Cheiro perigoso: quando velas e incensos viram risco real para a saúde

Quem é que não gosta de entrar em um ambiente perfumado e sentir aquela sensação de aconchego, relaxamento e até mesmo requinte? As velas perfumadas e os mais variados tipos de incenso são capazes de despertar diversos sentimentos graças a fragrâncias que se ligam a receptores cerebrais.

"Os aromas de velas aromáticas e incensos ativam o sistema olfativo, que se conecta diretamente ao sistema nervoso central. Essa estimulação pode influenciar a liberação de neurotransmissores como serotonina e dopamina, promovendo sensações de relaxamento, tranquilidade, alívio do estresse e melhora do humor", explica Viviane Felici, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Apesar de mexerem com nossos sentidos, esses produtos escondem um lado perigoso e negligenciado por muitos usuários.

Estudos têm sido conduzidos para chamar atenção sobre o uso excessivo de velas perfumadas e incensos, principalmente por serem comumente usados em locais fechados, sem circulação de ar.

Dependendo do material produzido, esses produtos podem liberar substâncias tóxicas e prejudiciais ao organismo. E os problemas são diversos, de irritação das vias respiratórias, passando pelos nossos cérebros e gerando até mesmo problemas de reprodução e câncer.

Composição da vela faz diferença

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Imagem: Getty Images

Para início de conversa, precisamos entender do que as velas, mesmo as aromáticas, são compostas. Suas ceras podem ser feitas de parafina, que é derivada do petróleo, ou de elementos naturais, como cera de abelha, de soja, de palma, de candelila —uma planta mexicana—, entre outras.

As ceras de parafina são de longe as mais utilizadas pelo seu baixo custo. Segundo Everton Nencioni, toxicologista e professor do curso de farmácia da Faculdade Anhanguera, quando queimadas, elas podem liberar hidrocarbonetos alifáticos e compostos como benzeno e tolueno, que são tóxicos em altas concentrações.

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Já as ceras de materiais naturais tendem a ser mais "limpas", liberando menos toxinas em comparação com parafina, além de emitirem menos fuligem.

"Velas aromáticas, além dessas substâncias, liberam compostos voláteis responsáveis pelos cheiros, como limoneno, linalol e acetato de benzila, dependendo dos óleos ou fragrâncias adicionadas; que podem trazer benefícios ou riscos ao organismo, a depender de várias questões", explica Nencioni.

Os inocentes pavios também podem representar um perigo se não forem feitos inteiramente de algodão, contendo metais tóxicos quando queimados como zinco e estanho.

Como as velas podem fazer mal

Ao serem queimadas, velas de parafina, como dito, liberam substâncias como benzeno, formaldeído e tolueno. Segundo Elie Fiss, pneumologista da Alta Diagnósticos, da Dasa, esses compostos são poluentes e podem causar problemas respiratórios e irritação das vias aéreas.

"Em ambiente fechado, principalmente, pode ser extremamente prejudicial. Mais ainda em quem já tem algum problema respiratório, tipo asma ou hiperreatividade brônquica", alerta.

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Esses pontos trazidos pelo médico são reforçados por um estudo recente intitulado "Os riscos desconhecidos das velas perfumadas. O que a ciência tem a dizer: um editorial" e publicado no Annals of Medicine and Surgery.

O artigo reforça que, além de sintomas respiratórios, espirros e congestão nasal, algumas pessoas podem vir a sentir vertigem, dores de cabeça e olhos lacrimejantes após a queima de uma vela. Um outro estudo conduzido com estudantes universitários não fumantes e usuários de velas perfumadas da Arábia Saudita acrescenta ainda sintomas como tosse e falta de ar.

Mas os perigos podem ir além. O mesmo artigo publicado no Annals of Medicine and Surgery diz que vários hidrocarbonetos aromáticos policíclicos que foram identificados como cancerígenos, como naftalina, antraceno e pireno, também foram encontrados em vapores de velas que são produtos de cera, substâncias aromáticas ou corantes de combustão.

Nencioni acrescenta que "o benzeno também pode ser cancerígeno e o tolueno é depressor do sistema nervoso central —a mesma substância presente na cola de sapateiro".

A neurologista Viviane Felici explica ainda que a exposição a compostos como benzeno e formaldeído pode resultar em efeitos neurotóxicos significativos, como aumento da ansiedade, depressão e comprometimento cognitivo.

"A longo prazo, esses compostos estão associados a um risco elevado de doenças neurodegenerativas, prejudicando a função cerebral e a saúde mental", diz.

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Aromas sintéticos são piores que naturais?

Uma vela ser aromatizada sinteticamente ou com extratos naturais também faz diferença. O toxicologista Everton Nencioni explica que aromas naturais derivados de plantas contêm compostos voláteis como terpenos, que geralmente são menos nocivos do que compostos sintéticos. Já fragrâncias sintéticas podem conter ftalatos, que são associados a disfunções hormonais e toxicidade respiratória.

O pneumologista Elie Fiss reforça que, embora as fragrâncias feitas com extratos naturais sejam consideradas mais seguras, ainda assim elas podem causar reações alérgicas em algumas pessoas. "A qualidade do óleo essencial, concentração é muito importante. E sempre lembrar que pessoas que têm hiperreatividade brônquica podem também apresentar tosse, chiado ou alguma irritação das vias aéreas", pontua.

E os incensos, também fazem mal?

