De uma pinta a nove tumores cerebrais: ela descobriu câncer traiçoeiro

A dentista Luciana Fiorin, 49, buscou um dermatologista em 2012 para retirar uma pinta. Na época, ela queria colocar silicone e não queria o sinal, que ficava na mama.

Ao longo de um ano e algumas cauterizações, a pinta insistia em não cair. Foi quando o dermatologista a encaminhou para um cirurgião plástico, que removeu cirurgicamente e pediu uma biópsia.

O diagnóstico foi de melanoma, um câncer de pele agressivo, que logo manifestou diferentes metástases em seu corpo. Foram cinco anos de tratamento. A VivaBem, ela conta sua história.

O diagnóstico

"Em 2012, eu já tinha três filhos e estava pensando em colocar silicone. Já passava com um dermatologista há 12 anos por causa de espinhas, coisas de pele, e tinha uma pinta na mama que me incomodava um pouco.

Fui ao consultório e falei que queria tirar, porque achava ela feia e tinha a impressão de que ela estava crescendo. Ele cauterizou e disse que ia cair. Passaram umas duas semanas e ela não caiu, mas começou a coçar e mudar o formato.

Retornei ao consultório e ele me disse para esperar, porque ainda ia cair, e me passou uma pomada para cicatrização. Ela cicatrizou, mas a borda ficou irregular. Ela parou de coçar, mas mudou o formato e a cor. Ficou muito feia.

Depois de um mês, voltei e reforcei que queria tirar a pinta. Ele falou em cauterizar de novo. Fizemos todo o processo e mesmo assim não caiu. Foi quase um ano até ele me encaminhar para um cirurgião plástico, que tirou a pinta na hora e encaminhou para biópsia.

Ela não era grande, tinha uns 5 mm, mas a cicatriz era enorme perto dela —uns 5 cm. O cirurgião plástico disse que achava que poderia ser um carcinoma. E que, se fosse, apenas a retirada já resolveria.

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Voltei ao consultório depois de dez dias para tirar os pontos e minha biópsia ainda não tinha saído. Uns dias depois, a secretária dele me ligou bem cedo e me pediu para ir ao consultório naquele mesmo dia acompanhada.

Ali já senti que tinha algo de errado e comecei a chorar. Na consulta, ele falou que a pinta era um melanoma e disse que era muito perigoso. O plástico me encaminhou para um oncologista, que já me pediu a ampliação da margem da cirurgia que tinha feito.

Diferentes tratamentos

Depois, já fui para o AC Camargo iniciar o tratamento. Eles revisaram a biópsia e fizeram todo um estudo para ver a profundidade da lesão. Eles acompanharam minha axila, que ficava perto do tumor, por um tempo, já que era uma região de linfonodos.

Depois de nove meses apareceu uma primeira alteração. Fiz a cirurgia de esvaziamento axilar, onde retiram todos os linfonodos da região, e tinha metástase em 22 dos 25. Entrei em radioterapia logo depois, fiz 20 sessões na axila.

Mais ou menos na mesma época também entrei no tratamento de imunoterapia. Fiquei tomando o medicamento todos os dias, por um mês, na veia. Fiquei bem mal, era como se fosse uma gripe muito forte.

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Quando já estava quase finalizando, tive uma arritmia cardíaca e os médicos optaram por suspender o tratamento. Não tinha outro tratamento que pudesse ser feito na época, então fiquei só em acompanhamento.

Sempre fazia ressonância do crânio, tórax e abdome, e aí descobriram alguns nódulos no meu fígado. Fiz um PET scan [exame que permite obter imagens detalhadas do interior do corpo] e uma biópsia, que deram negativo para o tumor, e o médico decidiu me abrir por videolaparoscopia. Ainda bem, porque era metástase mesmo.

Depois da axila, foi tudo muito rápido. Estava com metástase no fígado, no baço, no ovário e em alguns ossos. Comecei uma outra imunoterapia, que fiz quatro sessões, e quase não tive efeitos colaterais com ela. Mas também não tive muito resultado, os tumores continuaram aumentando.

Foi quando os médicos decidiram pela bioquimioterapia, que era internada na UTI. Ficava uma semana lá, ficava 15 dias em casa e internava de novo. Entrava e saía de cadeira de rodas, foi bem pesada.

No final, fiz mais uma leva de exames que detectou nove tumores cerebrais. Na época, estava sendo lançada uma terapia-alvo, que atingia diretamente o tumor, e meus médicos optaram por ela. O objetivo era segurar o aumento dos tumores.

