Ele perdeu 40 kg ao entender que obesidade é doença, não falta de vergonha
Bárbara Therrie
Colaboração para VivaBem
02/10/2024 05h31
Por causa do preconceito que existe em torno da doença, Roberto Bocabello acreditava que se tornou obeso por "falta de vergonha na cara". Com 38 anos e 155 kg, ele via na bariátrica sua única saída. Incentivado pela esposa, o especialista em ciência da carne aplicada ao churrasco e defumação buscou ajuda médica e eliminou 40 kg sem cirurgia. A seguir, ele conta como foi o processo:
"Minha mãe é uma cozinheira de mão cheia e sempre teve a preocupação de fazer comida saudável em casa. Nunca tivemos um armário cheio de doces e porcarias. O meu problema não era a qualidade, mas a quantidade da comida.
Eu me lembro de algumas situações que vivi quando criança, como uma vez em que me escondi no armário e comi uma caixa inteira de barrinha de cereal até passar mal. Teve um outro episódio em que fui internado com suspeita de apendicite por ter comido muito chocolate na Páscoa.
Na vida adulta, os excessos continuaram. Nunca fui de comer muitas frituras e doces, mas a quantidade de comida era desproporcional. No trabalho, preferia sair para almoçar sozinho para ninguém julgar o tamanho do meu prato. Quando ia a rodízios, comia até sentir falta de ar e achava isso normal.
Sou gordo desde criança, mas minha luta contra a obesidade se intensificou a partir dos 16 anos. Ao longo da vida fiz diversas tentativas para emagrecer: dietas, acompanhamento com o Vigilantes do Peso, pratiquei exercício físico, fiz apostas com amigos. Eu até conseguia eliminar muitos quilos, mas sofria com o efeito sanfona e meu peso oscilava entre 130 kg e 150 kg,
De 2018 a 2023 passei por algumas situações que contribuíram ainda mais para engordar. Em 2019, minha filha Fernanda nasceu, minha esposa, a Pri, teve um puerpério complicado, meu casamento quase acabou e eu comecei a fazer terapia. Foi nesse momento que entendi que tinha compulsão alimentar e descontava todas as minhas emoções, ansiedade, medos, inseguranças e nervosismo na comida.
Em 2020, larguei a minha carreira de engenheiro para viver do que eu amo, a gastronomia. Eu me tornei especialista em ciência da carne aplicada ao churrasco e defumação. Trabalhava 16 horas por dia, sete dias por semana, tinha que fazer o meu negócio dar certo. Não tinha horário para comer e a alimentação desandou mais uma vez.
Achava que a bariátrica era a minha única saída e que só ela poderia me salvar
Nunca gostei de ser obeso, sentia dores nos pés, tornozelos, joelhos, costas, quadril, não tinha disposição para fazer as coisas, quebrava todos os estrados das camas em que dormia.
Minha autoestima era uma mer** , nenhuma roupa servia em mim, tinha que ir em lojas plus size, mas achava as peças horríveis e deformadas. Meus amigos se preocupavam comigo, falavam para eu me cuidar, mas eu sempre fugia do assunto
Em 2023, fiz 38 anos e cheguei ao meu peso máximo, 155 kg. Achava que a bariátrica era a minha única saída e que só ela poderia me salvar. Minha esposa era contra a cirurgia e queria que eu buscasse ajuda médica, o que eu acabei fazendo após conversar com uma amiga que emagreceu com orientação de uma endocrinologista.
Durante toda a minha vida achei que obesidade fosse falta de vergonha na cara, não achava que era uma doença. Para mim, era só uma questão de fechar a boca para emagrecer. Se eu não estava conseguindo é porque não queria.
Na consulta com a médica ela explicou que existe uma cultura de que ser obeso é frescura, falta de controle, de limites e desleixo, mas na verdade, ela é uma doença como qualquer outra e exige cuidados
Segundo a especialista, as pessoas não devem esperar ter comorbidades associadas ao excesso de peso [como diabetes, pressão alta, apneia do sono] para começar a se preocupar com a saúde e buscar tratamento.
Ao entender que a obesidade é uma doença as coisas fizeram um novo sentido para mim
Com essa nova percepção, dei o start no meu processo de emagrecimento em abril de 2023 e estabeleci algumas metas: chegar aos 40 anos mais magro, disposto, ter um estilo de vida saudável, fugir da bariátrica e ver a minha filha crescer. Estou com 39 e não posso mais perder tempo.
