Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Sinto como se tivesse uma furadeira no meu crânio; não vivo, só sobrevivo'

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

25/09/2024 05h30

Com fortes dores de cabeça desde a infância, Karine Lopes da Silva, 45, foi equivocadamente diagnosticada e tratada como se tivesse enxaqueca por mais de uma década. Aos 25 anos, descobriu ter neuralgia do trigêmeo.

"A sensação é como se tivesse uma furadeira no meu crânio." Sem nenhum tratamento efetivo, Karine, de Taguatinga (DF), chega a desmaiar duas vezes por dia de dor e espera encontrar alguma solução para voltar a viver.

A VivaBem, ela conta sua história.

'Fui diagnosticada com enxaqueca'

"Comecei a sentir dores de cabeça, no olho esquerdo e vômitos quando tinha oito anos. Faltava às aulas com frequência e minha mãe era chamada na escola para me buscar mais cedo, o que prejudicava o meu desempenho.

Na adolescência, os sintomas cessaram e cheguei a ter uma vida normal, mas depois as dores voltaram.

Primeiros sintomas começaram ainda na infância Imagem: Arquivo pessoal

Consultei diversos neurologistas, psiquiatras, dentistas, otorrinos e outros especialistas. Alguns médicos diziam que era sinusite, outros que era disfunção temporomandibular.

Fui erroneamente diagnosticada com enxaqueca migrânea, doença que tratei por mais de 10 anos sem sucesso. Sofri com os efeitos colaterais das medicações, engordei 30 kg em menos de 4 anos, tinha enjoos e desenvolvi problemas no fígado.
Karine Lopes

'Sensação de furadeira'

Em 2004, passei com um neurologista especialista em dor crônica que se formou no exterior: ele realizou alguns testes clínicos e me diagnosticou, aos 25 anos de idade, com neuralgia do trigêmeo.

Sinto dores intensas em forma de choques agudos que irradiam para a face, ouvido, olho, mandíbula e o canto do nariz do lado esquerdo. Esses choques ocorriam, em média, a cada três minutos. A sensação é como se tivesse uma furadeira no meu crânio. Karine Lopes

A dor é desencadeada por estímulos externos, como um simples toque ou um vento leve no rosto, deitar no travesseiro, lavar o cabelo, mastigar e escovar os dentes. É um desafio diário realizar tarefas que são gatilhos para o aumento da dor.

Karine Lopes, aos 34 anos; hoje, ela não consegue ter momentos de lazer Imagem: Arquivo pessoal

Não escovo mais meu cabelo, o mantenho sempre amarrado. Uso uma escova de dentes macia e faço os movimentos lentamente. Minha dieta é baseada em alimentos de fácil mastigação, como sopa, legumes, folhas, ovos, arroz e feijão bem cozidos, evito comer carnes.

Desmaio em média duas vezes ao dia devido à alta carga emocional decorrente da dor.

Quando desmaio tenho crises de pseudoconvulsão que lembram uma convulsão epiléptica, mas não há relação com descargas elétricas no cérebro. Tenho espasmos musculares por todo o corpo, meus braços e pernas se torcem, a mandíbula trava e há um bloqueio temporário da respiração.

Os desmaios duram cerca de cinco minutos e preciso ficar em posição ereta, em ambiente ventilado e ser monitorada com um medidor de saturação.

Karine busca alívio com medicamentos Imagem: Arquivo pessoal

Como minha família já sabe lidar com a situação, não é necessário ir ao hospital. Quando recupero a consciência, preciso descansar devido à fraqueza intensa.

'Sinto dor praticamente 24 horas por dia'

Ao longo dos anos já fiz diversos tratamentos, usei diferentes medicações e fiz procedimentos, até cirúrgicos, mas nenhum foi eficaz para diminuir meu sofrimento.

Na segunda cirurgia, em 2018, o nervo sofreu lesões, o que resultou em uma outra condição: neuropatia do nervo trigêmeo.

A neuropatia é dolorosa e provoca sensação de queimadura, minha pele fica sensível ao toque e a mudanças de temperatura.

Antes desse problema, os choques ocorriam a cada três minutos, mas agora sinto dor praticamente 24 horas por dia.

Atualmente faço um bloqueio simpático-venoso uma vez por semana, tomo medicações orais, aplico Vick Vaporub para refrescar a pele, uso bolsa térmica no lado esquerdo do rosto, faço tratamento com psiquiatra e psicólogo.

Vou aos prontos-socorros na tentativa de aliviar a dor no momento, mas os médicos não estão preparados para lidar com meu caso e geralmente prescrevem analgésicos comuns ou recomendam a internação para eu tomar a morfina, que proporciona alívio momentâneo de cerca de 4 horas, mas não é indicada para tratamento contínuo devido ao risco de dependência.
Karine Lopes

Já passei por situações constrangedoras, em que fui tratada com desdém e precisei me humilhar para conseguir remédios fortes.

Ultimamente, tenho recusado ficar internada porque não vale a pena ficar cerca de 5 horas me contorcendo de dor até tomar medicação na UTI. Muitas vezes, prefiro tomar uma dose alta de remédios em casa que me fazem dormir o dia inteiro.