Tinha vários efeitos colaterais: dor nas articulações, no joelho, cotovelo, mal conseguia me sentar. Sou dentista e para trabalhar era difícil, não conseguia movimentar o punho. Era acordar com dor e conviver com a dor.

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Quando estava no sexto mês, refiz os exames. Não chegou a diminuir nada dos tumores, mas estava tudo estável. Foi quando meus médicos decidiram me submeter a um estudo clínico de um medicamento novo. Esse foi uma benção.

Foram dois anos de protocolo, uma injeção endovenosa a cada 15 dias. Consegui viver normalmente, não sentia praticamente nada. Fazia exames de controle e eles começaram a reduzir. No final do processo, descobrimos um nódulo retroperitoneal [espaço atrás da cavidade abdominal e das vísceras].

Meu médico sugeriu continuar o tratamento por mais um ano e meio, e fizemos uma cirurgia robótica para retirar o que sobrou do tumor na pelve. Ainda sobrou um pouco, e voltamos com aquela quimioterapia que fiz no começo do tratamento.

Acompanhamento

No final de 2017 paramos todos os tratamentos. Acompanhei com exames de três em três meses até o início da pandemia. Depois, passou para seis em seis meses. Agora, meu médico quer deixar um a cada ano —PET scan e ressonância de crânio.

Luciana está há cinco anos sem sinais do câncer no corpo
Luciana está há cinco anos sem sinais do câncer no corpo Imagem: Reprodução/Instagram
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Os médicos não gostam de falar em remissão porque o melanoma é muito traiçoeiro, mas estou desde 2017 sem novos tumores. Espero que eles tenham desaparecido e não retornem mais mesmo.

A gente nunca acredita que pode ser algo agressivo, ainda mais quando você fala em câncer de pele. Ninguém tem muita noção da gravidade. Era uma pinta que já tinha, que naquele primeiro momento queria tirar por uma questão estética.

Como dentista, hoje em dia tem paciente que chega e já bato o olho nas pintas. Depois que você passa por isso, começa a ver todo mundo diferente."

O que é melanoma?

Tipo de câncer de pele que nasce em células chamadas de melanócitos. "O melanoma é muito agressivo, mas muito fácil de passar despercebido. Pode ser uma pinta, com menos de um centímetro, que você nem se preocupa", explica Mirella Nardo, médica oncologista do Icesp e da Rede D'Or.

Tumores com menos de um milímetro já podem levar ao surgimento de metástases a distância, como no pulmão, no fígado e no cérebro.
Mirella Nardo, oncologista

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Pode atingir qualquer pessoa. No entanto, nos grupos sob maior risco estão as pessoas com pele muito clara (principalmente de olhos claros e cabelos loiros ou ruivos) e pessoas que têm exposição solar muito grande —sobretudo a intermitente e intensa. Quem tem histórico de outros tumores de pele também deve ficar atento.

Regra ABCDE ajuda no diagnóstico. Existem cinco pontos a serem observados em uma pinta e que podem acender um alerta: assimetria, borda, cor, diâmetro e evolução. Qualquer padrão diferente indica a necessidade de procurar um dermatologista, que pode pedir uma biópsia para a exclusão ou não de um diagnóstico.

Um outro critério muito importante é o crescimento dessas pintas. Se a gente percebe que uma pinta está crescendo, mesmo que ela ainda seja pequena, mesmo que ela seja regular, isso também deveria levar a gente a procurar um dermatologista para avaliá-la.
Mirella Nardi, oncologista

Tratamentos disponíveis. Segundo a oncologista, tanto o melanoma de alto risco, que é quando não tem doença visível no corpo, quanto o metastático, podem ser tratados com imunoterapia ou terapia-alvo.

A gente tem atualmente três diferentes drogas aprovadas para o melanoma metastático e cada uma delas 'tira' um freio diferente do sistema imune. O usual é a gente começar com dois remédios e, caso isso deixe de funcionar, a gente tenta outras combinações.
Mirella Nardi, oncologista

Como se prevenir? A prevenção primária do melanoma é a proteção solar, evitando as horas de maior exposição. "Usar protetor em todas as partes do corpo, roupas com proteção UV, chapéu e preferir a sombra", destaca a oncologista. As câmaras de bronzeamento artificial são consideradas um "absurdo" e devem ser evitadas.

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Hoje em dia, a gente tem um arsenal muito melhor para detecção precoce e cura. Mesmo aqueles pacientes que têm doença avançada, metastática, o prognóstico mudou muito. A gente tem várias opções de tratamento, então é importante não desistir.
Mirella Nardi, oncologista

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