Faço acompanhamento com uma nutricionista e um endocrinologista, que me receitou medicações para inibir o apetite. Mudei a alimentação e faço exercício físico. Minha dieta é de baixo carboidrato e baseada em alimentos naturais: como proteína animal e vegetais com muitas folhas. Diminuí a quantidade de gordura, doces e álcool, mas não abro mão de um bom vinho ou uísque eventualmente.
Como churrasco todos os dias e acho que isso facilita o controle da alimentação. Faço em casa o que ensino aos meus alunos. Em um dia defumo diferentes tipos de carnes e congelo em porções individuais. Ao longo da semana descongelo e reaqueço na hora das refeições. Demoro menos de 10 minutos para montar um prato da dieta.
Após quase dez anos sedentário, voltei a praticar atividade física de forma regular. Faço musculação de duas a três vezes por semana, eu me sinto bem e motivado a continuar treinando. Em meio ao processo, abri um restaurante e passei por um período complicado, mas não perdi a linha como antes porque estou fazendo acompanhamento médico e controlando melhor a compulsão alimentar.
Com essas mudanças, eliminei 20 kg entre maio e dezembro de 2023, e mais 20 kg entre fevereiro e setembro de 2024, baixando de 155 kg para 115 kg. Tenho 1,90 m de altura, quero perder mais 10 kg e estabilizar em 105 kg. Minha esposa entrou nessa jornada comigo e emagreceu 13 kg.
Meu processo inspirou meu pai, que é bariátrico e quer mudar os hábitos
Hoje em dia me sinto mais disposto para trabalhar, tenho menos dores, minha autoestima melhorou, eu me sinto mais bonito e é mais confortável até para dirigir.
Meu pai é bariátrico, voltou a engordar e desenvolveu outras compulsões. Ao ver o meu processo de emagrecimento, ele se sentiu inspirado a mudar os hábitos e passou na primeira consulta com a endocrinologista.
Para quem está tentando emagrecer, minha dica é não normalize a obesidade, é uma doença e a conta vai chegar no futuro.
Eu sei que você esconde isso de você, que você mente dizendo que vai conseguir emagrecer quando quiser, que está normal e que não há nada de errado.
Procure ajuda médica e psicológica. Não tente fazer tudo de uma vez, dê um passo de cada vez, comece a sua jornada e não desista! Não é fácil, mas você não está sozinho."
Por que a obesidade é considerada uma doença crônica
Por mais que muitos acreditem que o excesso de peso é apenas uma questão estética, a obesidade é classificada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como uma doença crônica, ou seja, que não tem cura.
A condição preenche todos os critérios para ser definida como doença: prejudica a qualidade de vida, tem impacto no desenvolvimento de outros problemas de saúde e aumenta o risco de morte precoce, conforme explicou o médico Licio Augusto Velloso, diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp, em matéria de VivaBem.
Uma vez que desenvolve o problema, a pessoa precisa controlá-lo pelo resto da vida, já que ele eleva o risco de diversas doenças graves —como infarto, AVC, câncer e diabetes— e é responsável por 165 mil mortes por ano no Brasil.
Para muitas pessoas, o sedentarismo e a má alimentação são as únicas causa da doença —o que as levam a acreditar que o problema é resultado de preguiça e falta de força de vontade para fazer dieta. Mas não é nada disso. A obesidade é provocada por diversos fatores, que vão desde genética até o estilo de vida, influência psicológica e o ambiente em que vivemos.
Por ter diversas causas, o excesso de peso deve ser tratado por uma equipe multidisciplinar, composta por endocrinologistas, nutrólogos, psiquiatras, nutricionistas, psicólogos e profissionais de educação física.
Por que as pessoas descontam as emoções na comida, como Roberto? O ato de comer está fortemente associado à sensação de prazer e conforto. "Aprendemos a comer para saciar a fome, mas também para nos satisfazer. Muitas vezes, usamos essa fonte de prazer para enfrentar outros desconfortos, é o que chamamos de comer emocional", explica Álvaro Cabral Araújo, psiquiatra e pesquisador do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
No comer emocional, a alimentação é usada como uma estratégia de regulação emocional, um recurso para lidar com emoções desagradáveis, como tristeza, ansiedade ou medo. "Quando o comportamento de ingerir alimentos deixa de estar sob o controle da fome e passa a ter a função de evitar sofrimentos, consumimos muito mais do que o necessário para a manutenção de nossa saúde, o que pode resultar em obesidade", afirma Araújo.