'Não vivo, sobrevivo'

Não tenho mais vontade de viver, aliás, não posso nem dizer que vivo, mas sobrevivo.
Karine Lopes

Medicações fortes fazem parte da rotina de Karine Imagem: Arquivo pessoal

Tento transparecer que estou com menos dor do que estou, procuro ser forte para não abalar meus filhos e meu marido, mas por dentro estou em desespero, despedaçada e sentindo a pior dor do mundo.

Ao acordar, fico desesperada por saber que vou passar o dia inteiro com dor. Sinto vontade de chorar e desistir todos os dias, acompanhada de uma vontade de gritar e de sair correndo.

Tenho depressão profunda, ansiedade e pensamentos suicidas. Tomo antidepressivos, anticonvulsivantes e medicações para dormir, mas nenhum remédio é capaz de tirar a angústia e a dor. Não tenho medo de morrer, sinceramente, se houvesse escolha, preferiria a morte.

Minha família não me deixa sozinha nem um minuto sequer, meu marido trabalha ao lado da minha cama, sempre vigilante.

'Dor desmotiva'

A neuralgia do trigêmeo e a neuropatia mudaram totalmente a minha vida. Fico em casa acamada 7 dias por semana, só saio para ir ao hospital e fazer os tratamentos. Tenho medo de desmaiar na rua e preciso de cuidados 24 horas por dia.

Nos poucos momentos em que estou sem dor quando faço algum procedimento, tento cuidar da casa, mas geralmente meu marido e meus filhos fazem as tarefas domésticas.

Karine e o marido, Daniel; ela sofre por não conseguir participar de atividades domésticas Imagem: Arquivo pessoal

Trabalhava como secretária escolar, mas tive de abandonar a função em 2015 e atualmente sou aposentada. Não tenho vida social e nem momentos de lazer com minha família,

A dor me desmotiva a fazer qualquer coisa, sempre que tento assistir a um filme ou jogar um jogo, preciso parar, pois não consigo focar em algo senão a dor.
Karine Lopes

Meu marido é funcionário público e tem tido dificuldade em administrar nossas finanças. Os gastos com minha saúde, que incluem o convênio e medicações caras, custam em torno de R$ 5 mil por mês, fora os gastos com o aluguel de casa, contas, etc. Às vezes não temos de onde tirar.

Sinto falta de fazer coisas que fazia, como trabalhar, dirigir, ser útil e fazer a diferença. A neuralgia do trigêmeo e neuropatia tiraram minha liberdade. Queria ter uma vida, me sentir livre, sem estar presa em uma bolha que não tem saída.

Também me sinto frustrada por não conseguir atingir minhas metas como mãe, esposa e profissional. As doenças trazem um autojulgamento enorme, fazendo eu me sentir um peso para as pessoas que cuidam de mim.

Sei que existe uma luz no fim do túnel. Quero encontrar médicos que possam estudar melhor meu caso e me indicar algum tratamento que eu ainda não tenha realizado, que faça efeito e diminua minhas dores para eu voltar a viver.
Karine Lopes

Entenda a doença

Neuralgia do trigêmeo é um quadro de dor associado a um nervo, o trigêmeo Imagem: Johns Hopkins Medicine/Reprodução

Neuralgia do trigêmeo é uma dor na face que se torna crônica na região frontal, orbitária, no nariz e mandíbula. A doença afeta o nervo trigêmeo, que inerva tanto a parte interna quanto externa do rosto, e causa o que é considerado uma das piores dores.

A causa da dor pode ser primária (quando a neuralgia do trigêmeo é a doença por si só, sem causa decorrente de lesão anatômica) ou secundária (quando há alguma lesão cerebral, problemas metabólicos ou até um posicionamento anormal de uma artéria que encosta no nervo). A doença é mais comum em mulheres.

Os sintomas incluem explosões curtas e repetidas, como um relâmpago; dor excruciante e aguda no rosto até a metade frontal da cabeça; dor lancinante (em pontadas); sensação de picadas e agulhadas na área facial de distribuição do nervo trigêmeo, e/ou em queimação. A pessoa não consegue se alimentar e nem encostar em seu rosto, pois movimentar a boca, mastigar e até deitar a face dói.

Há várias formas de tratamentos. As opções incluem medicações, bloqueios nervosos com anestésico, aplicação de toxina botulínica e procedimentos cirúrgicos como a incisão no nervo, a incisão no nervo com uma sonda de radiofrequência (usando calor) ou um aparelho de raios gama, a compressão do nervo com um balão, a destruição do nervo pela injeção de um agente como o glicerol. O procedimento cirúrgico pode deixar a face anestesiada.

Fonte: Eliana Meire Melhado, neurologista especialista em cefaleia, coordenadora do Comitê de Cefaleia na Mulher da Sociedade Brasileira de Cefaleia, doutora e mestre em Ciências Médicas na área de Neurologia pela Unicamp, membro da International Headache Society e da Academia Brasileira de Neurologia.

Procure ajuda

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

'Sinto como se tivesse uma furadeira no meu crânio; não vivo, só sobrevivo' - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Saúde