'Minha mãe foi ao hospital com sintomas de gripe e está em coma há 14 anos'
Simone Machado
Colaboração para VivaBem, em São José do Rio Preto (SP)
06/09/2024 05h30Atualizada em 06/09/2024 10h44
Neusa das Dores de Andrade, 65, está em coma há 14 anos. A moradora de Ibiraci (MG) teve hipóxia cerebral após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Segundo a família, dias antes a mulher estava com sintomas gripais —o que mais tarde descobriu-se ser uma pneumonia. A filha, Beatriz Silva, 33, reveza os cuidados com os irmãos. A VivaBem, Beatriz conta sua história.
'Começou com uma gripe'
"Tudo aconteceu em fevereiro de 2010: na época, minha mãe estava com um resfriado e ela não era muito de ir ao médico e postergou a busca por atendimento. Com muita rouquidão e tosse, ela ficou uns cinco dias se automedicando em casa.
Em um domingo ela acordou não se sentindo bem e pediu para o namorado dela a levar ao hospital. Apesar dos sintomas gripais, ela estava bem, foi ao hospital andando. Chegando lá, enquanto era atendida e os profissionais aferiam sua pressão, ela disse que não estava passando bem, que sentia falta de ar e desmaiou.
'Deram 24 horas de vida'
Ela teve algumas paradas cardiorrespiratórias, que foram revertidas pelos médicos. O coração voltou a bater, mas ela ficou inconsciente e foi levada para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
No hospital, minha mãe precisou ser intubada e os médicos deram 24 horas de vida para ela. Após a primeira noite crítica, ela começou a melhorar, mas não respirava sem aparelho —por isso, com cinco dias de hospitalização, foi necessário fazer uma traqueostomia.
Minha mãe ficou internada 30 dias na UTI e, quando ela teve uma melhora, foi para o quarto e permaneceu por mais 30 dias. Durante todo esse tempo, ela esteve em coma e sem expectativa de melhora desse quadro.
'Como se o cérebro murchasse'
Ela recebeu o diagnóstico de hipóxia cerebral (morte de neurônios) devido às paradas cardiorrespiratórias. E não há, de fato, um diagnóstico do que teria causado a situação, nenhum médico explica, mas eles supõem que pode ter sido por causa do quadro de gripe, que desencadeou uma pneumonia.
O quadro dela é irreversível, segundo os médicos. É como se o cérebro dela tivesse murchado e os neurônios morressem.
Desde então, ela respira por traqueostomia e se alimenta por sonda. Ela fica em casa e todos os cuidados são nesse ambiente. Tirando a questão cerebral, ela não tem nenhum outro problema de saúde.
Hoje minha mãe é acamada, toma banho na maca e faz fisioterapia. Somos quatro filhos e estamos responsáveis pelos cuidados com ela. Durante a semana, contamos com o auxílio de uma enfermeira e, aos finais de semana, nos revezamos nos cuidados.
Minha mãe sempre foi uma pessoa muito ativa, trabalhava como autônoma vendendo equipamentos eletrônicos. Sempre acordou cedo para trabalhar, viajava muito a trabalho e procurou dar uma vida confortável para os filhos. Ela gostava de muito de músicas flashback e de cozinhar comidas diferentes aos finais de semana.
Há 14 anos, nós perdemos a nossa mãe, ela está ali apenas de corpo presente.
Hipóxia cerebral e pneumonia
A hipóxia cerebral é quando há falta de oxigênio no cérebro. Por ser uma área muito sensível, essa falta de oxigenação pode causar lesões graves ou até mesmo irreversíveis. Funciona assim: o cérebro extrai o oxigênio do sangue, que chega por meio de quatro artérias que existem no pescoço. O oxigênio, por sua vez, é captado pelo sangue nos pulmões, e transportado na corrente sanguínea para o corpo todo através dos glóbulos vermelhos (as hemácias).
Quando há o comprometimento de qualquer uma dessas partes, pode haver a falta no fornecimento de oxigênio para o cérebro. Dependendo do tempo e da gravidade dessa falta de oxigênio pode haver lesão e consequentemente comprometimento da função cerebral.
Vinícius Boaratti Ciarlariello, neurologista do Departamento de Pacientes Graves do Hospital Israelita Albert Einstein
Dependendo da gravidade, da localização e da extensão das lesões, o paciente pode apresentar diversos sintomas. É possível ter fraqueza muscular, falta de coordenação motora, distúrbios cognitivos e alterações comportamentais. Em casos mais graves, ocorre o estado vegetativo persistente, chamado também de coma. Nesses casos, o paciente fica sem nenhum, ou praticamente nenhum, contato com o meio externo.
Na pneumonia há uma lesão pulmonar que muitas vezes compromete a capacidade do pulmão de captar o oxigênio. Isso poderia, em casos extremos levar, a uma hipóxia cerebral. A mesma situação pode ocorrer em outros quadros infecciosos.
Na asma, pneumonia, insuficiência cardíaca, arritmia e em qualquer doença que cause o comprometimento de circulação sanguínea, temos a redução do fornecimento de oxigênio ao cérebro, o que pode causar a hipóxia cerebral.
Diogo Haddad, neurologista do Hospital Nove de Julho
Quando há falta de oxigênio, pode ocorrer uma parada cardíaca e consequentemente a hipóxia cerebral. Essa complicação não é comum de acontecer, mas pode ser agravada pela falta de atendimento médico e de tratamento da pneumonia.
O diagnóstico de hipóxia cerebral é geralmente feito por exames clínicos e de imagem. Exames como tomografia computadorizada ou ressonância magnética ajudam a identificar os danos cerebrais causados.
Essa condição pode ou não ser irreversível, a depender da gravidade da perda neuronal em decorrência da morte desses neurônios por falta de oxigênio. Em alguns casos, é um quadro irreversível e, em outros casos mais leves, com perdas menores, o paciente pode se recuperar, fazer reabilitação e melhorar o grau de sequela. Tudo vai depender do grau de comprometimento do baixo fluxo cerebral, tempo e tamanho da perda neuronal.
Luciana Barbosa, coordenadora da neurologia no Hospital Sírio-Libanês em Brasília