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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Do teatro à medicina: como atores ajudam médicos a serem mais humanos

Prática existe desde meados da década de 1980 Imagem: Unsplash

De VivaBem, em São Paulo

09/10/2024 05h30

Receber um diagnóstico difícil não é fácil. Dar um diagnóstico difícil também não. Por isso, cada vez mais, as escolas de medicina investem no uso de atores em suas aulas práticas e provas de residência. A função de lapidar o lado humano dos médicos tem nome: paciente simulado.

Além de ser usada para análise de sinais e sintomas, essa interação também é importante para o profissional aprender a se comunicar com o paciente: dar notícias de morte, falar que determinado tratamento não surtiu efeito ou precisar o tempo de vida de um ente querido.

Para você dar uma má notícia, para você falar com o paciente ou com um familiar, você tem que ter uma técnica. Se não, pode dar tudo errado. E uma má conversa você não consegue consertar.
Augusto Scalabrini, cardiologista e professor da FMUSP

A prática de paciente simulado não é nova, existe desde meados da década de 1980. "Mas sempre usando alunos ou professores como os próprios pacientes, tudo muito amador e sem precisão", explica o ator e diretor teatral Emerson Rossini.

"A Faculdade de Medicina da USP foi uma das pioneiras na contratação de atores profissionais para obter mais isonomia nas avaliações", acrescenta Emerson. Ele trabalhou para a própria FMUSP em 2007 como produtor de elenco e preparador de atores. "Aos poucos, houve o entendimento que isso melhorava o rendimento e a acurácia nas avaliações."

Os ganhos dessa prática, quando bem orientada, são indiscutíveis. "Você tem que fazer um bom briefing para o ator: quem é você, como você se comporta, de onde você vem, que tipo de informação você vai me dar. Inclusive, que tipo de reação e emoção você quer que ele passe", explica o professor Augusto Scalabrini.

A partir daí você faz um cenário, que é um caso clínico, onde esse ator vai ser ou o paciente ou o acompanhante. E você [médico] vai ter que conversar com ele, vai ter que examinar, tratá-lo como se ele tivesse a doença. O manequim ou o robô não consegue expressar emoções humanas. Isso você só consegue obter com outro humano. Augusto Scalabrini, da FMUSP

Técnicas e diálogo

Segundo Emerson, as técnicas que um ator utiliza para ser paciente simulado são as mesmas de outros papéis. A diferença está nos objetivos a serem alcançados. "Um ator em uma peça, filme, vai interpretar um papel —às vezes, mais de um em um mesmo trabalho. Ele usará suas técnicas para chegar no resultado desejado."

"Em uma prova médica, é muito comum que um mesmo personagem seja interpretado por 40 atores diferentes, ao mesmo tempo, em salas diferentes, onde os residentes serão avaliados", complementa Emerson. O objetivo, neste caso, é que haja padronização.

Para que a prova seja igual para todos, é preciso que os 40 atores usem as mesmas palavras, o mesmo tom de interpretação, não fujam do roteiro, entre outras orientações específicas.
Emerson Rossini, ator e diretor teatral

O maior desafio nesse caso é lidar com o fato de que um lado da cena, o do ator, é treinado. Mas o outro, do aluno, não. Isso aumenta o risco de desvios no roteiro —afinal, não dá para prever o que será dito ou orientado pela pessoa avaliada.

As cenas são aplicadas intensamente durante a graduação em medicina da USP e a residência médica. Algumas especialidades, como as que lidam com mais emergências, ainda mais que outras. É o caso de UTI, ginecologia, obstetrícia e pediatria, por exemplo.

Sendo artes cênicas e medicina profissões distintas, é preciso diálogo entre as partes para que a situação seja a mais realista possível. "O ator não precisa entender de medicina, porque há um roteiro a ser seguido. E as orientações dos médicos são geralmente relativas às escalas de intensidade de dor, reações físicas possíveis, o que pode ou não ser dito em anamnese."

Os limites são sempre ligados ao respeito ao corpo do ator. Qualquer exame físico, toques ou procedimento que invada o limite do toque é vetado. Quando há algum exame desta natureza, o avaliador apresenta o resultado assim que o avaliado o requer.
Emerson Rossini, ator e diretor teatral

Além do consultório

O uso do paciente simulado também tem um caráter social, apresentando situações ao futuro médico que poderiam passar batido na rotina. Emerson Rossini dá o exemplo de uma cena em que mostra que o médico estaria apto para além do conhecimento teórico na medicina.

"A paciente [atriz] entra no consultório e pede ao médico indicações de métodos contraceptivos que não dependam da anuência do parceiro, e que, de preferência, ele não perceba que ela faça uso. Um detalhe é fundamental: o olho da atriz é maquiado com a coloração mais roxa", detalha.

Esta é uma simulação que sempre apresento como exemplo, porque menos de 30% dos alunos avaliados olharam e perceberam o olho da atriz. A conduta certa seria investigar a agressão doméstica sofrida pela personagem, até levar o caso à assistente social.
Emerson Rossini

"Existe um impacto positivo muito grande. O aluno vai para o campo clínico já tendo feito os procedimentos. Ele fica muito mais confortável e confiante de enfrentar uma situação clínica crítica quando ele já enfrentou na simulação, ele fica mais seguro", finaliza Scalabrini.

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