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'Médicos falavam que caroço não era nada de mais, mas fiquei desfigurada'

À esquerda, Emanuela Ribeiro um ano e dois meses após ter o primeiro sinal de um linfoma de Hodgkin, câncer no sistema linfático. Ela usava roupas com gola alta (foto à dir.) para esconder a deformação no pescoço Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

10/10/2024 05h30

Emanuela Ribeiro, 22, levou um ano e dois meses até descobrir ter um linfoma de Hodgkin, tipo raro de câncer no sistema linfático, responsável pela imunidade.

O primeiro sinal foi um caroço sutil no pescoço, muito frequente na doença. Mas inchaços se acumularam na região com o tempo, após a jovem passar por cinco médicos e não ter um diagnóstico correto.

"Comecei a ficar desfigurada", conta Emanuela, que mora em Cariacica (ES).

Ela notou o primeiro caroço em uma manhã de março do ano passado. "Dormi sem nada e acordei com um caroço perto da clavícula", lembra. Na internet, viu que poderia ser uma reação comum em infecções, como gripes e amigdalites. "Achei que fosse o começo de uma virose."

Depois de três dias, busquei um médico, porque o inchaço não diminuiu. Paguei um clínico geral, que me pediu um ultrassom para ver o nódulo. No retorno, ele me falou a mesma coisa que todos falariam no futuro: 'não é nada de mais, pode esperar desinchar'. Foi uma resposta que deu alívio naquele momento.
Emanuela Ribeiro, química

Caroços são um dos sintomas mais comuns do linfoma de Hodgkin. Eles crescem devagar, por isso podem demorar meses e até anos para serem notados, explica Talita Silveira, onco-hematologista do A.C.Camargo Cancer Center (SP). Provavelmente, foi o que aconteceu com Emanuela.

As regiões mais frequentes são o pescoço, as axilas e a virilha. Merecem a atenção inchaços que persistem por mais de quatro meses, que estão muito "fixos" à pele e que, geralmente, não doem (pois esse incômodo sugere inflamação e infecção).

À esquerda, Emanuela mostra o primeiro caroço (destacado por um círculo); na foto ao lado, seu rosto no final do ano passado, inchado pelo avanço da doença Imagem: Arquivo pessoal

Doença avançou sem diagnóstico

O caroço não desinchou. Pelo contrário: mais começaram a surgir a partir de outubro. Foi quando a jovem passou em um cirurgião especialista em cabeça e pescoço, que pediu exames para rastrear tumores na tireoide.

Os caroços começaram a ficar notáveis em novembro. Escondia com o cabelo. Como trabalhava usando gola alta, dava uma disfarçada. Mas, dependendo da camiseta e do ângulo, ficava uma 'bola' aparecendo.

Na mesma época, Emanuela começou em um novo emprego e fez exames admissionais. Pediu para ver os resultados, que indicaram uma anemia e a deficiência de várias vitaminas. Falou sobre isso quando voltou ao consultório, dessa vez com uma médica, para mostrar os rastreios de tireoide, que não indicaram nenhum problema. Era a quinta profissional que visitava.

A médica deu o diagnóstico após uma nova bateria de exames de sangue que comprovou as deficiências: os caroços cresciam devido à falta de vitaminas, segundo a especialista. Ela indicou que Emanuela fizesse a reposição com soroterapia —que não é recomendada para todo mundo.

Os inchaços não deram sinal de que diminuiriam depois da suplementação. Emanuela se desesperou às vésperas de completar um ano investigando o problema, ao pressentir o risco de ser algo grave.

"[O crescimento dos caroços] ficou desenfreado", conta. "Já estava desesperançosa, com a certeza de que era perigoso."

O inchaço aumentou e começaram a aparecer outros caroços. Meu rosto foi piorando, de cada lado aparecia mais e mais. Já era difícil disfarçar com o cabelo, eu comecei a ficar desfigurada.

Jovem, que é química e estuda ciências contábeis, se afastou do trabalho após o diagnóstico, em maio deste ano Imagem: Arquivo pessoal

'Seu estado é grave'

A mãe de Emanuela, a empregada doméstica Maria Conceição, comentou com patroas sobre a situação da filha. Uma delas lembrou-se do marido de uma amiga, que investigou caroços no corpo por meses até ser diagnosticado por um médico em Vitória. Elas não hesitaram em consultá-lo.

