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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Ficava 6 h fazendo inalação; médico disse que não chegaria à vida adulta'

Leonardo tem fibrose cística e chegou a fazer inalação durante 8 horas num dia só Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

05/09/2024 05h30

Diagnosticado com fibrose cística, o analista de sistemas Leonardo Rodolfo Napeloso, 37, viu a doença impactar várias áreas da sua vida, principalmente a profissional, o que lhe gerou uma grande frustração. Após ficar 42 dias internado, Leonardo perdeu a vontade de viver, mas sua esposa achou um novo tratamento que lhe trouxe esperança.

"A medicação foi uma overdose de vida, ela me deu uma liberdade que nunca havia tido porque sempre vivi refém dos sintomas causados pela doença". A seguir, ele compartilha sua história:

"Tive muitas infecções por repetição ao longo do meu primeiro ano de vida, o que gerou a desconfiança do pediatra que achou que meus pais não estavam cuidando bem de mim. Segundo ele, não era comum um bebê ter tantos quadros de resfriado, pneumonia e ficar internado como eu ficava.

Quando eu tinha um ano de idade, fiz o teste do suor que mostrou que meu suor era muito mais salgado do que o normal. O médico me diagnosticou com fibrose cística, me encaminhou para fazer o tratamento no Instituto da Criança no Hospital das Clínicas em São Paulo, mas disse aos meus pais que eu dificilmente chegaria à vida adulta, o que os deixou abalados, mas determinados a fazer o possível para me ajudar.

Na época, em 1988, meu pai era maquinista da ferrovia e minha mãe era dona de casa. Eles não tinham dinheiro para comprar as enzimas pancreáticas que eu precisava tomar antes das refeições. A medicação era cara e não era fornecida pelo SUS.

Nós conseguimos as primeiras caixas do remédio graças ao empenho dos meus pais que fizeram campanhas e vaquinhas em programas de rádio e TV contando a minha história e pedindo doações.

Lembro que a minha infância foi marcada pelas viagens que fazíamos de Araraquara a São Paulo para fazer o tratamento no HC. No começo até achava legal, mas depois fui ficando cansado. Perguntava ao meus pais porque tinha que ir tanto ao hospital e meus amigos, não, e quando seria o último exame e consulta.

Meus pais sempre plantaram uma sementinha da importância do tratamento, mas me conscientizei de verdade aos sete anos, quando li um papel no mural do hospital que dizia que que a expectativa de vida para pacientes com fibrose era até os 30 anos.

Na hora da consulta, o médico esclareceu que os pacientes só viviam até aquela idade se não fizessem o tratamento corretamente. Desde aquele dia adquiri um autocuidado e uma responsabilidade com a minha saúde que dura até hoje.

Imagem: Arquivo pessoal

O tratamento exige muita disciplina e persistência, a parte mais difícil são as internações e as inalações. Ao longo dos anos perdi a capacidade pulmonar e fiquei mais suscetível as infecções. Chegou um momento que meu corpo criou uma resistência aos antibióticos orais e toda vez que pegava uma infecção, uma gripe, por exemplo, ficava internado, no mínimo, 14 dias para tomar o ciclo do antibiótico endovenoso.

Um outro ponto é que diariamente precisava fazer fisioterapia respiratória, exercícios de sopro e inalações porque meu corpo produz muito catarro.

Na vida adulta fazia pelo menos 9 inalações por dia, 3 de manhã, 3 à tarde e 3 à noite. Cada inalação durava em média de 30 a 40 minutos, considerando o tempo de higienização do equipamento. Passava de 4 horas e meia a 6 horas por dia fazendo inalação, mas teve uma época que precisei fazer 12 por dia, ou seja, ficava quase 8 horas por dia fazendo inalação.

"Queria descansar e acabar com o meu sofrimento"

Imagem: Arquivo pessoal

A doença impactou todas as áreas da minha vida. Na vida social, por exemplo, não conseguia conversar por muito tempo senão já ficava cansado e com falta de ar. Não podia rir por muito tempo senão começava a tossir, a ficar encatarrado, precisava pedir licença e sair. Na vida conjugal, não pude ter filhos porque a doença causa infertilidade.

A fibrose cística também afetou o meu plano de carreira, eu era coordenador, mas almejava a vaga de gerente. Mesmo tendo conhecimento técnico, pesava contra mim as ausências quando ficava doente e internado. No dia a dia ficava fadigado e não conseguia atender as expectativas do cargo em relação as disponibilidades, como fazer hora extra ou ficar de sobreaviso para trabalhar fora do horário do expediente. Via meus colegas crescendo, recebendo promoções e fui ficando para trás.

Por outro lado, tinha as minhas próprias inseguranças. Algumas empresas para as quais trabalhei entendiam a minha situação, mas será que se mudasse a outra entenderia também? E se trocasse de emprego e perdesse o plano de saúde? Sinto uma grande frustração na área profissional por não ter chegado onde gostaria, mas não tinha muito escolha, precisava priorizar a minha saúde para continuar vivo.