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Imagem: iStock

Existem diversos tipos de incensos, dos populares bastões repletos de agregados, passando pelos naturais, como palo santo (uma madeira), folhas de sálvia branca e lavanda.

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Uma composição típica de incenso em bastão, por exemplo, consiste em pó de ervas e madeira, material de fragrância, pó adesivo e o bastão de bambu. Nencioni explica que esses incensos liberam uma mistura de partículas sólidas e compostos voláteis, incluindo:

  • Monóxido de carbono (CO)
  • Dióxido de carbono (CO)
  • Dióxido de enxofre (SO2)
  • Dióxido de nitrogênio (NO2)
  • Formaldeído
  • Benzeno
  • Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs)

Além disso, a composição química dos óleos essenciais usados nos incensos pode variar, adicionando outros compostos voláteis, dependendo da fragrância.

Segundo o toxicologista, incensos feitos de materiais naturais, como palo santo e sálvia branca, tendem a liberar compostos mais simples, como terpenos (limoneno, pineno), cineol (presente na sálvia) e cumarina (na mirra).

"Esses compostos são considerados menos tóxicos do que os HAPs e outros liberados por incensos sintéticos. No entanto, a combustão ainda gera partículas finas que podem afetar a saúde respiratória", ressalta.

Um estudo publicado no The International Journal of Environmental Research and Public Health constatou que a queima de incenso em espaços fechados resultou em benzeno, formaldeído e outros compostos orgânicos voláteis em níveis mais altos do que os limites recomendados pela OMS. Os pesquisadores consideraram os cones de incenso mais problemáticos para a poluição do ar do que os bastões.

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Os riscos vão além das vias aéreas

Uma análise de diversos estudos conduzido por pesquisadores da Universidade Nacional Cheng Kung, em Taiwan, revela que a fumaça do incenso, além de causar disfunção respiratória, é um fator de risco para níveis elevados de IgE no sangue do cordão umbilical em mulheres grávidas e também foi indicada como causadora de dermatite alérgica de contato. O estudo ainda associou essa fumaça à geração de câncer semelhante ao causado pelo fumo de cigarro.

Já um outro estudo de 2021 associou o dióxido de enxofre (SO2) liberado pela queima do incenso como também responsável pelo agravamento de condições cardiovasculares, levando ao aumento de admissões, morbidade e mortalidade com relação a problemas cardiopulmonares.

Uma pesquisa publicada no International Journal of Cancer and Biomedical Research e conduzida com ratos machos adultos constatou que a inalação prolongada de fumaça liberada por incensos tradicionais causou uma diminuição altamente significativa nos níveis de testosterona em comparação com o grupo controle.

Além disso, a motilidade progressiva, velocidade e vigor do esperma foram significativamente diminuídos com aumento significativo de espermatozoides morfologicamente anormais. Os pesquisadores também perceberam comprometimento das funções renal e hepática.

A queima de incenso em ambientes fechados afeta também as funções cognitivas e a conectividade funcional do cérebro. A conclusão foi de pesquisadores da Universidade Chinesa de Hong Kong que realizaram estudos com 515 idosos sem histórico de derrame ou demência. Foi constatado um declínio cognitivo ao longo de três anos de pesquisa para os idosos que relataram uso semanal do incenso.

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Velas e incensos são piores que cigarro e vape?

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Imagem: Juanmonino/iStock

Os especialistas ouvidos por VivaBem são categóricos em dizer que não. Cigarro e vape (cigarro eletrônico) são muito mais prejudiciais por conterem uma grande quantidade de produtos químicos tóxicos, incluindo nicotina, metais pesados e HAPs, afetando principalmente os pulmões e o coração.

A poluição de automóveis, rica em monóxido de carbono, dióxido de enxofre e partículas finas, também é pior para o nosso organismo, se relacionando com mais frequência a doenças respiratórias, cardiológicas e neurológicas.

De acordo com Felici, estudos mostram que a poluição do ar e o fumo têm um impacto muito maior na saúde cerebral, especialmente com exposição prolongada e em altas concentrações, contribuindo para doenças neurodegenerativas e comprometimento cognitivo.

Tudo que é queima sempre vai ser prejudicial ao nosso pulmão. O pulmão não foi feito para inalar queima de substâncias, foi feito para receber oxigênio. Também não foi feito para receber o ar poluído, nem fumaça de cigarro ou de vela. Então, todos os cuidados são necessários mesmo para acender uma simples vela, um incenso. Elie Fiss, pneumologista do Alta Diagnósticos

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Medidas para usar com segurança

Embora o uso de velas perfumadas e incensos possam trazer alguns riscos à saúde, algumas medidas indicadas pelos especialistas consultados pelo VivaBem podem atenuar os efeitos maléficos e permitir um melhor aproveitamento dos benefícios terapêuticos.

  • Evitar o uso diário;
  • Deixar os ambientes bem ventilados para dispersão dos poluentes;
  • Evitar queimas por períodos prolongados;
  • Optar por velas e incensos feitos de materiais naturais;
  • Verificar o pavio, para que seja de algodão e não tenha metais;
  • Preferir velas com óleos essenciais de boa qualidade e evitar as fragrâncias sintéticas;
  • Após usar velas perfumadas, o espaço deve ser arejado para se livrar dos compostos químicos produzidos durante a queima;
  • Não deixar velas queimando sem supervisão para evitar acidentes.

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