Tratar obesidade não é só quanto peso você perde, mas quanto de vida ganha
"A Jornada na Luta Contra a Obesidade" foi o tema do primeiro painel do evento de VivaBem Obesidade: da compreensão à ação, realizado no dia 17 de setembro, que aprofundou as discussões sobre as dificuldades psicológicas, sociais e físicas enfrentadas durante o tratamento da doença que afeta mais de 50 milhões de pessoas no Brasil.
Com a participação do influenciador e fotógrafo Matheus Granado, da endocrinologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Maria Edna de Melo e do médico psiquiátrico Daniel Martinez, a roda de conversa (assista no vídeo acima) foi moderada pela jornalista e colunista de VivaBem Lúcia Helena. Os especialistas e o convidado especial abordaram os variados fatores relacionados à doença e a necessidade de um tratamento multidisciplinar, além de assuntos como pressão social e motivação.
Martinez reforçou a importância de se focar nos aspectos positivos da jornada do emagrecimento para se manter fiel à trajetória —sem, é claro, negar os pontos negativos: "Não é somente o quanto de peso que você perde, mas sim o quanto de vida que você ganha."
A jornalista Cris Guterres, apresentadora do evento, introduziu o bate-papo citando uma pesquisa recente da Fiocruz, que mostra que 22% da população brasileira tem obesidade hoje e, em duas décadas, essa taxa será de 48%: "É um número muito alto e uma preocupação muito importante. Não estamos aqui para falar de estética ou fazer julgamentos, críticas. Estamos em um encontro de conhecimento."
"Obesidade não é só um número na balança, não é só uma questão de contar calorias para perder peso, mas uma doença crônica e complexa, que envolve uma série de fatores, como genética, metabolismo, mecanismos cerebrais, meio ambiente", deixou claro a jornalista Lúcia Helena. "E, no entanto, muita gente ainda vê obesidade como uma questão de falta de força, de vontade, não é mesmo?"
"Existe uma tendência, mesmo entre profissionais de saúde, a autorresponsabilizar a pessoa por algo que ela não controla —dependência de álcool ("é só você beber menos"), dependência de jogo ("é só não jogar"), obesidade ("é só comer menos")", disse o psiquiatra Daniel Martinez. "Essas reduções simplistas não ajudam em nada e acabam até piorando o estigma e dificultando a jornada."
Para esclarecer melhor a questão, a endocrinologista Maria Edna de Melo optou por "começar pelo começo, o princípio da história". De acordo com ela, ao longo de milhares de anos, a natureza nos selecionou para que conseguíssemos armazenar energia de uma forma eficiente para sobreviver nos momentos de escassez. Hoje, no entanto, vivemos num ambiente com uma disponibilidade de alimentos muito maior —e, inclusive, com os ultraprocessados, que têm um impacto relevante no desenvolvimento da obesidade.
"Seria muito simples se fosse só isso, mas temos ainda a questão da atividade física, o ambiente alimentar em que vivemos, a poluição do ar, situações de estresse, aspectos emocionais, características psicológicas e até a microbiota intestinal— é uma carga biológica muito grande. Não basta só querer ou não querer, não se trata de força de vontade", falou.
Melo citou ainda um levantamento econômico, que mostra frutas com inflação 43% maior do que a de refrigerantes e variação de preço maior do que cerveja e cigarro.
Sentindo na pele
O influenciador e fotógrafo Matheus Granado, que aos 30 anos chegou a pesar 160 kg e hoje está com 120 kg, contou que foram os problemas físicos que o fizeram "correr atrás" de uma mudança.
"Não foi só uma questão de locomoção —embora eu não conseguisse brincar com minha filha, que tinha dois aninhos na época. Um belo dia, minha vista embaçou. Eu não estava conseguindo enxergar direito. Achei que fosse problema nos óculos, mas foi piorando, e um colega recomendou um teste de glicemia. Eu estava com mais de 400 pontos e já devia estar assim há um bom tempo. Eu não fazia ideia de que a obesidade poderia me dar diabetes, e a diabetes poderia afetar a minha visão."
Além de todas as questões físicas relacionadas à obesidade, como diabetes e problemas cardiovasculares, entre outros, o psiquiatra Martinez destacou o lado emocional. "A obesidade aumenta as chances de alterações psíquicas como depressão, ansiedade e outros transtornos alimentares —é o caso da compulsão alimentar."
Granado confirmou que, durante sua jornada para atingir os dois dígitos na balança, enfrentou muitas dessas batalhas: "Tive episódios de ansiedade e depressão, especialmente quando estava em meu maior peso."
A importância de um tratamento multidisciplinar
Além da participação de profissionais diversos, como médicos, nutricionistas e profissionais de educação física no processo de emagrecimento, os especialistas destacaram a importância da interação entre eles e da necessidade de se fugir de promessas milagrosas.
"Uma consulta acolhedora com um endocrinologista foi um marco na minha vida —foram duas horas ali de 'terapia' para eu entender que não se tratava só de comer demais, mas toda uma uma construção, inclusive social", conta Granado. "Vencer a obesidade é vencer milhares de microproblemas todos os dias."
Desafios e conquistas
O psiquiatra Daniel Martinez reforçou que durante a jornada de emagrecimento é importante focar nos benefícios à saúde e na melhora de vida que a pessoa ganha ao reduzir o peso, e não só nos quilos eliminados na balança.
Segundo o especialista, essa mentalidade pode dar forças para superar adversidades que surgem no caminho, como o julgamento social e o bullying, inclusive dentro de casa.
"Tem momentos em que a jornada fica muito mais difícil", concordou Granado. "Eu costumo lembrar que os maiores acidentes, os maiores problemas que temos dirigindo são em curvas acentuadas. Ou seja, se a gente fizer uma mudança muito brusca, vai ter problema. Então, é preciso saber que muitas vezes temos que desacelerar, puxar o freio de mão."
"No começo, no meu primeiro ano, por exemplo, eu consegui eliminar mais peso, no segundo [o emagrecimento] foi um pouco menor e, nesse terceiro, menor ainda. Mas se eu for focar só no agora, eu vou parar, eu vou travar, por isso, tenho que olhar tudo o que já aconteceu e que eu já conquistei."
"Hoje, eu já consigo ter sensações, viver coisas, experiências que eu não conseguia antes. Coisas triviais, como momentos com a minha filha e passeios em família, que eu acabava não tendo o prazer de provar e agora tem melhorado e cada vez mais."
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'Para quem é gordo, dieta não é fácil'
O evento Obesidade: da compreensão à ação teve ainda uma entrevista com a atriz Cacau Protásio, que este ano perdeu 30 kg e falou com bom humor e sem preconceitos sobre assuntos fundamentais para quem sofre da doença, como a importância de estabelecer metas e receber um tratamento multidisciplinar. Confira a conversa no vídeo abaixo:
*O evento Obesidade: da compreensão à ação teve patrocínio de "Meu Peso, Minha Jornada", uma iniciativa Novo Nordisk, e apoio da Alice
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