'Fica até difícil calcular': em 10 anos, ele teve 9 cânceres e 3 metástases
Carolina Martins, 44, vive junto com sua família um drama há 10 anos. Seu irmão, Ricardo Martins de Oliveira Jr., 42, descobriu há uma década que era portador de uma doença chamada síndrome de Li-Fraumeni, o que o torna um paciente muito suscetível a diversos tipos de câncer. Desde então, ele já teve nove sarcomas e hoje em dia vive com três metástases.
"A vida da nossa família acabou. Minha mãe está morando com meu irmão, minha filha passa metade da semana só com o pai. Meu sobrinho fica desesperado vendo tudo o que está acontecendo porque ele sabe que também tem a síndrome", conta a VivaBem. Ela também narra o dia a dia no Instagram, @pelavidadericardo.
Além do medo pela vida do irmão, eles também enfrentam problemas financeiros, já que boa parte do tratamento tem que ser pago de maneira particular.
"Tínhamos alguns patrimônios, mas vendemos tudo para bancar o tratamento. Conseguimos, com o plano, pagar a internação, mas a equipe médica, que é especializada no problema dele, é à parte. Tem consulta que chega a custar R$ 1.800", diz. A VivaBem, ela conta a história da família:
"Descobrimos o primeiro tumor em 2014. Apareceu uma bola um pouco acima da linha da cintura do meu irmão. E era muito grande. Ele procurou o médico da nossa família, aqui em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e ouviu que era um lipoma e que poderia ser retirado em uma cirurgia. Sem exames, ele foi para o procedimento achando ser algo simples.
Foi aí que a nossa história começou a se complicar. Ao abrir, o médico percebeu que não era um simples lipoma, então um pedaço foi enviado para biópsia. O resultado: um sarcoma. Mas o médico não acreditava. Então ele mandou para um laboratório de análise em São Paulo o pedido de uma segunda biópsia. Mais uma vez: sarcoma.
Metástase no corpo todo?
Isso tudo aconteceu em dezembro. No dia 26, meu irmão procurou uma segunda opinião. Estava fazendo um ultrassom, pois estava no início da gestação, quando ele me ligou chorando. A segunda médica disse que, devido ao tamanho e agressividade do sarcoma, ele provavelmente estava com metástase no corpo todo.
Deixamos Minas Gerais e viemos juntos para São Paulo atrás de um oncologista geneticista. Era 30 de dezembro. Ele achou o caso estranho e fora da estatística e pediu uma tomografia do corpo todo. Constatou que não tinha metástase alguma —o que foi um alívio. Mas construiu também uma árvore genealógica de nossa família para entender o histórico de câncer.
Agora nós tínhamos um plano de ação, mas um outro problema: o convênio médico não cobria nada daquilo e precisaríamos pagar do nosso próprio bolso. Uma diária de UTI, em São Paulo, varia entre R$ 8.000 e R$ 10 mil. Optamos então por fazer a cirurgia que ele precisava em Juiz de Fora.
Deu tudo certo, mas foi um procedimento muito doloroso. Foi necessário serrar duas costelas para a retirada do tumor. Para completar o tratamento, Ricardo fez 45 sessões de radioterapia. Foi uma fortuna. Meu irmão, aparentemente, tinha se recuperado.
Por um ano, acreditávamos que tínhamos vencido.
Síndrome pouco conhecida
Após um ano da retirada do primeiro tumor, outro surgiu. Desta vez, nas costas. O médico achou muito estranho, não fazia sentido uma reincidência em tão pouco tempo. Segundo o especialista, coincidências não existem na medicina. Ele pediu um teste genético que mostrou que Ricardo, meu irmão, tinha síndrome de Li-Fraumeni.
Resumindo, por causa de uma mudança genética no gene TP53, alguns órgãos do meu irmão não conseguiam se proteger contra o câncer. Ele não poderia mais fazer radioterapia, porque é prejudicial e o sarcoma não estava respondendo aos tratamentos. Ficamos desesperados. Na época era uma doença nova e pouco se sabia sobre tratamentos.
