'Fui amputada após infecção urinária e chamaram padre para extrema-unção'
A catarinense Silvana Santos, 36, teve as pernas e mãos amputadas após o uso de noradrenalina durante um tratamento contra uma infecção urinária, em 2023. Hoje, ela compartilha sua história para apoiar pessoas que passam por situações semelhantes.
Fui encaminhada para a UTI e precisei ser intubada. No hospital, fui dada como morta e um padre foi chamado para me dar a extrema-unção, pois meus rins e fígado haviam falhado, e os médicos informaram à minha família que eu tinha poucas horas de vida.
'Morfina mascarou sintomas'
Silvana conta que, inicialmente, foi diagnosticada com cálculo renal e infecção urinária. O quadro evoluiu para uma infecção generalizada.
Eu já estava com infecção urinária e sentindo dores intensas. Fui ao hospital vomitando e muito fraca. Os médicos me deram Buscopan, que não aliviou a dor. Depois, o médico me receitou morfina, que acabou mascarando os sintomas e fui para casa, já com início de sepse [resposta sistêmica do corpo a uma infecção], mas sem saber.
Silvana Santos
Após as dores piorarem, a empresária procurou uma Unidade Básica de Saúde e descobriu que sua pressão estava 7 por 5. Ela foi medicada com um antibiótico e novamente orientada a voltar para casa.
Naquele mesmo dia, à noite, Silvana voltou à emergência do hospital em Gaspar (SC), onde um exame de imagem mostrou que a pedra no rim estava com um centímetro e presa no canal urinário. Ela foi intubada, e os médicos disseram que os rins e o fígado tinham falhado e não havia esperanças.
A família de Silvana recusou a opção de desligar os aparelhos que a mantinham viva e conseguiu transferi-la para outro hospital, em Blumenau (SC), mesmo ciente dos riscos envolvidos na viagem. Na unidade em que ela estava internada, segundo conta, não havia o cateter necessário para desobstruir o canal urinário.
Em Blumenau, ela passou por uma pequena cirurgia para a colocação de um cateter que ajudou a liberar os líquidos do rim, aliviando o inchaço. "Iniciei o tratamento com hemodiálise, iniciando todos os trâmites para salvar minha vida. Fiquei 12 dias em coma na UTI, e esses dias foram decisivos."
Ela conta que recebeu noradrenalina —a medicação ajudou a estabilizar os batimentos cardíacos. Neste momento, a pressão estava extremamente baixa e havia risco de parada cardíaca.
A noradrenalina foi essencial para reverter a situação, pois ajuda a restaurar a função dos órgãos vitais, mas esse medicamento provoca a pressão dos vasos sanguíneos nas extremidades, direcionando o fluxo de sangue exclusivamente para os órgãos vitais. Como resultado, as pernas e os braços ficam sem oxigenação adequada e podem sofrer com a falta de circulação.
Silvana Santos
'Meus pés estavam em deterioração'
Silvana permaneceu na UTI por mais 20 dias até conseguir acordar completamente. Após esse período, foi transferida para um quarto no hospital, onde continuou recebendo cuidados intensivos e utilizando equipamentos de suporte.
Devido à noradrenalina, as pernas e mãos da empresária necrosaram e os médicos informaram que seria necessário amputar os membros. "Consultamos seis ortopedistas, na esperança de um milagre. Estávamos rezando intensamente, acreditando em uma intervenção divina e que eu não precisaria passar pela amputação."
Após vários dias de espera, um ortopedista entrou no meu quarto e explicou que meus pés estavam em estado de deterioração avançada, transformados em fibras e infestados por bactérias. Ele alertou que a amputação precisava ser feita com urgência para evitar uma nova infecção, que poderia ser fatal.
Silvana Santos
No dia 19 de maio de 2023, Silvana realizou a amputação das pernas, feita a partir da altura do joelho. Já a cirurgia das mãos ocorreu dois dias depois. "Tentamos realizar a amputação abaixo do joelho, mas a infecção já havia se espalhado até a virilha. O médico conseguiu salvar minha coxa, mas a mão direita estava totalmente infectada e precisou ser amputada. Na mão esquerda, tentamos preservar a palma, mas a infecção também se espalhou, obrigando a amputação completa."
Durante dois meses, fizemos um procedimento em que a mão afetada foi colocada dentro do meu abdome para promover a regeneração celular. Utilizamos parte do abdome como enxerto para a mão. Esse processo inicial teve sucesso, mas depois desenvolvi osteomielite, uma infecção no osso, o que levou à necessidade de amputar também a palma da mão esquerda. Hoje, ambas as mãos são idênticas.
