Rico em cálcio, mas gorduroso e indigesto; afinal, leite é herói ou vilão?

Antes mesmo da água, o leite é a primeira bebida que tomamos. O único alimento oferecido aos bebês até os seis meses de vida, essencial para a saúde e desenvolvimento dos pequenos. E, mesmo quando passamos a consumir alimentos sólidos, ele segue em nossa dieta, suprindo a necessidade de nutrientes importantes, como cálcio e proteínas.

Embora muito consumido em todo o mundo, a ingestão da bebida gera polêmicas. As pessoas que são contra o consumo argumentam que somos os únicos seres do planeta a tomar leite quando adultos. Alguns estudos até associam a bebida a casos de câncer ou autismo, mas muitos deles apresentam equívocos metodológicos.

Segundo os especialistas ouvidos pelo VivaBem, não existem evidências sólidas na literatura científica que relacionem o leite como algo capaz de provocar qualquer tipo de câncer. Os especialistas defendem que a bebida é nutritiva e, dentro de um plano de alimentação equilibrado, contribui para a saúde e o bom funcionamento do corpo.

Benefícios do leite

Rico em cálcio: o leite é uma das mais importantes fontes do nutriente, especialmente pelo elevado potencial do cálcio presente na bebida em ser absorvido pelo organismo. Além do mineral essencial para a construção e manutenção dos ossos, o alimento fornece fósforo, magnésio, zinco e selênio.

Proteínas de absorção fácil: esse macronutriente presente no leite tem alto valor biológico. Isso quer dizer que ele fornece todos os aminoácidos essenciais (não produzidos pelo nosso organismo) em proporções adequadas para suprir as necessidades humanas. Outra vantagem é que a proteína da bebida tem boa digestibilidade e biodisponibilidade (exerce papel em funções fisiológicas, como transportar outros nutrientes e construir músculos).

Alimento vitaminado: a bebida tem boas porções de vitaminas A, D, E e do complexo B, essenciais para o bom funcionamento do organismo.

A gordura do leite faz mal? Aumenta o colesterol?

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Em geral, o leite integral tem em sua composição de 3% a 4% de lipídios —a maior parte de gordura saturada. O consumo excessivo do nutriente é associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, por aumentar o colesterol LDL, conhecido como "ruim".

Porém, não há estudos confiáveis que relacionem o aumento do risco cardiovascular com o consumo de leite e seus derivados (queijo, iogurte). As evidências são opostas: um estudo publicado na The Lancet, em 2018, por exemplo, avaliou 136.384 pessoas em 21 países e concluiu que consumir laticínios reduz o risco de morte precoce e de ter doenças cardiovasculares.

Ainda nesse sentido, uma revisão, além de concluir que não há evidências claras de que o consumo de alimentos lácteos esteja consistentemente associado a um maior risco de doenças cardiovasculares, mostrou que também pode não haver diferença quanto a esse risco entre consumir um produto lácteo com maior teor de gordura e outro menor (desnatado ou semidesnatado).

Diferença entre os tipos

Os leites são principalmente classificados como integrais, semidesnatados e desnatados, sendo esses últimos os com menores níveis de lipídios.

O melhor produto depende muito da alimentação e da necessidade de cada pessoa. Muitos acham, por exemplo, que o leite desnatado, por ser menos calórico e ter menos gordura, é ideal para quem deseja emagrecer. Não necessariamente.

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Para quem busca perder peso, o leite integral acaba sendo mais vantajoso por promover maior saciedade e ter índice glicêmico menor —o açúcar da bebida é absorvido de forma mais lenta, evitando um pico no organismo do hormônio insulina, que incentiva o estoque de gordura.

Já o desnatado e o semidesnatado costumam ser indicados para pessoas que precisam controlar as taxas de colesterol. Converse com um nutricionista para saber qual produto é melhor para você.

Leite é inflamatório?

