'Absolutamente vital': como alimentação interfere no tratamento do câncer
Quem já passou por um tratamento de câncer ou conhece alguém que passou sabe o quanto esse processo pode debilitar o paciente. Além do desgaste físico e emocional, é preciso ainda lidar com efeitos colaterais, que acabam afetando a capacidade do paciente de conseguir se alimentar adequadamente.
Gustavo Schvartsman, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que é comum a pessoa em tratamento sentir uma diminuição da vontade de comer, porque, além de ter que lidar com os enjoos, às vezes o paladar é alterado, o que mexe com o apetite. Situações como vômitos, diarreia, mucosite (machucados na boca) e boca seca também são observadas. Tudo isso tem impacto nutricional, afetando inclusive o próprio tratamento caso não haja uma dieta adequada.
Thais Manfrinato Miola, nutricionista oncológica do Cancer Center A.C.Camargo, pondera, entretanto, que não são todos os tratamentos capazes de trazer algum efeito sobre a alimentação. Diferente da quimioterapia, a radioterapia é localizada, e a interferência nutricional vai depender muito da região que está sendo tratada.
"Um paciente com câncer de mama em radioterapia numa técnica avançada vê um tratamento bem localizado e sem interferência na alimentação. Mas alguém com câncer de cabeça e pescoço vai sentir impacto na região da boca e garganta, levando à mucosite oral, boca seca, alteração de paladar e dor e dificuldade para engolir", exemplifica Miola.
Ou seja, os efeitos na alimentação dependem muito do diagnóstico, do tipo do tratamento e, claro, da individualidade de cada paciente.
Alimentação adequada é fundamental
Estar bem alimentado e nutrido é muito importante para um desfecho oncológico favorável. De modo geral, isso quer dizer ter uma alimentação equilibrada e variada, contendo todos os nutrientes necessários para o organismo.
Conseguir manter a massa muscular, o sistema imune adequadamente funcionante, conseguir obter a suplementação de vitaminas, minerais e eletrólitos é absolutamente vital. Gustavo Schvartsman, oncologista
O paciente que tem uma alimentação adequada vai ter uma nutrição melhor e, consequentemente, tolerar melhor todo o tratamento. "Ele até pode ter algum efeito colateral, mas não vai ser tão grave quanto naquele paciente que está desnutrido, que perdeu muito peso ou massa muscular. Tem alguns efeitos que são inerentes ao tratamento, que a gente já espera que aconteça, só que com uma boa nutrição a gente consegue reduzir a gravidade desses efeitos colaterais", diz Miola. "O paciente tolerando melhor, ele consegue completar aquele programa, aquele ciclo que foi planejado para ele de tratamento e recuperar mais rápido também", complementa a nutricionista.
Segundo Aline Pereira, nutricionista oncológica, com mestrado e doutoranda pela UFRJ, o consumo de proteínas é a maior dificuldade de ingestão dos pacientes em tratamento, seja pela mudança no sabor das proteínas animais, que podem ficar com gosto metálico, ou pela saciedade que são causadas por elas. "Porém, o consumo de proteínas é fundamental para manter a massa magra, a qualidade de vida e boa tolerância ao tratamento oncológico", aponta.
Alimentação inadequada traz grandes consequências
Assim como ter uma dieta saudável vai beneficiar o tratamento, ter uma alimentação inadequada, com carências nutricionais, também traz consequências importantes.
O baixo consumo de ferro, por exemplo, pode causar anemia ferropriva, o que pode levar à suspensão temporária da quimioterapia. Ingerir alimentos ricos em gordura pode aumentar sintomas de náusea, vômito e diarreia. Já uma baixa quantidade de proteína pode levar à diminuição de massa muscular de forma acelerada.
"Com a perda de massa muscular, o paciente pode diminuir sua funcionalidade, ou seja, um paciente que conseguia fazer suas atividades diárias sozinho pode necessitar de auxílio, como levantar da cama, por exemplo", alerta Pereira.
