Ela teve AVC aos 30 anos após acidente na água: 'Senti dor alucinante'
Os principais fatores de risco para um acidente vascular cerebral (AVC) são doenças metabólicas —obesidade, diabetes e hipertensão— e hábitos nocivos à saúde —uso de álcool e tabagismo. Mas quando teve um AVC, Giuliana Cavinato não tinha nada disso.
No Carnaval de 2016, ela estava com amigos em Ibiúna (SP) e aceitou o convite para praticar wakeboard numa represa. No esporte, a pessoa é puxada por uma lancha enquanto surfa e faz manobras com a prancha.
Giuliana, na época com 30 anos, já tinha praticado a modalidade antes. Entrou na água e, conforme lembra, ficou bastante tempo se divertindo. Em dado momento, caiu. "Foi um tombo bem pesado, bati a cabeça e senti uma dor alucinante. A água era [como] pedra", conta.
Apesar da dor e sem ferimentos aparentes, ela quis praticar o esporte por mais um tempo, mas em dez minutos não aguentou. "Falei que ia deitar, porque achei que era dor de cabeça pelo sol. Mas eu já estava com AVC e não sabia."
O impacto na água lesionou uma das carótidas, artérias que levam o sangue do coração ao cérebro. Um coágulo se formou e interrompeu a circulação sanguínea, provocando o AVC.
Metade do corpo sem resposta
Giuliana foi levada para um posto médico dentro do condomínio onde estava hospedada com os amigos. Quem a atendeu fez alguns testes, mas metade do corpo dela não respondia aos estímulos. Então, foi levada para um hospital na capital paulista.
"Da hora em que ela teve o primeiro sintoma, demorou quatro horas e meia até chegar e ser atendida. Quando chegamos ao hospital, ela estava em cirurgia para fazer a trombectomia (para retirar o coágulo)", conta Walda Cavinato, mãe de Giuliana.
Em um AVC, o tempo é crucial, porque cada minuto sem intervenção significa a perda de 2 milhões de neurônios. O tratamento para remover ou desintegrar o coágulo deve ser feito no prazo de quatro horas e meia a seis horas, dependendo do caso.
Falha na comunicação
Após o procedimento, Giuliana ficou com o lado direito do corpo debilitado, sem conseguir andar e afasia, um distúrbio de linguagem que a impedia de falar, escrever e ler adequadamente. "Foi desesperador", recorda.
A comunicação dela não tinha conexão com a realidade, diz Walda. "Ela soltava palavras em inglês, palavras sem sentido. Às vezes, a pessoa perguntava 'você está bem?', e ela falava 'maçã'."
Depois de pouco mais de um mês no hospital, teve alta. No caminho para casa, chorou muito ao se dar conta de que os nomes que lia nas placas de trânsito não tinham sentido e nem significado para ela.
Recuperação e frustração
Giuliana fez todos os tratamentos indicados para sua recuperação: fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, hidroginástica, natação, estimulação elétrica e uso de robôs auxiliares.
A rotina intensa de segunda a sábado, desde as 6 horas, começou a frustrar e cansar. "Oito meses depois do AVC, eu não estava melhorando, sentia muita dor e andava torto", diz. Alguns exercícios a faziam sentir-se uma criança de novo, tendo de pintar casinhas, números e repetir palavras.
Em busca de alternativas, a família aceitou a sugestão de um primo de Giuliana, que é fisioterapeuta na Itália. "Ele falava muito para me levarem lá, porque tinha um método diferente. Foi uma sorte grande encontrar pessoas que pensassem diferente."
Novas perspectivas
No país europeu, ela foi tratada com o método de reabilitação neurocognitiva Perfetti, desenvolvido pelo neurologista Carlo Perfetti na década de 1970. Em vez de fazer exercícios separados por função —motora, cognitiva e sensorial—, os estímulos eram trabalhados simultaneamente.