Em 2021, fiquei 42 dias internado e falaram para a minha esposa, a Patrícia, que talvez eu não sobrevivesse. Sobrevivi, mas passei pela fase mais difícil da minha jornada. Fiquei muito desanimado, pessimista e conectado com a morte. Não queria mais viver, queria descansar e acabar com o meu sofrimento e com o da minha esposa.

Sentia um misto de emoção, não queria deixá-la sozinha, mas também não queria mais que ela vivesse presa a mim, queria que ela tivesse liberdade para ser feliz. Ela sempre me apoiou e nunca desistiu de mim nem quando eu mesmo tentei desistir. Ela é neuropsicóloga e diz: 'Enquanto tem vida, tem jeito'.

"Para mim é um orgulho e uma superação chegar aos 37 anos"

Imagem: Arquivo pessoal

Atualmente, tenho 30% de capacidade pulmonar e tenho indicação para fazer o transplante bilateral do pulmão, mas ainda não assinei os papéis para entrar na fila por uma questão de distância. Moro em Araraquara, a quatro horas do Instituto do Coração. Quando surge um órgão compatível, a recomendação é chegar em até duas horas para iniciar os procedimentos para o transplante.

Ao pesquisar sobre o tratamento, minha esposa achou um paciente com fibrose cística que estava tendo bons resultados com o uso de um modulador da proteína CFTR. Meu médico fez a indicação e consegui o remédio por via judicial. De fevereiro de 2022 a junho de 2024, o modulador era importado dos EUA e recebia em casa. Este ano retirei a minha primeira caixa pelo SUS.

Com três dias do remédio já parei de usar o oxigênio que usava havia cinco meses, quase não tenho mais secreção e faço apenas 2 inalações por dia. A medicação foi uma overdose de vida, ela me deu uma liberdade que nunca havia tido porque sempre vivi refém dos sintomas causados pela doença.

Meu desejo é multiplicar o milagre que estou vivendo com todas as pessoas que têm fibrose cística. Mediante a minha experiência, criei uma página no Instagram (@comtrikafta) com o objetivo de comprovar a eficiência e os resultados inéditos do remédio.

Voltei a sonhar e ressignifiquei a doença e o meu papel enquanto indivíduo e profissional. Ajudo na parte administrativa e nas redes sociais do consultório da minha esposa. Recentemente, abrimos uma loja online de brinquedos educativos. Em casa, cuido dos cachorros, faço as tarefas domésticas e a comida. Cozinhar é uma terapia pra mim.

Faço musculação, natação e basquete. Uma das recomendações médicas é praticar atividade física para me manter saudável e estabilizar minha capacidade pulmonar que continua em 30%.

Infelizmente, vi muitos pacientes com fibrose cística morrerem ao longo da minha jornada.

Para mim é um orgulho e uma superação chegar aos 37 anos de idade, contrariando os prognósticos ruins. Espero que a minha história possa trazer esperança para outras pessoas.

Não faço planos a longo prazo, meu futuro é o presente e vivo o meu melhor todos os dias."

Série "Viver é Raro"

Leonardo Napeloso é um dos personagens da série documental "Viver é Raro", que traz histórias inspiradoras de pessoas que vivem com doenças raras, mostrando seus desafios, conquistas e a importância da conscientização.

Os sete episódios da segunda temporada estão disponíveis no Globoplay, e são uma realização da Casa Hunter e coprodução da Cinegroup e Vbrand.

O que é a fibrose cística?

Imagem: Arte/UOL

A fibrose cística é uma doença genética crônica que afeta principalmente os pulmões e o sistema digestivo. Ela ocorre devido a mutações no gene CFTR, que levam à produção de um muco espesso e pegajoso. Esse muco obstrui os pulmões, causando problemas respiratórios graves, e bloqueia o pâncreas, dificultando a digestão e a absorção de nutrientes.

Os principais sintomas incluem tosse persistente, infecções pulmonares frequentes, dificuldade em ganhar peso e fezes gordurosas. O diagnóstico é feito por meio de testes clínicos e laboratoriais, como o teste do pezinho, teste do suor e exames genéticos.

O tratamento da fibrose cística é complexo e direcionado aos órgãos afetados. Para o sistema respiratório, são utilizados medicamentos, inalações e fisioterapia para evitar infecções pulmonares. Na parte digestiva, é necessária a reposição de enzimas pancreáticas.

Recentemente, os moduladores da CFTR, que ajudam a corrigir o defeito genético, têm mudado o panorama da doença, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, a doença ainda impacta fortemente a vida social e profissional dos pacientes devido às infecções recorrentes e ao tempo necessário para os tratamentos diários.

A fibrose cística também traz desafios na área reprodutiva. Embora as mulheres possam engravidar com dificuldades, 99% dos homens com a doença são inférteis, mas técnicas como a fertilização in vitro podem ser uma opção.

A expectativa de vida dos pacientes com fibrose cística tem aumentado com o avanço dos tratamentos, especialmente com os moduladores da CFTR. Sem esses moduladores, a expectativa de vida é em torno de 30 a 40 anos, mas espera-se que, com a terapia adequada, os pacientes possam alcançar uma longevidade próxima à normal e levar uma vida mais ativa e saudável.

Fonte: Rodrigo Athanazio, pneumologista, médico assistente da Divisão de Pneumologia do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

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