"Ele bateu o olho em mim, viu que eu estava perdendo peso, e eu vi no olhar que ele já sabia que era câncer. Ele foi certeiro, disse que eu precisava fazer a biópsia o mais rápido possível", conta a jovem.

Linfomas só são diagnosticados por meio de biópsias. Exames de sangue e ultrassons, feitos por Emanuela, não indicam a presença da doença. Ela esperou 20 dias pelo resultado, que chegou por e-mail no Dia das Mães, em maio.

Poucos dias antes, fui ao consultório e ele me falou: 'eu tenho certeza de que é linfoma e a gente precisa correr, porque o seu estado é grave com um ano sem tratamento'.

"Quando vi o resultado, pensei: graças a Deus a espera interminável acabou, posso começar o tratamento. Mas, infelizmente, a gente descobriu um câncer em estágio três. O meu câncer só se agravou pela demora." Linfomas de Hodgkin vão até o grau quatro, sendo esse o mais grave.

Exames identificaram que Emanuela já tinha rastros do câncer no abdome, nas axilas e nas costas, incluindo caroços imperceptíveis. "Vivia uma vida normal. Acho que isso influenciou para os médicos sempre dizerem que eu estava bem", diz a química, que perdeu 10 quilos até o diagnóstico correto.

Quando comecei o tratamento, os caroços já apareciam na frente do pescoço e o cabelo já não cobria mais. As pessoas perguntavam por que eu estava assim, então era uma coisa chata.

Um baque de cada vez

Emanuela raspou o cabelo ao lado da família no salão de uma amiga, que foi fechado para recebê-los: 'Foi um momento muito especial', diz Imagem: Arquivo pessoal

Seu tratamento é com quimioterapia, o padrão para o tipo de câncer. Emanuela conta que vive um baque por vez. É a sua forma de manter-se firme no tratamento. "Primeiro sofri pelo diagnóstico, depois com o tratamento, depois para raspar o cabelo. Me permiti sentir esses momentos, sei que são importantes para o meu crescimento pessoal."

Ela diz escolher o equilíbrio para se manter sã, mesmo com a necessidade de isolamento e restrições. "Não posso ficar abraçando as pessoas", exemplifica. "Mas eu não quis me restringir 100%, porque isso ia me deixar louca, então eu vou à igreja, ao mercado."

"Minha cabeça ficou embaralhada quando percebi que a minha vida ia mudar. Tive a maturidade de respirar fundo, entender que não tinha como seguir a vida normal, eu morreria se não tratasse esse câncer. Se é isso que vai me dar chance de vida, vou me apegar. Me apoiei na minha família, no meu namorado, na minha religião", diz a jovem.

Entenda o linfoma de Hodgkin

Linfomas são cânceres que atingem o sistema linfático —composto por baço, timo, medula óssea, tecidos, vasos e gânglios. Esses últimos, também chamados de linfonodos e ínguas, são estruturas em forma de feijão que concentram as células de defesa do organismo e ficam no pescoço, axilas e virilha.

Linfoma de Hodgkin é o câncer mais frequente em jovens entre 15 e 30 anos. "Mesmo assim, ainda é considerado raro", diz a onco-hematologista Talita Silveira.

Há quatro tipos de linfoma de Hodgkin. É a forma de definir a extensão da doença, o chamado estadiamento:

Estágio 1: doença inicial;
Estágio 2: doença localmente avançada;
Estágio 3: doença avançada;
Estágio 4: doença disseminada.

Caroços surgem pela reprodução de células cancerígenas. Uma célula transforma-se em maligna e passa a se reproduzir nos linfonodos, fazendo com que cresçam. A tendência é "sumirem" com o início da quimioterapia.

Também são sinais de alerta para a doença: coceira no corpo todo, perda de peso sem motivo, febre baixa no fim da tarde e suor excessivo durante a noite.

Chances de cura aumentaram com avanços no tratamento. Atualizações em estudos diminuíram em 60% o risco de morte desde os anos 1970, segundo o Ministério da Saúde. "Não existe caso perdido para Hodgkin, a imensa maioria é curável", diz Silveira. As intervenções mais comuns aliam quimioterapia à radioterapia. Também há protocolos de bom resultado usando a imunoterapia, mas ainda não aprovados no Brasil.

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