O que pode indicar que sua criança precisa de acompanhamento psicológico
Léo Marques
Colaboração para VivaBem
17/09/2024 05h30
Crianças tímidas, agitadas ou mesmo agressivas não é algo assim tão raro. Muitas vezes elas começam a apresentar, desde cedo, comportamentos pouco compreendidos pelos pais, difíceis de lidar e que até podem trazer dificuldades de convívio com outras crianças. Mas quando entender que se trata de um comportamento natural da idade e quando é preciso recorrer a ajuda profissional de um psicólogo?
Nathalia Heringer, psicóloga e uma das sócias fundadoras do Inpi (Instituto de Neuropsicologia e Psicologia Infantil), acredita que o ideal é adotar uma postura preventiva. Para ela, saber lidar com as próprias emoções e desenvolver competências socioemocionais protege a vida futura da criança. Além disso, a intervenção precoce seria um dos principais fatores para um bom prognóstico.
Relacionadas
"Ao primeiro sinal de atraso no desenvolvimento, dúvida ou dificuldade dos pais em relação ao comportamento da criança ou ao impacto social, a criança deve ser encaminhada para acompanhamento psicológico. As pesquisas apontam que sintomas percebidos já na primeira infância e não tratados impactam a saúde mental na adolescência e na vida adulta, gerando um quadro clínico mais grave e impactante", alerta Heringer.
Tem idade mínima para iniciar a terapia?
Normalmente, a partir dos 3 anos a criança já pode fazer terapia. Em alguns casos específicos, como diante da identificação da possibilidade de TEA (transtorno do espectro autista), é possível começar um trabalho de estimulação precoce antes dessa idade. Porém, em crianças menores de 3 anos, é indicada psicoterapia pais-bebês, em que os pais participam juntos do atendimento.
"A ideia de atender essa faixa etária tão pequena é da promoção da saúde mental e psíquica, além de diminuir casos de transtornos mentais na infância e na adolescência", explica Karina Mayumi Kawakami, psiquiatra da interconsulta do Sabará Hospital Infantil (SP) e atendimento ambulatorial no Centro de Excelência do Sabará.
Segundo a médica, o ideal é um tratamento psiquiátrico em conjunto com o psicólogo. "Em alguns casos há a necessidade do psiquiatra em primeiro lugar, como psicoses ou transtorno bipolar na fase de mania/hipomania, que também pode ocorrer na infância e adolescência. Mesmo nesses casos, após a estabilização do quadro, também haverá a necessidade do acompanhamento psicológico em conjunto", aponta.
Ter uma avaliação de um psiquiatra não é sinônimo de medicações, muitas vezes a consulta é de psicodiagnóstico e o tratamento pode envolver a parte farmacológica e a não farmacológica.
Formato de atendimento
A participação dos pais de forma ativa é muito importante durante todo o processo de acompanhamento infantil pelo psicólogo.
"Quanto menor for a criança, os pais devem ser orientados para colocar em prática as ações que irão ajudá-la diante da queixa que gerou a necessidade de atendimento", explica Vanessa Alves, psicóloga e arteterapeuta da infância e adolescência e especialista na terapia cognitivo comportamental com foco nos transtornos de ansiedade.
Na primeira infância, a criança é muito dependente dos pais e sensível ao ambiente, por isso a presença deles é fundamental.
Na dinâmica de entrar na sessão com a criança, minha orientação é que os pais tenham livre acesso ao atendimento e permaneçam na sala até que ambos se sintam seguros. Se o atendimento é voltado para crianças com atraso no desenvolvimento e autismo (principalmente não verbal), minha orientação é que os pais estejam sempre na sala com a criança. Nathalia Heringer, psicóloga infantil
"Quando estamos com crianças maiores de 8 anos, é natural que estejam apenas com o psicólogo, mas isso não impede que os pais participem do atendimento durante o período de adaptação", complementa.
Já o atendimento psiquiátrico em crianças muito pequenas geralmente ocorre junto com os pais, principalmente nas primeiras vezes. É levado em consideração para se ter uma consulta sem pais se a criança consegue ficar por um tempo sem a presença deles, se comunicar e expressar seus sentimentos verbalmente, por desenhos ou atividades lúdicas.
"O acompanhamento da criança na saúde mental é desenvolvido através da integração de informações de diferentes fontes, não apenas o que os pais trazem. As fontes incluem a observação da criança, opinião de outros cuidadores da criança, opinião da escola e dos terapeutas que a acompanham", pontua Kawakami.
Quando os pais devem ficar atentos
A psicóloga infantil Vanessa Alves orienta que os pais fiquem atentos diante de mudanças persistentes de comportamento da criança e que provoquem prejuízos no seu funcionamento emocional, social e escolar.
Alguns exemplos são:
- Isolamento repentino da criança;
- Choros recorrentes;
- Tristeza;
- Desânimo frequente;
- Irritabilidade;
- Comportamentos agressivos;
- Dificuldade desproporcional para lidar com situações de frustração;
- Inquietação acima da média;
- Presença de ideias de preocupação exageradas;
- Medos irracionais;
- Comportamentos autolesivos;
- Baixo autoestima;
- Comportamento opositor ou impulsivo;
- Dificuldades de dormir ou se alimentar.
"Os pais também devem ficar atentos a dificuldade no desempenho escolar da criança, como desatenção, dificuldade de se manter focado no que precisa aprender, desmotivação com a aprendizagem, a evitação constante do espaço escolar. Outro ponto a ser considerado, são as situações estressoras e de traumas, como separação, abusos, perdas de entes queridos e bullying", alerta Alves.
Os pais devem ficar atentos ainda para a diminuição do interesse nas atividades que a criança normalmente gosta.
Segundo a psiquiatra Karina Mayumi Kawakami, a maioria da procura por psicólogo ou psiquiatra ocorre por causa de sintomas considerados externalizantes como comportamento opositor ou agressivo, hiperatividade e dificuldade de ouvir não.
Mas sintomas considerados internalizantes como diminuição das brincadeiras, maior isolamento e ficar mais quieta costumam ser negligenciados pelos pais por não chamar muita atenção e podem ser indicativos de um quadro de humor, como depressão, e vão precisar de cuidados na saúde mental.
Benefícios do tratamento psicológico
Um atendimento precoce pode evitar o agravamento de sintomas, a permanência de sofrimento para a criança e até o desenvolvimento de transtornos.
"Quando já existe um transtorno e a terapia é iniciada o mais rápido, pode-se remediar a sua cronicidade. Já quando não tratado na infância, as pesquisas científicas mostram um agravamento do transtorno na vida adulta, sendo necessário uso de medicações de forma muito mais recorrente", ressalta Vanessa Alves.
Segundo Kawakami, crianças com transtornos psicológicos não tratados adequadamente tem risco maior de uso de substâncias, abandono escolar, dificuldades de aprendizagem, risco de quadros depressivos ou ansiosos na vida adulta.
"A terapia ajudará a construir habilidades para a vida que impactarão todo o futuro da criança. Costumo explicar aos pais que é mais fácil construir crianças fortes do que reparar adultos quebrados. Cuidar da primeira infância é a base para toda a vida futura", conclui Nathalia Heringer.