Teste de creatinas gera nova polêmica e acusações de 'youtuber aliciado'
Fausto Fagioli Fonseca
Colaboração para o VivaBem
17/10/2024 05h30
A Abenutri (Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais) divulgou uma análise com algumas creatinas disponíveis no mercado de suplementos, no dia 10 de outubro. A avaliação contou com 88 produtos de diferentes marcas e verificou a composição de todas elas, atestando se a quantidade de creatina indicada no rótulo condiz com o que realmente tem no produto.
Entretanto, logo no início do texto de divulgação da análise, uma informação chama atenção: "Importante salientar que as empresas Supley (fabricante marcas Probiotica e Max Titanium), BRG (Integralmedica e Darkness), Rainha Laboratórios (Body Action) e Dux Nutrition tiveram seus produtos analisados, porém entraram com medidas jurídicas para não divulgação dos resultados".
O atrito entre a associação e algumas marcas não é novidade. Em julho de 2023, a Abenutri também lançou um laudo com a avaliação de creatinas disponíveis no mercado brasileiro e os resultados geraram controvérsias e brigas nos bastidores, como VivaBem já mostrou. As análises divulgadas neste mês provocaram novos debates e acusações entre empresas e associações que representam o mercado.
'Programa de automonitoramento': análise das creatinas do mercado
A análise feita pela Abenutri é chamada de PAM (Programa de Automonitoramento do Mercado) e surgiu, segundo o presidente da associação, Marcelo Bella, como uma sugestão de representantes da Anvisa feita diretamente a ele. "Assim, desenvolvemos e criamos o PAM, que vem realizando testes em proteínas e creatinas desde 2022".
Algumas empresas, porém, não reconhecem a autonomia da Abenutri para a realização destes testes e entraram com medida judicial proibindo a divulgação. Segundo a associação, essas marcas tiveram seus produtos analisados, mas a divulgação dos laudos está proibida. "A decisão de alguns juízes em conceder tais liminares é irresponsável, pois há muitos casos já conhecidos de envenenamento por intoxicação de alimentos e medicamentos adulterados, com graves consequências", ressalta Marcelo Bella.
O que dizem as marcas que proibiram divulgação?
O VivaBem contatou todas as empresas que entraram com liminar proibindo a divulgação dos seus laudos. Obtivemos resposta, até a publicação desta reportagem, das empresas Supley, Rainha Laboratórios e BRG.
O Grupo Supley esclareceu que optou pela medida judicial por conta da "postura controversa" da Abenutri diante do mercado e de seu histórico de avaliações que "não seguem os padrões técnico-científicos estabelecidos pelos órgãos competentes".
"A Anvisa e o próprio Grupo Supley realizam análises rotineiras de todos os produtos e marcas fabricados pela empresa, sem qualquer registro de inconformidade", diz um trecho do posicionamento.
A Rainha Laboratórios, fabricante da marca Body Action, também disse que os testes realizados pela Abenutri não têm "o rigor técnico necessário para esse tipo de análise" e que a associação "não tem autorização legal para fiscalizar qualquer empresa".
"Nossa advogada, Ana Maria Benoti, levantou todas as atas de assembleias da Abenutri e descobriu que a diretoria é formada apenas pelo Marcelo Bella, seus filhos e o youtuber contratado para falar mal da concorrência (Felix Bonfim), ou seja, as mesmas pessoas que fazem parte do quadro de colaboradores e beneficiários da GDS Grow Dietary Supplements do Brasil (Black Skull), provando que não representam os interesses do mercado, mas apenas os interesses da própria empresa", diz a nota.
O grupo BRG também se manifestou e disse que considera que o laudo elaborado pela Abenutri "foi realizado de forma inadequada e não atende aos critérios técnicos necessários para avaliações de substâncias e produtos do mercado". A nota diz que o produto da BRG citado foi aprovada nos laudos e testes da Abenutri, "porém a Integralmedica não quer estar vinculada a algo que não acredita e que considera fora dos padrões, por isso não autorizamos a divulgação dos testes".
A DUX Human Health diz que acreditamos em um diálogo aberto com entidades sérias do setor, "mas lamentamos que a Abenutri, entidade que possui sérios problemas de conflito de interesse, divulgue novamente, materiais irresponsáveis e sensacionalistas, que confundem os consumidores e podem colocar sua saúde em risco". A empresa afirma que condena práticas de desinformação e que se mantém "firme na missão de oferecer suplementos de alta qualidade, sempre baseados em ciência séria".