"Foi na Itália que eu descobri que andava, mas não sentia meu pé no chão. Era como uma perna de pau", conta. "Ela teve ganhos daquilo que não estava reconhecendo, ela passou a ter de volta o corpo dela", diz a mãe.
Passados oito anos do AVC, Giuliana só sente melhora. "Ganhei muita autonomia. Faz três anos que moro sozinha, cozinho, arrumo a casa e dirijo."
Com o desejo de replicar essa história, a família resolveu trazer o método Perfetti para o país com a fundação do Instituto Avencer há seis anos. "A proposta é a pessoa conhecer, ter a oportunidade e ver se se identifica com o tratamento", diz Walda.
O local é fruto de um acordo de cooperação técnico-científica com o Centro Studi di Riabilitazione Neurocognitiva Villa Miari, na Itália. Além de atendimentos, desenvolve estudos e forma profissionais no método. No período, atendeu mais de cem pacientes e realizou 10 mil sessões de atendimento.
Fisioterapia envolve várias técnicas
A partir de uma avaliação individualizada e minuciosa do paciente, o profissional pode usar diferentes técnicas, métodos e conceitos para indicar o tratamento adequado. O Perfetti é um deles, assim como o Bobath.
No caso de comprometimento neurológico, o mais indicado é procurar uma reabilitação neurofuncional, indica Simone Freitas, fisioterapeuta da AACD. Mas ela lembra que a recuperação não é só motora.
"A lesão acontece no cérebro, que é muito complexo, e também pode envolver questões cognitivas. O movimento não ocorre porque a pessoa não sente o membro ou não consegue se planejar para fazê-lo", explica.
Por isso é importante uma abordagem multidisciplinar, que aplique técnicas e métodos apropriados às necessidades da pessoa. Independentemente de como seja, o objetivo é sempre a melhora do paciente, com retorno da independência e autonomia.
Freitas diz que o conceito Bobath, por exemplo, faz avaliação individualizada e trabalha em cima de uma função para que o movimento ocorra e haja neuroplasticidade positiva, assim como as demais abordagens.
Outra possibilidade é a TCI (terapia de contensão induzida), indicada para pessoas com lesão neurológica que usa os membros inferiores ou superiores de forma assimétrica. "É uma abordagem comportamental com foco em aumentar o uso do membro."
Há, ainda, reabilitação virtual, uso de videogame, grupos de condicionamento físico, robótica e andadores que ajudam na melhora da marcha.
"Não adianta ficar treinando equilíbrio sem estimular a parte sensorial", diz Freitas, sobre quando o AVC afeta a região responsável pela sensibilidade. "Se a pessoa não sente o pé motoramente, vai ter dificuldade para se sentir equilibrada", diz Freitas.
Sobre o método Perfetti
Mauro Cracchiolo, diretor científico e de formação do Instituto Avencer, se formou no método na Itália. Ele explica que a lesão cerebral já causa uma divisão entre as funções motora, funcional, cognitiva e sensorial. Então, fazer exercícios separados para cada uma não ajudaria numa recuperação eficiente.
Assim, a proposta é unir todos os sistemas num mesmo exercício. "Isso dá possibilidade ao paciente de se recuperar de forma diferente e adquirir ferramentas para continuar essa recuperação de forma autônoma", diz.
A combinação permite que o cérebro crie as conexões necessárias para fazer do mais simples ao mais complexo movimento. Na hora de pegar um copo sobre a mesa, por exemplo, ele ativa as áreas da intenção, da percepção espacial, do planejamento para o movimento, da execução e da percepção de força que precisa ser aplicada.
Outro processo envolvido é o da imaginação, que cria a imagem do que será feito. "Esse é um dos processos cognitivos mais importantes, pois nos dá consciência de como estamos agindo", diz o fisioterapeuta.
O método Perfetti também tem aparelhos próprios desenvolvidos para trabalhar os sentidos de forma sutil a fim de recuperar as percepções sensoriais, espaciais, táteis, de peso e pressão.