Além disso, uma baixa qualidade nutricional pode dificultar até mesmo a cicatrização no caso de cirurgia, mantendo o paciente internado por mais tempo.
A manutenção de uma alimentação saudável após o tratamento também é fundamental. "A gente tem dados bem consolidados na literatura [médica] mostrando que o excesso de peso e obesidade no pós-tratamento para câncer de mama aumenta o risco da recorrência local da doença", ressalta Miola.
O que deve ser evitado
Alguns tratamentos, como a quimioterapia, levam a uma diminuição da imunidade —e por consequência uma menor capacidade de defesa do organismo—, o que exige atenção ao risco de contaminação oriunda dos alimentos. Nesse sentido, é importante atenção a:
Frutas, verduras e hortaliças consumidos crus. Eles devem ser bem higienizados com solução de hipoclorito de sódio ou produtos próprios para higienização de alimentos.
Carne crua ou malpassada está proibida.
Peixe cru, como sashimi, por exemplo, também não deve ser ingerido.
Ovo com gema mole não deve ser consumido, assim como preparações com ovo cru, como algumas sobremesas (mousse de chocolate, por exemplo).
Comidas de buffet devem ser evitadas. Isso porque a exposição tem fácil potencial de contaminação.
Além disso, "pacientes que estão em protocolo de quimioterapia contendo oxaliplatina devem evitar consumir gelados devido ao risco de apresentarem como efeito colateral a neuropatia periférica (formigamento nas mãos e pés)", explica Pereira.
Pacientes em tratamento com radioterapia na região pélvica, que envolve próstata, reto, bexiga, endométrio, também tem restrições específicas. O intuito é reduzir a formação de gases na região e a incidência de diarreia —um dos sintomas causados pela inflamação do intestino devido à radiação.
Já na imunoterapia é importante manter uma microbiota intestinal saudável, evitando principalmente alimentos embutidos (linguiça, salsicha, presunto, mortadela, peito de peru), carnes processadas, temperos prontos, sucos em pó e aqueles ricos em açúcar adicionado.
Localização do câncer tem grande influência
O tipo de câncer, a localização, o tamanho e o que é esperado do tratamento são diagnósticos fundamentais para se definir a parte nutricional. "E essa programação [nutricional] tem um papel tão relevante quanto o próprio tratamento", ressalta o oncologista Gustavo Schvartsman.
Pacientes com câncer de cabeça e pescoço, pulmão e gastrointestinal são considerados de alto risco nutricional pela localização tumoral.
Câncer de cabeça e pescoço podem dificultar a ingestão de alimentos sólidos, necessitando ajuste da consistência da dieta para pastosa ou líquida. "As dietas líquidas possuem menor quantidade de calorias e de proteínas e, dessa forma, a complementação nutricional com suplementos hipercalóricos e hiperproteicos se faz necessária", explica a nutricionais Aline Pereira.
Pacientes com câncer de pulmão também podem apresentar muitos sintomas de impacto nutricional e tem risco de desnutrição. Já os de estômago ou de intestino podem necessitar ingerir alimentos em pequenas quantidades, várias vezes ao dia, para atingirem as suas necessidades nutricionais.
Procure um nutricionista oncológico para esclarecer suas dúvidas e evite fazer restrições alimentares severas, pois podem aumentar o risco de desnutrição. Aline Pereira, nutricionista oncológica
"Já tem estudos mostrando que mulheres mais jovens com alto poder socioeconômico e educacional são as que mais alteram a sua alimentação no momento do diagnóstico, mas, muitas vezes, isso não é de uma forma positiva, porque alteram sem passar com um profissional nutricionista e aí acabam reduzindo de forma drástica a sua ingestão calórica e principalmente proteica", complementa Miola.
O acompanhamento nutricional é fundamental desde o diagnóstico oncológico. Isso é algo que eu venho martelando bastante para o paciente não chegar para o nutricionista só quando já tiver perdido peso, quando não estiver conseguindo comer por conta dos efeitos. Se a gente age de forma precoce, o paciente tolera muito melhor o tratamento. Thais Manfrinato Miola, nutricionista oncológica
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