Doente terminal ou em cuidados paliativos: como conceitos são diferentes?
Isabel Veloso chamou atenção no TikTok ao contar sua história como uma paciente de 17 anos com um câncer aparentemente agressivo que não tinha mais opção de tratamento (o tumor estaria localizado em torno do coração e pega um pedaço do pulmão, segundo o que ela contou anteriormente a VivaBem).
Sua história ganhou notoriedade, virou tema de diversas reportagens na imprensa nacional, mas nos últimos dias tornou-se uma polêmica após sua médica dizer que ela não era uma paciente terminal, e sim, em cuidados paliativos. A própria Isabel já havia referido a si mesma como uma pessoa em estágio terminal.
Ontem, a jovem rebateu acusações de que esteja mentindo.
"Não é porque sou uma paciente terminal que preciso estar em uma cama o tempo todo. Os cuidados paliativos envolvem trazer uma qualidade de vida melhor", disse Isabel em entrevista a VivaBem em março deste ano. Em agosto, ela anunciou que estava grávida.
"Isabel não está em estágio terminal. E sim, sob cuidados paliativos. O quadro clínico dela está estável, o tumor está pequeno, com crescimento estagnado e ainda com o controle importante dos sintomas que ela sentia —que eram dores e falta de ar", disse a médica Melina Branco Behne em entrevista ao portal gshow nesta terça-feira (27). Ela ainda explicou que esse é o tipo de cuidado dado a pacientes e familiares que enfrentam uma doença grave.
Quais são as diferenças entre os conceitos?
Segundo o Ministério da Saúde, cuidados paliativos são os cuidados de saúde ativos e integrais prestados à pessoa com doença grave, progressiva e que ameaça a continuidade de sua vida. Podem vir associados ao tratamento com objetivo de cura da doença a fim de auxiliar no manejo dos sintomas de difícil controle e melhorar as condições clínicas do paciente. Um paciente pode, inclusive, ficar anos sob cuidados paliativos.
Na fase terminal, em que o paciente tem pouco tempo de vida, o tratamento paliativo se torna prioritário para garantir qualidade de vida, conforto e dignidade.
A transição do cuidado com objetivo de cura para o cuidado que prioriza o conforto e a qualidade de vida é um processo contínuo, e sua dinâmica difere para cada paciente.
Ainda há muita confusão sobre os termos. "A dúvida existe porque eles são usados como sinônimos, como se todo paciente terminal fosse paciente paliativo e vice versa. Mas, não são e não devem ser usados como sinônimos", diz o paliativista adulto e pediátrico, Joaquim Pinheiro Vieira Filho, Head do Serviço de Cuidados Paliativos do A.C.Camargo Cancer Center.
"Os cuidados paliativos apoiam a ressignificação e operacionalização daquilo que é a essência de cada um. Para uma pessoa viver plenamente o final da vida, precisa ter cuidados físicos adequados, controle dos sintomas, apoio psicológico e espiritual e segurança. Os paliativistas dão condições para a dignidade acontecer de fato", disse o paliativista Douglas Crispim a VivaBem em abril de 2021. Na época, ele era o presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos.
"É muito importante diferenciarmos estes termos, tão frequentemente confundidos", diz Rodrigo Kappel Castilho, atual presidente da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos). O especialista explica que a "terminalidade" está relacionada a uma doença que não tem cura.
"Uma pessoa pode viver muitos anos convivendo com uma doença terminal. Cuidado paliativo não tem absolutamente nenhuma relação com esse termo", diz.
Ele explica que a palavra "paliativo" vem do latim "pallium", que significa manto. "Cuidado paliativo é o cuidado holístico para prevenir e controlar o sofrimento diante de situações de risco de vida, tanto dos pacientes como de seus familiares e cuidadores. Tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida. Ou seja, necessitam de cuidados paliativos não só os pacientes em fim de vida, ou com doença terminal, mas aqueles que têm a possibilidade de reversão de sua condição grave de saúde", completa.
Filho concorda com a definição. "Paciente terminal é uma pessoa portadora de uma doença que os médicos consideram não ter tratamento que a modifique ou controle, que vai evoluir progressivamente, dando uma expectativa de vida limitada à pessoa", diz. Mas esse "tempo limitante" pode ser anos, não precisa ser algo imediato.
Já paciente em cuidado paliativo pode ter - ou não - cura para sua doença. "São cuidados centrados na pessoa doente e sua família, oferecida por equipe multiprofissional de maneira interdisciplinar que visam melhorar a qualidade de vida dessas pessoas que apresentam sofrimentos físicos, psíquicos, sociais e espirituais relacionados à sua doença ou ao seu tratamento; independente do momento, não apenas no estágio terminal", diz.
Paciente terminal para paliativo: existe?
Após a repercursão da entrevista de Behne, Isabel usou seus stories para responder as acusações de que mentiu para seus seguidores. "Para os desinformados de plantão, que estão cuidando da minha vida, minha doença era terminal devido a uma data prevista de tempo estimado de vida, porque eu não tinha certeza que ia estabilizar. Mas estabilizou, por isso passei a ser paciente de cuidado paliativo", disse.
Castilho esclarece que uma coisa não está relacionada a outra. "É inadequado só dizer 'paciente em cuidado paliativo'. Isso não quer dizer que a doença não tenha cura ou que está morrendo. E, sim, que precisa de cuidado porque alguma questão de saúde está ameaçando a vida dela", diz.
Ao pé da letra, Castilho explica que diversas doenças podem ser consideradas terminais —o que é diferente de estar no final da vida. "É comum usarmos o termo em caso de câncer, mas também é possível aplicá-lo para demência, insufiências cardíacas graves ou ELA (esclerose lateral amiotrófica)", diz. São doenças que podem ter piora com o passar do tempo —mesmo que isso leve muitos anos.
Princípios dos cuidados paliativos
Promover o alívio da dor e de outros sintomas;
Não acelerar nem adiar a morte;
Oferecer suporte para que o paciente viva tão ativamente quanto possível;
Ser iniciado o quanto antes, junto de outras medidas para prolongar a vida;
Afirmar a vida e considerar a morte como um processo natural;
Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente;
Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso de vida;
Auxiliar os familiares durante a doença do paciente e a enfrentar o luto.
Morte digna
Existem quatro tipos de mortes:
eutanásia, que é quando o paciente escolhe morrer
ortotanásia, que é a morte natural
distanásia, quando procedimentos médicos aumentam o tempo de vída do paciente, mesmo que aquilo traga mais dores, sofrimentos e uma péssima qualidade nos seus últimos dias
kalotanásia, que é a que os médicos paliativistas bucam para seus pacientes
A kalotanásia é a tal da "boa morte". Nesses casos, os médicos fazem todo o possível para que os últimos dias (meses, anos?) daquele paciente seja com o maior conforto possível. Respeitando seus desejos e promovendo a autonomia.
"Algumas pessoas acham que desisti da vida e que não tenho fé, mas isso me incomoda muito. Não é porque aceitei que estou doente que não tenho fé em Deus. Muitas pessoas jovens morrem de câncer. Está tudo bem aceitar isso também", diz Isabel.
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