Fim do medo? Celulares não têm ligação direta com câncer de cérebro

O uso de telefones celulares não tem ligação direta com cânceres de pescoço, cérebro ou em outras partes da cabeça, apontou uma revisão de literatura encomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e publicada na sexta (30) no periódico Environmental International.

Conduzida pela Agência Australiana de Proteção contra Radiação e Segurança Nuclear (Arpansa, na sigla em inglês), a pesquisa analisou dados de mais de 5.000 estudos anteriores com o objetivo de alcançar uma posição mais sólida e definitiva a respeito do controverso tema.

Em 2011, a própria OMS divulgou dados de outra revisão que sugeriram o contrário —uma ligação provável entre o uso de celulares e o desenvolvimento de câncer graças à radiofrequência de ondas eletromagnéticas emitidas por este tipo de aparelho. Em 2010, um ano antes, a agência da ONU (Organização das Nações Unidas) já havia negado esta relação entre os tumores e os telefones.

A superexposição ao telefone, por horas consecutivas, também não foi relacionada a casos de câncer, embora não seja benéfica para a saúde em outras áreas
A superexposição ao telefone, por horas consecutivas, também não foi relacionada a casos de câncer, embora não seja benéfica para a saúde em outras áreas Imagem: iStock

No entanto, enquanto revisões anteriores realizadas dentro da própria OMS por meio da sua Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) analisaram centenas de pesquisas, o trabalho publicado pela Arpansa tem a seu favor o fato de que considerou uma amostragem significativamente maior de dados.

A etapa final dos trabalhos da Arpansa incluiu a análise de 63 estudos observacionais em humanos publicados entre 1994 e 2022, o que faz desta nova empreitada a mais abrangente revisão de literatura até então, disse o autor do estudo, Ken Karipidis, ao jornal britânico The Guardian. Toda a pesquisa focou em avaliação de diagnósticos de cânceres de cérebro, meninges, pituitária, ouvido e glândulas salivares.

Não foi encontrada associação clara entre o desenvolvimento de câncer em usuários de celulares de longo prazo —há mais de 10 anos— e nenhuma relação com a quantidade de horas por dia que a pessoa passa no celular.

Contudo, o artigo frisa que, no caso de tumores cerebrais em crianças, as evidências "devem ser interpretadas com cuidado, devido ao baixo número de estudos existentes". Ou seja, pesquisadores não descartaram de maneira definitiva que a exposição ao telefone possa afetar crianças justamente porque faltam estudos.

Não é só o celular: tablets também emitem radiação eletromagnética de alta frequência e, por isso, as conclusões da pesquisa se aplicam a eles
Não é só o celular: tablets também emitem radiação eletromagnética de alta frequência e, por isso, as conclusões da pesquisa se aplicam a eles Imagem: Divulgação
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Karipidis, que é formado em ciências, mestre em física e doutor em epidemiologia, além de ser diretor-assistente da Arpansa, se disse "confiante na conclusão". "E o que nos deixa muito confiantes é que, mesmo que o uso de celulares tenha disparado, os níveis de tumores cerebrais [diagnosticados ao longo dos anos estudados] se mantiveram estáveis", comentou ao jornal.

Por que o uso de celular preocupava cientistas?

Os aparelhos móveis, smartphones ou celulares mais simples, além de computadores, rádios, transmissores de televisão e torres de telefonia —emitem altas frequências de radiação eletromagnética, também conhecidas como ondas de rádio.

É importante destacar que estas ondas não são a mesma coisa que radiação nuclear.

"Radiação é basicamente energia que viaja de um ponto a outro. Há muitos diferentes tipos, por exemplo, a radiação ultravioleta do Sol. Nós estamos constantemente expostos à radiação de baixa frequência no nosso ambiente no dia a dia", explicou Karipidis. No entanto, porque usamos o telefone celular próximo à cabeça, o assunto se tornou um tema de interesse e preocupação para a comunidade científica.

O pesquisador ainda argumenta que a associação entre o uso de celular e o desenvolvimento de câncer foi criada pelos primeiros estudos sobre o assunto, que comparavam grupos de pessoas com câncer de cérebro e saudáveis, questionando ambos sobre o uso que faziam da tecnologia.

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Os relatos dos pacientes com câncer acabavam tornando os estudos tendenciosos, acredita Ken Karipidis
Os relatos dos pacientes com câncer acabavam tornando os estudos tendenciosos, acredita Ken Karipidis Imagem: iStock

Este tipo de metodologia, de acordo com o diretor-assistente da Arpansa, é geralmente tendencioso porque o grupo saudável tende a oferecer informações precisas, enquanto aqueles que já estão doentes costumam exagerar o relato de sua exposição à radiação do telefone —em busca de uma explicação para o seu diagnóstico. E foram estes estudos que determinaram recomendações anteriores da OMS em relação ao uso do celular.

Mesmo em 2011, após a análise da IARC, o celular nunca esteve na lista de "carcinogênicos definitivos" (substâncias que causam câncer) da OMS, apenas na lista de "prováveis". Para se ter uma ideia, entre os definitivos está o tabaco, enquanto entre os possíveis há uma variedade de culpados cuja ação ainda é pouco esclarecida, como o uso da babosa, o consumo de vegetais em conserva e o trabalho em lavanderias a seco.

Pesquisas mais recentes têm se baseado menos em relatos dos pacientes e mais em análise dos efeitos de saúde da exposição à radiação, como uma revisão de literatura recente também encomendada pela OMS que encontrou relação entre o uso de celular e a diminuição do número de espermatozoides em homens, mas sem alteração no formato e motilidade.

O uso de celular possa afetar o número de espermatozoides dos homens
O uso de celular possa afetar o número de espermatozoides dos homens Imagem: iStock

O grupo de pesquisa de Karipidis agora parte para uma segunda parte do estudo, que examinará a possível relação entre o uso dos telefones e cânceres que não são frequentemente associados a eles, como leucemia e linfoma não-Hodgkin.

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