Quando nasce uma pedra no rim? Um cientista descobriu a 'idade' da dele
Após uma crise de cólica renal que o levou à mesa de cirurgia em 2011, o pesquisador Vladimir Levchenko deu um salto na compreensão científica de como se formam as pedras nos rins —ele resolveu estudar o próprio cálculo renal.
Guardando a própria pedra
O pesquisador se perguntou quando o problema teria começado e decidiu investigar utilizando uma técnica em que era especialista: a datação por carbono-14. Levchenko faz parte da Organização Australiana de Ciência Nuclear e Tecnologia.
A ideia surgiu quando seu médico lhe contou que a pedra no rim era feita justamente de um composto carbônico chamado oxalato. "Aquilo deu um clique no meu cérebro — eu posso datar isso", relembrou em entrevista à emissora australiana ABC na quinta-feira (5). Na ocasião, Vladimir trabalhava datando oxalatos presentes em obras de artes aborígenes em rochas.
Ele decidiu pedir ao urologista que guardasse sua pedra para ele. Aquele momento abriu uma nova linha de pesquisa para o então paciente.
Como as pedras no rim se formam?
Os cálculos renais ou pedras se formam em camadas, pelo acúmulo de sais minerais encontrados na urina dentro do rim. Apesar de a maioria ser excretada quando vamos ao banheiro, sobras podem se cristalizar ao longo do tempo. Se elas se tornarem grandes demais para os canais dentro dos rins, elas provocam intensas dores ao se movimentarem tentando "sair".
Nem toda pedra no rim é composta pelos mesmos sais: há pacientes que têm facilidade de formar pedras de oxalato de cálcio, ácido úrico, estruvita, cistina e fosfato de cálcio, segundo o Instituto Nacional de Diabetes, Doenças Digestivas e do Rim dos EUA (NIDDK, na sigla em inglês).
Após retirarem as pedras por cirurgia ou as destruírem a laser, médicos costumam estudar as substâncias presentes nas pedras. Isso serve para aconselhar mudanças na dieta do paciente e reforçar que é importante beber muita água e maneirar no consumo de sal e proteína animal.
Bomba atômica tem relação com o processo
Já recuperado da cirurgia, Vladimir levou sua pedra de seis milímetros para o trabalho e colheu amostras do centro do cálculo, da camada do meio e da sua superfície. "A maior dificuldade foi apenas encontrar onde ela começou a crescer porque não é necessariamente simétrica".
Estas amostras então foram submetidas à análise de um espectrômetro de massa com aceleradores, que mediu a quantidade do isótopo radioativo de carbono-14 nas porções da pedra do rim para determinar a sua idade. A técnica costuma ser utilizada por arqueólogos e outros cientistas para datar artefatos, restos mortais humanos, plantas e até o polêmico Sudário de Turim, que muitos acreditam ser a mortalha de Jesus Cristo.
A ideia é que seres vivos ou qualquer outra coisa que tenha absorvido carbono durante sua "vida" passe pelo decaimento dos níveis do isótopo assim que o carbono deixe de ser formado ou trocado com o ambiente, o que acontece quando um organismo morre, por exemplo. A partir da curva de queda dos níveis do carbono-14, cientistas conseguem determinar a "hora da morte" e a linha do tempo do objeto estudado.
Organismos novos são datados com mais precisão —e a bomba atômica tem relação com isso. Enquanto criaturas ou objetos de dezenas de milhares de anos conseguem ser datados com relativa precisão —de centenas de anos de diferença apenas—, qualquer outro organismo criado após 1950, como as pedras de Vladimir, podem ter suas idades determinadas com muito maior precisão. Isso ocorre graças ao efeito do "pulso" ou "pico" das bombas atômicas de 1945 e outros testes nucleares realizados até 1963, conforme demonstrou o físico austríaco Walter Kutschera em 2022.
As explosões provocaram um enorme salto na quantidade de carbono-14 presente na atmosfera e, por causa disso, cientistas conseguem acertar a idade, muitas vezes, até em meses. Essa "facilidade" vai durar apenas até 2030, quando os níveis do isótopo devem retornar ao normal.
A descoberta do cientista
Vladimir descobriu que seu cálculo vinha crescendo dentro do rim há 17,6 anos. A camada mais exterior tinha a idade do período em que foi retirada, mas ao analisar as camadas interiores, ele descobriu que seu cálculo tinha a idade de 17,6 anos. O artigo sobre as primeiras descobertas foi publicado em 2016.
O pesquisador dividiu seus achados com um grupo de estudiosos dos Países Baixos e juntos analisaram pedras de outros dois pacientes. Estas duas pedras tinham tamanhos similares, mas a datação revelou que cresceram em ritmos completamente diferentes —uma levou 23 anos, enquanto a outra se formou em sete anos.
Conhecer o ritmo de crescimento é útil, porque ajuda a aconselhar o paciente. Se levou 15 anos para crescer uma, você pode extrapolar 15 anos para formar a segunda. Mas apesar de saber o 'timing' ser divertido, provavelmente não ajuda a prevenir tanto quanto saber a causa.
Gregory Jack, cirurgião urológico, especialistas em pedras nos rins, ouvido pela ABC
Vladimir acredita que a continuidade destes estudos pode, sim, ajudar cientistas a entender como a dieta e o estilo de vida afetam o crescimento dos cálculos renais. Ele tinha planos de iniciar uma nova fase de trabalhos com os colegas holandeses, mas eles foram engavetados pela pandemia e não puderam ser retomados até agora por falta de financiamento.
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