Silvana Santos
'Me sinto mais livre e bonita'
A empresária diz que não se revoltou após as amputações. Após passar por um período de choque, decidiu focar na fisioterapia e no esporte. Silvana também comenta sobre os aprendizados após uma experiência tão difícil.
Sou imensamente grata a Deus pela nova vida que Ele me concedeu. Apesar das adversidades, vejo que, de certa forma, estou mais bonita e livre do que antes. Essa nova fase trouxe uma liberdade que eu não tinha antes, e hoje faço coisas que antes não conseguia. A situação abriu portas inesperadas para mim, como oportunidades no esporte, em palestras e em interações com as pessoas. Silvana Santos
A empresária mora com os pais e as três filhas: Ana Carolina, de 20 anos; Ana Cecília, de 3, e Ana Clara, de 2. O ex-marido, segundo ela, saiu de casa um mês após as amputações.
Apesar dos desafios, sou grata por estar viva e por manter a mente clara, a visão e a audição. As medicações que tomei poderiam ter feito com que eu perdesse algumas dessas capacidades.
Silvana Santos
'Ofereço apoio'
Hoje, ela passa por reabilitação para aprender a andar com próteses, mas ainda não conseguiu comprar as próteses necessárias devido ao alto custo. "Estamos lutando para conseguir os recursos necessários, pois uma prótese com joelho para amputações bilaterais é extremamente cara."
Ela também foi convidada pelo paradesporto de Gaspar para praticar natação e trabalha para competir em torneios. Além disso, faz exercícios na academia para manter a mobilidade, já que a falta de uso das extremidades pode levar a uma retração muscular.
Silvana dá palestras motivacionais em escolas e empresas, compartilhando sua história para inspirar pessoas a manterem a vontade de viver. "Além disso, tenho me dedicado a um trabalho online, oferecendo apoio e orientação a pessoas de todo o país que entram em contato para saber mais sobre minha história e como enfrentar desafios semelhantes."
Quando se formam os cálculos renais?
Os cálculos renais, ou pedras nos rins, se formam quando há uma grande concentração de cristais na urina. Na maioria dos casos, isso acontece quando a pessoa não bebe água suficiente, fazendo com que a urina fique muito concentrada, explica Rafael Bagustti, nefrologista da NefroStar Brasília.
A ingestão de comidas com muito sal e proteínas é um fator importante. A proliferação bacteriana no trato urinário também pode favorecer a formação de alguns tipos de cálculos renais, especialmente os cálculos coraliformes, que são produzidos quando ocorre uma produção aumentada de amônia pelo organismo e se eleva o pH urinário.
Rafael Bagustti, nefrologista
A melhor prevenção para este caso é a alta ingestão de líquidos, diz o cirurgião urologista do Hospital Sírio-Libanês Anuar Ibrahim Mitre. "O melhor tratamento é manter a urina diluída. Para isso, precisamos tomar bastante líquido."
O ideal para quem já teve algum cálculo urinário é tomar de 2 a 3 litros diários, de preferência ao longo do dia, pois não adianta tomar, por exemplo, tudo na hora do almoço e depois ficar o resto do dia sem, porque a urina vai concentrar e sempre se forma um cálculo quando a densidade urinária está alta.
Anuar Ibrahim Mitre
Mitre dá uma dica: a cada vez que for ao banheiro, tome um copo de água. "Assim, uma coisa puxa a outra. E, na parte da noite, recomendo tomar antes de se deitar e deixar um copo de água na cabeceira da cama e, se acordar durante a noite, tomar mais um copo de água. Dessa forma, a urina está sempre clara."
Consequências da noradrenalina
A noradrenalina ajuda a contrair os vasos sanguíneos e é usada principalmente em casos graves de choque séptico, uma condição crítica causada por uma infecção grave que pode levar à queda drástica da pressão arterial e ao risco de morte, explica Raphael Rebello, nefrologista da Renal Mais em Brasília.
No caso de Silvana, a noradrenalina foi usada para tratar um choque séptico causado por uma infecção urinária. A estratégia é importante para manter a pressão arterial em níveis seguros durante essas situações críticas.
Quando usada por um longo período, pode restringir o fluxo sanguíneo para as extremidades, como dedos, mãos e pés, o que pode causar problemas como falta de oxigênio nesses locais. Além disso, a infecção grave também aumenta o risco de coágulos sanguíneos, que podem contribuir para a necessidade de amputações em casos como este.
Raphael Rebello, nefrologista
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