Resultados dos testes
A Abenutri garante que a análise de creatinas do mercado de suplementos alimentares seguiu critérios rígidos durante todo o processo de avaliação. Neste ano foram 88 creatinas analisadas, todas compradas em lojas para uma maior idoneidade.
"Após a escolha dos produtos, eles são comprados em três unidades de cada, nas principais lojas nas plataformas digitais. Verificamos se os produtos estão dentro da validade e enviamos ao laboratório Eurofins para análise por cromatografia em padrão analítico para teor de creatina", explica Bella.
Ou seja, uma análise é feita para atestar se a quantidade de creatina que o produto diz ter está dentro da regulação da Anvisa, que permite uma máxima variação no teor de creatina de 20%. Assim, todas as marcas que apresentaram variação acima deste valor, foram reprovadas.
Na avaliação, 77% dos produtos foram aprovados e 23% reprovados, levando em consideração a determinação da Anvisa. Dos reprovadas, 56% dos produtos apresentaram uma variação de -100%. "A variação máxima permitida pela Anvisa é de -20% do teor encontrado em relação ao informado no rótulo, ou seja, a empresa informa 3 g de creatina e é encontrada uma variação de - 20%, significa que foi encontrada 2,4 g na dose, e assim por diante", explica Bella. "Assim, -100% = zero de creatina encontrada na dose informada pelo fabricante."
Confira a seguir a lista com todas marcas aprovadas e reprovadas:
Marcas e produtos aprovados (variação de 0 a 5%, dentro das normas da Anvisa)
Adaptogen: Creatine, Creatine Super e Hd Cret
Ast Sports Science: Micronized Creatine
Atlhetica Nutrition: 100% Creatine Flavour
Black Skull: Creator, Creatine, Creatine Turbo
Body Shape: Creatina Pura
Bruthal Sports: Creatina
Cellgenix: German Creatine
Dark Lab: Creatine
Elemento Puro: Creadop Creapure
Eleva Nutrition: Creatina
Equaliv Creatina: Creapure
Espartanos: Creatina 100% Pure
Euro Nutry: Creatine Powder 100%
Extreme Action: Creatine
Extreme Nutrition: 100% Creatina
Fisio Nutri: Strong Creatine 100% Pure
Ftw: Creatina Monohidratada
Growth Sup: Monohidratada Creatine
Health Labs: Creatina Gourmet
Iridium Labs: Atlas Creatina
Leader Nutrition: Creatine Micronized
New Millen: Creatine Atp
New Nutrition: Creatina
Nitro Max: Max Creatina
Nutrata Creatine: Creapure
Optimum Nutrition: Micronized Creatine
Pro Corps: Creatine
Pro Healthy: Creatine Micronized
Pura Vida: Creatina Premium
Qnt Move: Creatine
R74 Premium: Creatina 100% Pura
Shape Nutrition: 100% Creatine Pure
Smart Fit Supps: Creatina Smart e Creatina 100% Pura
Soldiers Nutrition: Creatina
Top Way: Creatina
Underlabs: Creatine Fuze
Universal: Creatine
Venom Labs: Pure Creatina Monohydrate
Vitafor: Creatine
Vitamax Nutrition: Creatina 100% Pura
X Pro Nutrition: Kreat
Zupler: Creatine
Marcas e produtos aprovados (variação de 5,1% a 10%, dentro das normas da Anvisa)
+MU: Creatina Monohidratada
Canibal Inc.: Creatina Plus
Evorox Nutrition: Evo Creatine
Nutrex Research: Creatine Drive
Shark Pro: Energy Creatina
Marcas e produtos aprovados (variação de 10,1% - 20%, dentro das normas da Anvisa)
Demons Lab: Creature Evolution e Creature 100% Pure
Hardcore Sports Nutrition: Creatina
Profit Lab: Creatine Power
Red: Brutal Creatine
Synthesize: Creatina Powder
Vitamax Nutrition: Creatine Booster
Brn Foods: Premium Creatina
Marcas e produtos reprovados (variação de -21% a -99%, fora das normas da Anvisa)
Dark Dragon: Crea Delite
Demons Lab: Creature
Evolution Nut.: Creawell
Melius Nutrition: Creatina 100%
Muscle Full: Creatina
Prosize: Creatine
Sci Nutrition: Creatina Pura
Wise Health: Creatine Monohydrate
Marcas e produtos reprovados (variação de -100%, fora das normas da Anvisa)
Age: Creatine Monohidratada
Cellucor: Creatin
Dymatrix Nutrition: Creatina Monohidrate
Generic Labs: Creatina Monohidratada
Impure Nutrition: Creatina
Intlab Power: Creatina
Iron Tech Sports Nutrition: Creatina Monohidratada
Muscle Pharm: Creatine
Nft Nutrition: Creatina 100% Pura
Tribe Nutrition: Creatina Monohidratada
Análise gera disputa de narrativa entre associações
Algumas das marcas citadas se aliaram a Brasnutri (Associação Brasileira dos Fabricantes de Suplementos Nutricionais e Alimentos para Fins Especiais) contra a atuação da Abenutri com relação às análises de creatinas.
