Quando cuidar demais é um problema: os perigos de ser um pai helicóptero
Marcelo Testoni
Colaboração para VivaBem
24/09/2024 05h30
Para proteger uma área, helicópteros podem ser usados para sua vigilância, mantendo um olhar atento sobre o que está acontecendo abaixo. Nesse sentindo, o termo "pais helicópteros" refere-se a um estilo de parentalidade caracterizado por um envolvimento excessivo e muitas vezes sufocante na vida dos filhos.
"O termo surgiu na década de 1990 [no livro Parenting with Love and Logic, de Foster Cline e Jim Fay], capturando a ideia de que esses pais 'pairam' sobre seus filhos, sempre prontos para intervir e solucionar qualquer dificuldade, muitas vezes antes mesmo que o filho perceba que há um problema", informa Leninha Wagner, neuropsicóloga pela Universidade Estácio de Sá (RJ).
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Esses pais estão constantemente "sobrevoando" para observar cada aspecto da rotina de suas crias, com a intenção de superprotegê-las e garantir seu sucesso. Eles tendem a intervir em todas as situações, resolvendo problemas e tomando decisões, para evitar riscos e desconfortos, diz Wagner. Controlam atividades, amizades e até mesmo pequenos detalhes de um cotidiano que não é deles.
Impactos desse tipo de criação
Embora essa abordagem possa parecer benéfica, à primeira vista, em se tratando de crianças, são várias as consequências negativas no seu desenvolvimento.
Crescer sob constante supervisão e intervenção dos pais gera dificuldades para tomar decisões próprias, o que pode levar à falta de autonomia e de habilidades emocionais e sociais —para interagir, negociar e resolver conflitos.
A superproteção pode também afetar a autoestima, pois as crianças acabam sentindo que não são capazes de fazer nada sem a ajuda dos pais. "A constante pressão para atingir padrões elevados de desempenho, muitas vezes ditados pelos pais, ainda pode gerar medo de errar e altos níveis de ansiedade e estresse, prejudicando o bem-estar emocional delas", acrescenta a neuropsicóloga.
Por sentirem que estão sempre sendo observadas e julgadas, as crianças acabam tendo dificuldade para se comportar em público e se adaptar a novos ambientes. Elas podem se tornar mais retraídas, desconfiadas e, alternativamente, também excessivamente críticas consigo mesmas e com os outros, buscando sempre a perfeição e se frustrando quando não conseguem alcançá-la.
Filhos adultos também sofrem
Pais helicópteros podem dificultar a transição dos filhos para a fase adulta e sua capacidade de viver de forma autônoma, interferindo até mesmo na escolha de sua carreira, emprego e gestão do próprio dinheiro.
Esses filhos podem se tornar acomodados, imaturos e emocionalmente dependentes em outras relações. Wimer Bottura, psiquiatra e presidente do comitê de adolescência da APM (Associação Paulista de Medicina)
A falta de resiliência é outro problema comum, pois a ausência de exposição a fracassos, dores e "nãos" na infância e juventude os deixa menos preparados para enfrentar adversidades na vida adulta, diz Bottura. Esses indivíduos podem duvidar de suas capacidades e evitar assumir responsabilidades ou desafios, como aceitar cargos mais elevados, tomar decisões difíceis e gerenciar prazos.
Se o filho for casado, a interferência contínua dos pais pode gerar conflitos. Em discussões com o parceiro, esse adulto tem dificuldades em se comunicar de forma aberta e honesta, já que foi acostumado a esconder sentimentos e opiniões para evitar conflitos. Alguns até podem agir de forma mimada, ou se rebelar, inclusive com os próprios pais, por nunca terem aceitado suas opiniões e desejos.
Como lidar e não agir assim
Sendo adulto, é importante estabelecer limites claros aos pais e comunicar-se abertamente sobre como você se sente anulado, buscando ajuda profissional, se necessário. Como parceiro, ofereça apoio emocional ao seu cônjuge, incentive-o, comunique-se com respeito sobre como as ações dos pais dele afetam o relacionamento e considere a terapia de casal para encontrar soluções juntos.
Os pais podem mudar seu comportamento ao reconhecerem suas atitudes, buscarem informações e consultarem um psicólogo ou psiquiatra para refletir e identificar e tratar padrões disfuncionais. "Precisam promover a autonomia dos filhos, deixando-os realizarem escolhas desde as mais simples na infância; é preciso flexibilidade e sobretudo amor", comenta Jaqueline Vilar Greco Ramalho, psicóloga e professora do Unipê (Centro Universitário de João Pessoa).
Para ajudar um parceiro assim, tenha uma conversa aberta e empática explicando os efeitos negativos da superproteção. Mostre exemplos práticos de como enfrentar desafios pode beneficiar o desenvolvimento do filho e sugira a busca por um terapeuta para obter estratégias de equilíbrio. Reforce positivamente os esforços do parceiro e participe ativamente no processo de criação. Embora desafiadoras, essas mudanças trazem ganhos significativos para toda a família.