Duas dobrinhas na orelha levantaram suspeita sobre doença rara em bebê
Bárbara Therrie
Colaboração para VivaBem
28/08/2024 05h30
Durante a gestação, a dona de casa Bruna Carvalho Santos, 31, descobriu a possibilidade de o filho nascer com alguma síndrome, o que acabou se confirmando quando ele tinha sete meses de vida. Com uma doença rara chamada MPS (mucopolissacaridose), Bryan tem baixa estatura e algumas alterações no coração e na coluna. A seguir, a mãe conta a história da família:
"Eu e meu marido, o Francisco, sempre quisemos ter filhos. Na primeira tentativa, sofri um aborto espontâneo com três meses de gestação. Em 2015, engravidei do Bryan, mas durante o pré-natal identificaram que ele tinha água acumulada na barriga e diminuição dos batimentos cardíacos.
A médica me perguntou se eu estava preparada para a possibilidade de ele ter alguma síndrome. Respondi que independentemente do que ele tivesse, eu e meu marido iríamos amar e cuidar do nosso filho da melhor forma possível.
Na época achei que poderia ser síndrome de Down, não sabia que existiam outros tipos de síndrome.
Após o parto, Bryan foi levado para a UTI para drenar o líquido acumulado na barriga, mas ao fazer três exames ao longo dos dias foi constatado que a água havia sumido. Ninguém sabe explicar o que aconteceu, mas eu considero que esse foi o primeiro milagre na vida dele.
Bryan passou com vários especialistas na maternidade, incluindo uma geneticista que percebeu duas dobrinhas na orelha dele e pediu um retorno quando ele completasse seis meses.
Segundo os médicos, aparentemente ele era um bebê normal e provavelmente não tinha nenhuma síndrome, o que me tranquilizou, mas com o passar dos meses notei algumas questões que chamaram minha atenção.
Meu filho era muito quieto, não interagia como os outros bebês, demorou para sentar e passava a maior parte do tempo deitado. Ele também sentia falta de ar, teve vários quadros de bronquiolite e ficou internado algumas vezes. Descobrimos que ele tinha uma malformação na válvula mitral, o que provocava uma insuficiência cardíaca e um inchaço no coração. Aos 11 meses ele fez uma cirurgia no órgão.
Com seis meses, levei o Bryan na consulta de retorno com a geneticista. Ela notou um carocinho que ele tinha na coluna desde que nasceu. A médica solicitou um teste genético e, aos sete meses, Bryan foi diagnosticado com MPS VI (mucopolissacaridose tipo 6), uma doença genética rara que é causada pela deficiência de uma enzima que leva ao acúmulo de substâncias nas células do corpo.
"Educamos o Bryan para que ele não se sinta inferior às outras pessoas"
O cognitivo de Bryan é 100% normal, mas no dia a dia a MPS impacta a vida dele de algumas formas, uma delas é a baixa estatura. Bryan tem 8 anos e 1,05 m de altura. Como ele é baixinho, as pessoas acham que ele tem 5 anos. Considerando a idade atual, ele deveria ter em média entre 1,30 m a 1,35 m.
Um outro ponto é a dificuldade para fazer algumas ações devido à rigidez nas articulações do braço, como tomar banho. Ele consegue lavar o cabelo na frente, mas não a parte de trás. Ele se cansa mais facilmente durante as atividades, enquanto come, escreve, desenha ou caminha. Eu e meu marido auxiliamos o Bryan no que ele precisa, mas sempre o incentivamos a ter autonomia e independência para fazer as coisas mesmo com algumas limitações.
Bryan também tem escoliose, alterações visuais, auditivas, características fenotípicas, baço e fígado aumentados, mas o principal problema associado à MPS é o estreitamento da medula espinhal (estenose). Ele não pode sofrer nenhum trauma grave na cervical porque. dependendo do impacto, pode ficar paraplégico.
Para minimizar os riscos tomamos alguns cuidados, ele não brinca na cama elástica, não pratica esportes de alto impacto, tem um cuidador na escola para evitar que as outras crianças esbarrem nele. Em breve vai fazer duas cirurgias para descomprimir a medula.
O tratamento do Bryan é intenso, ele faz exames e acompanhamento médico regularmente. Faz fisioterapia duas vezes por semana; e uma vez por semana a reposição da enzima deficiente por infusão endovenosa, o procedimento dura quatro horas.
Bryan é muito observador e ouve tudo o que os médicos falam. Teve uma vez que ele comentou com uma pessoa: 'Tenho uma doença rara que não tem cura e faço tratamento para não morrer'. Teve uma outra situação em que ele disse para a fisioterapeuta que estava cansado da rotina e começou a chorar. Ele vai começar a passar com uma psicóloga para cuidarmos do emocional e da cabecinha dele.
Apesar da rotina com o tratamento, Bryan é uma criança alegre, feliz e tem uma vida normal dentro das condições dele. Ele se dá muito bem com os amiguinhos da escola, gosta de desenhar, andar de bicicleta, jogar videogame e ficar com os nossos animais de estimação, temos cachorros, alguns peixinhos e uma porquinha da índia chamada Bombom.
Eu e meu marido educamos o Bryan de uma maneira para ele nunca se sentir inferior às outras pessoas por causa da doença. Meu conselho para as famílias que convivem com uma doença rara é receba o diagnóstico, mas não desista e pense sempre positivo."
Viver é Raro
Bryan Yago Carvalho Silva é um dos personagens da série documental "Viver é Raro", que traz histórias inspiradoras de pessoas que vivem com doenças raras, mostrando seus desafios, conquistas e a importância da conscientização.
Os sete episódios da segunda temporada estão disponíveis no Globoplay, e são uma realização da Casa Hunter e coprodução da Cinegroup e Vbrand.
O que é mucopolissacaridose?
A MPS (mucopolissacaridose) é uma doença genética causada pela falta de uma enzima específica no lisossomo, parte da célula responsável por quebrar os glicosaminoglicanos (GAGs). Sem essa enzima, os GAGs se acumulam dentro das células, levando a uma série de problemas no organismo.
A MPS pode se manifestar de várias formas, como MPS I, II, III, IV, VI, VII e IX, cada uma relacionada à deficiência de uma enzima diferente.
Os sintomas afetam quase todos os órgãos e tecidos, causando desde alterações faciais e baixa estatura até problemas graves como insuficiência cardíaca e malformações ósseas. "Os pacientes podem apresentar perda progressiva da visão e audição, além de dificuldade na mobilidade e nas atividades diárias", explica Marco A. Curiati, geneticista e chefe do ambulatório do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O diagnóstico é feito a partir da suspeita clínica, com exames que medem os níveis de GAGs na urina ou a atividade enzimática no sangue, além de testes genéticos para identificar a mutação responsável. Embora a MPS não tenha cura, tratamentos como o transplante de medula óssea em crianças pequenas e a terapia de reposição enzimática podem ajudar a controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, "a expectativa de vida varia, sendo a doença cardíaca e as infecções os principais fatores limitantes", alerta Curiati.