'Tirei parte do pulmão e vivi 23 anos sem diagnóstico até descobrir doença'

A psicóloga Verônica Stasiak Bednarczuk, 38, sempre teve muitos problemas de saúde —principalmente os que afetavam o sistema respiratório. "Chegava a ter quatro, cinco pneumonias por ano. Sempre acharam que era asma grave, bronquite."

Ela não sabia, mas as pneumonias de repetição eram consequência de um diagnóstico que chegaria anos depois: fibrose cística.

Aquela rotina sempre foi encarada como natural: era vista como uma criança e uma adolescente de saúde frágil. Boa parte das memórias de Verônica nessa época envolve hospitais e internações em Curitiba, onde mora até hoje.

A primeira tomografia que eu fiz foi com 17 para 18 anos, e ela mostrou que o lobo superior direito do meu pulmão direito já não funcionava mais.
Verônica Bednarczuk

Internações e cirurgias

"Justamente por conta das tantas pneumonias que eu tive ao longo da vida, estava com parte do pulmão totalmente tomada por bronquiectasia (dilatação irreversível dos brônquios). Então, fiz uma cirurgia e retirei parte do pulmão", explica ela.

No pós-operatório, Verônica e os médicos foram surpreendidos: uma necrose no lobo médio. "Eles acharam que, fazendo essas cirurgias, tudo ia melhorar. E não melhorou. Eu continuei tendo um monte de pneumonia", completa.

Aquilo já era uma consequência da fibrose cística. Mas, como eu ainda não tinha um diagnóstico, a gente não sabia que era por isso.
Verônica Bednarczuk

Quando tinha 22 anos, Verônica teve uma internação longa: foram 32 dias no hospital em decorrência de mais uma pneumonia, dessa vez bastante grave. Mesmo de alta, ela ficou em tratamento em casa por mais 32 dias. "Não tinha mais o que fazer."

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Assim que melhorou e retomou a rotina de trabalho, ela foi novamente hospitalizada. Agora, o motivo era uma pancreatite. "Fiquei mais 10 dias internada e parte do meu pâncreas parou de funcionar. Pela primeira vez suspeitaram da fibrose cística", lembra.

Diagnóstico

Um gastroenterologista pediu para Verônica fazer o teste do suor, o exame padrão ouro para o diagnóstico. Na doença, há uma quantidade anormal de sal nas secreções corporais —o que leva a uma perda pelo suor.

Com o resultado, veio a confirmação. Ela foi encaminhada para um pneumologista especialista na doença e iniciou o tratamento.

A fibrose cística não tem cura, mas é possível controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida do paciente.

Na época, Verônica fazia inalações para fluidificar a secreção do pulmão, além de suplementação de vitaminas e uso de corticoide e antibiótico. Fisioterapia e atividade física também foram prescritas pelos profissionais que cuidaram dela.

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Esse foi o primeiro tratamento mais imediato, para realmente me tirar da complexidade que estava no momento, e me colocar numa estabilidade de tratamento constante.
Verônica Bednarczuk

"Recentemente, comecei a utilizar um modulador da proteína CFTR (que está relacionada à doença). Embora não seja a cura, essa medicação a faz funcionar 'quase normal'", conta Verônica. "Tive uma melhora absurda na qualidade de vida, uma redução de sintoma bastante significativa."

Sonho uniu pacientes

Durante a internação mais longa, em 2009, ainda antes do diagnóstico, Verônica sonhou que estava sob uma árvore conversando sobre a importância do ar que se respira. "Porque a gente só da valor depois que perde, inclusive a nossa saúde."

Ao acordar, decidiu criar um grupo para pessoas com problemas respiratórios diversos trocarem angústias e experiências.

Depois de descobrir que tinha fibrose cística e estudar a doença, se deu conta de que todos os problemas de saúde que teve ao longo dos anos eram por falta do diagnóstico e tratamento adequado.

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Realinhou as ideias e aquele grupo se tornou o que hoje é a Unidos pela Vida, o Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística. "Fazemos um trabalho intenso não só de conscientização, mas também de educação, advocacia, defesa e garantia de direito."

A gente tem um lema que é: a fibrose cística é parte do que somos, não o limite do que a gente pode ser. Por mais que pareça absurdo, receber o diagnóstico foi um grande presente.
Verônica Bednarczuk

"Eu vivia entre idas e vindas de hospital. Foram 23 anos sem diagnóstico, tirei duas partes do pulmão direito, tirei a vesícula, uma parte do pâncreas parou de funcionar. [São coisas que] eu não vou recuperar nunca mais. Mas eu descobri um novo propósito."

O que é a fibrose cística

A fibrose cística é uma doença genética crônica que afeta principalmente os pulmões e o sistema digestivo. Ela ocorre devido a mutações no gene CFTR, que levam à produção de um muco espesso e pegajoso. Esse muco obstrui os pulmões, causando problemas respiratórios graves, e bloqueia o pâncreas, dificultando a digestão e a absorção de nutrientes.

Sintomas. Os principais sintomas incluem tosse persistente, infecções pulmonares frequentes, dificuldade em ganhar peso e fezes gordurosas. O diagnóstico é feito por meio de testes clínicos e laboratoriais, como o teste do pezinho, teste do suor e exames genéticos.

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Tratamento. O tratamento da fibrose cística é complexo e direcionado aos órgãos afetados. Para o sistema respiratório, são utilizados medicamentos, inalações e fisioterapia para evitar infecções pulmonares. Na parte digestiva, é necessária a reposição de enzimas pancreáticas.

Avanços da medicina. Os moduladores da CFTR, que ajudam a corrigir o defeito genético, têm mudado o panorama da doença, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, a doença ainda impacta muito a vida social e profissional dos pacientes devido às infecções recorrentes e ao tempo necessário para os tratamentos diários.

A fibrose cística também traz desafios na área reprodutiva. Embora as mulheres possam engravidar com dificuldades, 99% dos homens com a doença são inférteis, mas técnicas como a fertilização in vitro podem ser uma opção.

A expectativa de vida dos pacientes com fibrose cística tem aumentado com o avanço dos tratamentos, especialmente com os moduladores da CFTR. Sem esses moduladores, a expectativa de vida é em torno de 30 a 40 anos, mas espera-se que, com a terapia adequada, os pacientes possam alcançar uma longevidade próxima à normal e levar uma vida mais ativa e saudável.

Fonte: Rodrigo Athanazio, pneumologista, médico assistente da Divisão de Pneumologia do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

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