"Sobre os laudos em questão, afirmamos que a Abenutri não dispõe de uma área técnica qualificada que confere legitimidade à análise dos laudos, sendo esses assinados pelo coordenador do Programa de Automonitoramento (Félix Bonfim), que não possui atribuição legal para tamanha responsabilidade", disse Bruno Busquet, presidente da Brasnutri, ao VivaBem.
A Brasnutri esclarece que não concorda com o processo e com a metodologia de análise usados pela Abenutri, destacando que apenas o monitoramento e a fiscalização realizados pela Anvisa oferecem uma comprovação isenta de controvérsias.
"A Anvisa complementa os esforços regulatórios com análises adicionais e individuais, afinal, ela é o único órgão oficial responsável pela regulamentação, monitoramento e fiscalização do mercado. Qualquer estudo realizado fora desses padrões não pode ser considerado legítimo, de fé pública e está sujeito a questionamentos quanto à sua validade", disse o presidente da Brasnutri.
Quando os laudos do ano passado foram divulgados, o VivaBem conversou com a Anvisa, que disse não estabelecer ranking de produtos, porém, reforçou que estudos feitos pelo próprio mercado (como esses testes feitos pela Abenutri) são importantes e sinalizam parâmetros de automonitoramento, podendo até mesmo servir para subsidiar futuros estudos e investigações da Agência.
Porém, vale destacar que os testes da Abenutri não são regulamentados diretamente pela Anvisa, apesar de esta aprovar a atitude da Abenutri em avaliar o mercado. Esse é mais um fator que gera controvérsia e questionamento das marcas que entraram com ação judicial. Marcelo Bella, porém, garante que a Abenutri segue as normas da Anvisa.
"A Brasnutri diz que nós da Abenutri não seguimos as RDCs [sigla para Resolução da Diretoria Colegiada, um tipo de regulamentação técnica] da Anvisa para a testagem dos produtos. Para você ter uma ideia como eles são mentirosos, quando a empresa vai participar do programa de automonitoramento, ela recebe uma correspondência, depois, quando ela recebe o resultado, ela recebe a cópia integral do laudo do Laboratório Eurofins — e está lá no laudo o número da RDC, que a Anvisa avaliza o teste", garante Bella.
Representantes da BRG fazem questão de rebater estas afirmações do presidente da Abenutri, alegando que a Anvisa não a reconhece como legítima representante da categoria. Para isso, usa um ofício emitido pela própria agência (Nº 383/2022/SEI/DIRE4/ANVISA) que diz: "A Agência tem conhecimento de que a entidade (Abenutri) desenvolve e executa um Programa de Automonitoramento de Mercado. Entendemos que ações de autorregulação são bem-vindas, mas deixamos claro à entidade que a execução e desenvolvimento do referido Programa são de responsabilidades exclusivas da Abenutri".
A Anvisa diz que se interessa em receber os relatórios anuais do Programa realizado pela Abenutri, que poderão ser usados como fonte de informação para apoiar as ações de competência da Agência. "No entanto, foi ressaltado que, para as ações fiscalizatórias de competência da Anvisa, é necessária a realização de análise fiscal, conforme os dispositivos do Decreto-Lei no 986/69", diz um trecho do ofício.