado em Portugal, alternava meu tempo livre entre fazer atividade física e me arriscar no fogão. Tirava fotos e postava no meu perfil no Instagram. Isso me motivava e fui pegando o gosto pela coisa.

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Atualmente cozinho de 80% a 90% das minhas refeições, o restante deixo na conta do delivery. Cozinhar é ótimo, mas também cansa e exige preparo e organização. Sigo a máxima de ter praticidade sem abrir mão da qualidade e utilizo algumas estratégias no dia a dia para otimizar o meu tempo.

Uma vez por semana, faço compras na Trela, um "mercado" online que reúne fornecedores com foco em alimentação saudável e produtos frescos. Alguns itens não podem faltar, como arroz, ovos, pão e macarrão sem glúten, tapioca, azeite extravirgem, frutas, sementes, nozes, castanhas, queijos.

Geralmente compro legumes, verduras e folhas verdes já higienizadas e cortadas. Descongelo a proteína animal, deixo temperada e grelho na air fryer o que vou comer. Faço arroz ou macarrão em poucas quantidades para manter o sabor.

Continua após a publicidade

O segredo é deixar pequenas porções de alimentos armazenados em potes herméticos de vidro na geladeira, para facilitar a gestão.

Guardo o que sobrou e nos dias seguintes retiro e esquento na panela a vapor. É rápido e mantém a comida úmida e com gosto de verdade —não tenho micro-ondas em casa, esquentar nele deixa a comida seca e sem textura.

Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Raramente como em restaurantes, mas quando preciso faço sem radicalismos e busco opções próximas ao que faço em casa. O legal é que meus pais e meu irmão também embarcaram nesse estilo de alimentação saudável comigo, é bacana fazer isso em família.

Sinto muitos benefícios em cozinhar e o principal é minha saúde. Consegui a remissão da esclerose múltipla e tenho mais energia e disposição para realizar as atividades do dia a dia. Na parte esportiva, ganho massa magra mesmo fazendo treinos intensos de corrida, natação, academia e bike

Na parte de estudos, me mantenho concentrado e não fico tão sonolento durante as provas de concurso. Na parte social, gosto de comentar com os amigos alguma receita diferente que fiz.

Continua após a publicidade
Imagem
Imagem: Arquivo pessoal

Antigamente me alimentava levando em conta o sabor, comia para me satisfazer e para agradar o meu paladar, hoje em dia como para me nutrir.

A comida passou a ser uma escolha, e nesse sentido priorizo o que meu corpo precisa. Espero poder chegar na longevidade fazendo tudo sozinho, ativo, consciente, me movimentando e sem limitações.

Velhice não é sinônimo de doença e remédios e para evitar isso acredito que a alimentação seja um dos caminhos."

(Mauricio Raupp, 32, advogado licenciado, concurseiro e atleta amador de corrida)

Cozinhar pode ser bom para a saúde?

Depende. Quando cozinhamos a nossa própria comida, conseguimos dosar melhor alguns ingredientes que, em excesso, podem ser prejudiciais, como óleo, sal e açúcar. Se a pessoa fizer preparações nutricionalmente equilibradas, será bom. Mas se fizer frituras com frequência e preparações com muito açúcar, será prejudicial.

Continua após a publicidade

Para quem gosta de cozinhar, preparar a própria comida pode ser terapêutico e aumenta a conexão com o alimento. Para quem não gosta ou no caso de indivíduos que sofrem de ansiedade e compulsão alimentar —e que estão sempre beliscando algum alimento—, pode ser desafiador. Cozinhar exige planejamento, preparo e espera. Esse processo pode fazer com que a pessoa pense se realmente está com fome ou só com vontade de comer.

O que deve ter no prato de quem cozinha em casa?

O café da manhã deve conter o grupo dos lácteos (leite, iogurte, queijo, requeijão), das frutas e algum carboidrato como pão ou tapioca. Já no almoço deve ter um grupo das leguminosas (feijão, lentilha, ervilha, grão-de-bico), carboidratos (arroz, massa, aipim, batata), proteína (carne vermelha, peixes, frango, carne de porco ou ovos), legumes e salada crua. No jantar pode ser semelhante ao almoço, sem a necessidade de leguminosa.

Entre as refeições principais, é importante incluir pequenos lanches, como frutas e iogurte. As recomendações são do Guia Alimentar para a População Brasileira, documento desenvolvido pelo Ministério da Saúde. Caso a pessoa seja vegetariana, vegana ou tenha alergia ou intolerância a algum alimento ou outras preferências, podem ser feita adaptações.

O que evitar ao preparar sua comida?

A pessoa deve evitar exagerar no sal e nos doces, não usar molhos prontos para temperar saladas, e preferir chás, cafés e sucos sem açúcar. Esses hábitos podem ser difíceis de ser modificados e necessitar de um trabalho terapêutico da nutricionista para auxiliar nessas questões.

Continua após a publicidade

Ao comer fora também é importante se atentar para garantir que a alimentação não prejudique a saúde. Em geral, os restaurantes servem uma quantidade de comida maior do que as pessoas de fato precisam.

Dicas para cozinhar em casa e manter uma alimentação saudável

  1. Faça um planejamento semanal, organize-se para saber quando irá cozinhar cada alimento. Se a rotina for corrida, deixe as marmitas prontas no final de semana;
  2. Procure ir à feira em vez do supermercado. Na feira há menos estímulos de alimentos processados e ultraprocessados, além da maior variedade de frutas, legumes e verduras, que costumam ser mais barato;
  3. Evite comprar carnes pré-prontas ou temperadas porque apesar de serem práticas, geralmente têm uma grande quantidade de sódio; prefira comprar carnes cruas e temperar você mesmo;
  4. Se um alimento é oferecido in natura e processado, prefira o in natura, como a espiga de milho em vez da lata;
  5. Evite comprar alimentos ultraprocessados como sorvetes, nuggets, salsichas e bolachas recheadas;
  6. Saiba como reaproveitar os alimentos. Se a banana estiver estragando, faça um bolo ou uma barrinha de cereal.

Fonte: Tamara Chazan, nutricionista, mestre em psicologia e CEO da Alimentas Ideias Nutritivas.

Deixe seu comentário

Só para assinantes