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Quem procura uma dieta saudável sabe que tem de fugir dos alimentos inflamatórios, como frituras, ultraprocessados, com muito açúcar. Seria o leite um deles? O consenso entre os pesquisadores é que, para pessoas saudáveis, não.

Uma revisão de estudos analisou os efeitos do leite e de produtos lácteos em biomarcadores inflamatórios. A pesquisa indicou que o consumo não mostrou efeito pró-inflamatório em indivíduos saudáveis.

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Outro estudo revisou 52 ensaios clínicos para investigar marcadores inflamatórios relacionados ao consumo de leite e concluiu que o alimento, na verdade, tem uma atividade anti-inflamatória, principalmente no caso dos fermentados. Essa pesquisa destacou efeitos inflamatórios apenas em indivíduos alérgicos ao leite de vaca —e aqui, sim, em casos de prévios problemas de saúde na digestão, o leite pode ser um vilão.

Três casos de reações adversas ao leite

Intolerância à lactose: quem é intolerante ao açúcar do leite não consegue digerir bem a lactose, que fermenta no intestino delgado, gerando cólica, distensão abdominal, flatulência e diarreia, além de lesões e infecções no aparelho digestório. Nesses casos, se quiser tomar leites ou ingerir produtos com ele, a pessoa precisa consumir a enzima lactase artificialmente, optar por laticínios sem lactose ou tomar leite em quantidades toleráveis pelo organismo.

Alergia à proteína do leite de vaca: é uma reação do sistema imunológico a algumas proteínas encontradas no alimento. Como se trata de uma alergia alimentar, os sintomas ultrapassam os problemas no sistema digestivo e podem desencadear desde reações na pele até no sistema respiratório. Há, inclusive, risco de morte e, por isso, a depender do nível da alergia, a pessoa precisa evitar qualquer alimento que possa conter leite.

Sensibilidade à caseína: é uma das proteínas do leite e atua nas terminações nervosas do intestino, o que pode desencadear um processo inflamatório. Mas, até onde se sabe, esse efeito acontece apenas em uma pequena parte da população que, naturalmente, tem sensibilidade ao composto. Estudos mostraram suposta relação da caseína com o autismo, o que motivou a adoção da dieta SCSG (sem caseína, sem glúten). Mas revisões de artigos de 1990 até 2016 mostram falhas metodológicas nos estudos que relatam o efeito negativo da proteína em pessoas com autismo e concluem que não há dados para apoiar cientificamente a restrição.

Pasteurização x nutrientes

Ainda que tratamentos térmicos de pasteurização e de ultrapasteurização possam afetar os nutrientes do leite, não há perdas relevantes a nível nutricional. A biodisponibilidade do cálcio lácteo não é significativamente afetada e, em caso de fermentações (como na produção de iogurte e queijos), pode haver aumento da digestibilidade dos nutrientes do leite e da liberação de compostos bioativos benéficos para a saúde.

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Esse processamento é necessário para garantir a segurança biológica da bebida, ou seja, para que esteja livre de micro-organismos que possam causar doenças, como a salmonelose. Pelo risco à saúde envolvendo seu consumo, a venda de leite "cru", resultado direto da ordenha, é proibida no Brasil, pelo decreto nº 923/1969 — que também assegura que a bebida seja submetida a protocolos de controle de qualidade e inspeção higiênico-sanitária.

Equilíbrio é o ideal

O consumo em excesso de qualquer alimento pode fazer mal à saúde. No caso do leite integral de vaca, esbaldar-se na bebida pode elevar os níveis de colesterol. Consumir calorias em excesso também pode fazer a gordura parar no fígado, gerando esteatose hepática, e no abdome (a chamada obesidade visceral).

Além disso, com muita lactose para quebrar, nossa quantidade natural de lactase pode não dar conta e o resultado será má digestão e inflamação. Vale destacar que uma quantidade exagerada de proteínas também pode sobrecarregar os rins. Por tudo isso, beba com moderação.

*Com informações de reportagem publicada em 22/09/2022

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