E foram surgindo diversos outros tumores: no pulso, nas costas, no abdome... Fica até difícil calcular quantos sarcomas meu irmão deve na última década. No final de 2022, ele fez uma grande cirurgia e um mês e meio depois, três novos sarcomas surgiram. Ele tirou. Um mês depois, mais dois. Ele tirou. Em seguida, mais três. Os médicos falaram que não dava mais para operar.
As cirurgias não estavam funcionando. A abordagem mudou. Agora ele faria radiocirurgias, que é uma rádio mais localizada e mais forte. Mesmo sem poder ser exposto a esses raios, essa era a melhor opção naquele momento.
Veio então o diagnóstico do filho
A síndrome de Li-Fraumeni é uma doença genética. O oncologista pediu para que todas as pessoas da família fizessem o teste, inclusive meu sobrinho, que tinha 4 anos na época. O resultado do exame dele ficou fechado por um ano. Meu irmão não tinha coragem de saber. O médico sabia o diagnóstico e deu uma apertada no Ricardo. Foi aí que ele percebeu que o filho também tinha a mutação.
Meu sobrinho agora tem 11 anos e faz um acompanhamento frequente para analisar se surgiu algo em seu corpo. Não tem como evitar, mas tem como descobrir um diagnóstico mais rápido e tentar tratá-lo com mais chance de sucesso caso apareça um câncer.
Três metástases
Pela primeira vez em 10 anos meu irmão teve metástase [quando as células cancerígenas se desprendem do tumor principal e se espalham para outras partes do corpo, formando novos tumores] de seus tumores primários: ele está com metástase no pulmão, no peritônio e nas glândulas suprarrenais. Estamos tentando o terceiro tipo de quimioterapia, porque as duas primeiras não fizeram efeito.
Essa última parece estar funcionando, porque o tamanho dos tumores está diminuindo. Só quando eles ficarem menores é que Ricardo poderá passar por um procedimento para retirá-los. Ao mesmo tempo, ele luta contra um derrame pleural —está com água no pulmão."
O que é a síndrome de Li-Fraumeni
Apesar de rara fora do Brasil, essa síndrome é muito comum e recorrente, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país. "A cada 300 bebês que nascem vivos, um tem a síndrome", explica Rodrigo Guindalini, oncologista, oncogeneticista e membro do Comitê de Oncogenética da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
Ele explica que o nosso corpo tem, aproximadamente, 100 genes que protegem nossos órgãos contra o câncer. Um deles se chama TP53, que é responsável por evitar tumores nas partes moles (que podem ocorrer em músculos, cartilagem, gorduras): são os chamados sarcomas.
"O TP53 também participa fortemente na proteção contra câncer de mama, no sistema nervoso central, leucemia, pulmão. Quando a pessoa nasce com uma alteração genética nele, esses órgãos ficam fragilizados e com maior risco de desenvolver tumores", diz Guindalini
O médico explica que cânceres nessas regiões podem contar com os fatores hereditário e genético e, de acordo com alguns critérios —ter um tumor com menos de 46 anos e ter histórico na família—, levanta-se a suspeita de a pessoa ter a síndrome.
"Temos uma área dentro da oncologia na qual tratamos pacientes com alto risco de desenvolvimento de câncer. Usamos o Protocolo de Toronto, que é um manual de acompanhamento de alguns cânceres malignos, e evitamos tratamentos com radiação", diz Guindalini.
Pessoas com risco aumentado devem fazer ressonância de crânio e corpo inteiro uma vez ao ano, mulheres precisam fazer ressonância nas mamas. Há também a necessidade de endoscopia e colonoscopia a cada dois anos. Além de exames de investigação de sangue e urina.
"É um cuidado muito rigoroso. A gente não consegue prevenir os tumores, mas conseguimos detectá-los precocemente desta forma, o que aumenta a chance de cura", diz Guindalini
A família de Ricardo criou uma vaquinha solidária para tentar juntar dinheiro para pagar parte do tratamento.