'Não tenho medo de viciar': a febre arriscada do uso recreativo de Venvanse

O tatuador Pedro*, 31, nunca foi diagnosticado com TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade), mas usa o Venvanse, um remédio indicado para tratar a doença, nos dias em que precisa ter mais foco e concentração no trabalho.

Ele conheceu o medicamento por meio de amigos e consome de vez em quando, sem receita médica, desde outubro do ano passado.

Não sou diagnosticado e nem tenho prescrição médica. Uso em situações pontuais mesmo, quando preciso de mais atenção em algum trabalho com maior grau de dificuldade. Ou quando vou estudar técnicas novas e muito complexas. Também faço uso da Ritalina. Fico muito mais produtivo e não tenho medo de viciar o organismo.
Pedro

Seja para melhorar a performance no trabalho, para ficar eufórico em festas ou para emagrecimento, o Venvanse ganhou o TikTok e outras redes sociais pelos seus supostos efeitos "milagrosos".

Também virou a droga dos concurseiros, que usam o medicamento para melhorar o foco na preparação para as provas. As consequências do uso indevido, no entanto, são negativas e podem ser graves, segundo especialistas ouvidos por VivaBem.

O medicamento é um estimulante do sistema nervoso central indicado para tratar pacientes com TDAH. Quando não é usado para isso e com acompanhamento médico, pode causar problemas como hipertensão e dependência.

Venvanse é indicado para tratamento do TDAH
Venvanse é indicado para tratamento do TDAH Imagem: Ronaldo Carlos Trevisan

'Estoques se esgotaram'

Outro "efeito colateral" é a escassez do remédio nas prateleiras das farmácias para quem realmente precisa.

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"Algumas pessoas debocham da população que tem TDAH, fazendo pouco caso das dificuldades que passamos, mas consomem sem critério os nossos medicamentos", diz o professor de inglês Filipe Lopes, 33. Ele tem TDAH e só foi diagnosticado aos 27 anos.

Filipe usa Venvanse e Ritalina, com acompanhamento médico —mas vê pessoas que não têm diagnóstico abusando das drogas.

Conheço várias pessoas que não têm diagnóstico e fazem uso para estudo ou até recreativo. Geralmente, o Venvanse é usado exageradamente por concurseiros nas suas preparações para provas. Com a alta demanda, em ao menos três vezes nos últimos anos, os estoques se esgotaram rapidamente, dificultando e encarecendo o acesso para quem realmente precisa.
Filipe Lopes

A queixa não é só de Filipe. A neurologista do Hospital Sírio-Libanês Christiane Cobas também já ouviu relatos como esse de seus pacientes.

Vejo tudo isso com muita preocupação, pois as pessoas não têm medo algum de usar o Venvanse e quem tem TDAH não consegue comprar por causa desse uso abusivo.
Christiane Cobas, neurologista

Além do uso equivocado para aumentar o foco no trabalho, o medicamento vem sendo usado para emagrecimento —mas também há riscos.

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Juliana*, uma estudante de medicina de 25 anos, diz que, há um ano, encontrou um médico especializado em emagrecimento que receitou o Ozempic para a perda de peso e o Venvanse para aliviar a compulsão alimentar.

Ela perdeu 43 kg, mas, agora, a retirada do Venvanse causa preocupação.

Meu medo é como vai ficar minha compulsão alimentar depois que interromper o uso, pois nos dias em que não tomei, percebi que comi mais. Outra questão também é me tornar um pouco menos produtiva, pois notei que tenho muita energia e disposição para fazer exercícios e minhas atividades diárias.
Juliana

'Sem o remédio, volta a ser o que foi'

A médica Christiane Cobas explica que o uso para emagrecer ou se concentrar no trabalho não é indicado e pode ser perigoso.

Não é indicado para a redução de peso e uma das consequências é a pressão alta. Alguns pacientes também se queixam de agitação e dor de cabeça. Enquanto a pessoa está medicada, fica tudo bem. Sem o remédio, ela volta a ser o que sempre foi, ou seja, a compulsão alimentar, por exemplo, pode voltar.
Christiane Cobas

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A médica explica que o medicamento está sendo usado pelo seu efeito colateral.

"Ele age de forma sintomática: se o paciente é desatento, hiperativo, passa a ficar mais concentrado, com foco maior, mas o remédio não age na causa. Esses outros problemas, para quem não tem TDAH, precisam ser tratados em terapia", explica a neurologista.

Como o remédio age

O Venvanse aumenta a ação da noradrenalina e da dopamina, explica o médico psiquiatra Marcos Gebara. "Isso, em certas áreas do cérebro, pode melhorar a vigília, atenção, concentração e até mesmo a memória."

"Fazer uso do medicamento em outras situações [além do TDAH], pode aumentar a ansiedade, a inquietude ou, contrariamente, levar à depressão e à fadiga", explica Gebara, coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) e professor convidado da pós-graduação em psiquiatria da PUC-Rio.

A noradrenalina é um neurotransmissor que regula o estado de alerta e a resposta ao estresse. Já a dopamina está envolvida em recompensas, motivação e controle motor.

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Como toda anfetamina, substância psicoativa que atua como estimulante do sistema nervoso central, o medicamento pode provocar, para quem não tem o transtorno, sintomas até mais fortes, como insônia, irritabilidade, tremores, anorexia com perda acentuada de peso, disfunção sexual, convulsões, hipertensão, arritmias e até episódios psicóticos.

Como a droga aumenta a dopamina, ativa o chamado circuito de recompensa, o que torna o seu uso perigoso em relação ao abuso e à dependência. Em quem não tem a doença [TDAH], vai provocar uma hiperestimulação excessiva, com perda neuronal. Por isso, o uso recreacional e frequente é contraindicado.
Marcos Gebara

A dependência psíquica pelo medicamento deveria ser resolvida de outras formas, aponta Chistiane Cobas. "Muitas vezes, a falta de foco e de concentração é pelo cansaço excessivo, problemas com o sono ou outras questões", diz a neurologista.

*Os nomes completos foram omitidos para preservar a identidade das pessoas ouvidas

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