Teste de creatinas gera nova polêmica e acusações de 'youtuber aliciado'

A Abenutri (Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais) divulgou uma análise com algumas creatinas disponíveis no mercado de suplementos, no dia 10 de outubro. A avaliação contou com 88 produtos de diferentes marcas e verificou a composição de todas elas, atestando se a quantidade de creatina indicada no rótulo condiz com o que realmente tem no produto.

Entretanto, logo no início do texto de divulgação da análise, uma informação chama atenção: "Importante salientar que as empresas Supley (fabricante marcas Probiotica e Max Titanium), BRG (Integralmedica e Darkness), Rainha Laboratórios (Body Action) e Dux Nutrition tiveram seus produtos analisados, porém entraram com medidas jurídicas para não divulgação dos resultados".

O atrito entre a associação e algumas marcas não é novidade. Em julho de 2023, a Abenutri também lançou um laudo com a avaliação de creatinas disponíveis no mercado brasileiro e os resultados geraram controvérsias e brigas nos bastidores, como VivaBem já mostrou. As análises divulgadas neste mês provocaram novos debates e acusações entre empresas e associações que representam o mercado.

'Programa de automonitoramento': análise das creatinas do mercado

A análise feita pela Abenutri é chamada de PAM (Programa de Automonitoramento do Mercado) e surgiu, segundo o presidente da associação, Marcelo Bella, como uma sugestão de representantes da Anvisa feita diretamente a ele. "Assim, desenvolvemos e criamos o PAM, que vem realizando testes em proteínas e creatinas desde 2022".

Algumas empresas, porém, não reconhecem a autonomia da Abenutri para a realização destes testes e entraram com medida judicial proibindo a divulgação. Segundo a associação, essas marcas tiveram seus produtos analisados, mas a divulgação dos laudos está proibida. "A decisão de alguns juízes em conceder tais liminares é irresponsável, pois há muitos casos já conhecidos de envenenamento por intoxicação de alimentos e medicamentos adulterados, com graves consequências", ressalta Marcelo Bella.

O que dizem as marcas que proibiram divulgação?

O VivaBem contatou todas as empresas que entraram com liminar proibindo a divulgação dos seus laudos. Obtivemos resposta, até a publicação desta reportagem, das empresas Supley, Rainha Laboratórios e BRG.

O Grupo Supley esclareceu que optou pela medida judicial por conta da "postura controversa" da Abenutri diante do mercado e de seu histórico de avaliações que "não seguem os padrões técnico-científicos estabelecidos pelos órgãos competentes".

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"A Anvisa e o próprio Grupo Supley realizam análises rotineiras de todos os produtos e marcas fabricados pela empresa, sem qualquer registro de inconformidade", diz um trecho do posicionamento.

A Rainha Laboratórios, fabricante da marca Body Action, também disse que os testes realizados pela Abenutri não têm "o rigor técnico necessário para esse tipo de análise" e que a associação "não tem autorização legal para fiscalizar qualquer empresa".

"Nossa advogada, Ana Maria Benoti, levantou todas as atas de assembleias da Abenutri e descobriu que a diretoria é formada apenas pelo Marcelo Bella, seus filhos e o youtuber contratado para falar mal da concorrência (Felix Bonfim), ou seja, as mesmas pessoas que fazem parte do quadro de colaboradores e beneficiários da GDS Grow Dietary Supplements do Brasil (Black Skull), provando que não representam os interesses do mercado, mas apenas os interesses da própria empresa", diz a nota.

O grupo BRG também se manifestou e disse que considera que o laudo elaborado pela Abenutri "foi realizado de forma inadequada e não atende aos critérios técnicos necessários para avaliações de substâncias e produtos do mercado". A nota diz que o produto da BRG citado foi aprovada nos laudos e testes da Abenutri, "porém a Integralmedica não quer estar vinculada a algo que não acredita e que considera fora dos padrões, por isso não autorizamos a divulgação dos testes".

A empresa DUX foi procurada, mas não respondeu às perguntas até a publicação desta reportagem.

Resultados dos testes

A Abenutri garante que a análise de creatinas do mercado de suplementos alimentares seguiu critérios rígidos durante todo o processo de avaliação. Neste ano foram 88 creatinas analisadas, todas compradas em lojas para uma maior idoneidade.

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"Após a escolha dos produtos, eles são comprados em três unidades de cada, nas principais lojas nas plataformas digitais. Verificamos se os produtos estão dentro da validade e enviamos ao laboratório Eurofins para análise por cromatografia em padrão analítico para teor de creatina", explica Bella.

Ou seja, uma análise é feita para atestar se a quantidade de creatina que o produto diz ter está dentro da regulação da Anvisa, que permite uma máxima variação no teor de creatina de 20%. Assim, todas as marcas que apresentaram variação acima deste valor, foram reprovadas.

Na avaliação, 77% dos produtos foram aprovados e 23% reprovados, levando em consideração a determinação da Anvisa. Dos reprovadas, 56% dos produtos apresentaram uma variação de -100%. "A variação máxima permitida pela Anvisa é de -20% do teor encontrado em relação ao informado no rótulo, ou seja, a empresa informa 3 g de creatina e é encontrada uma variação de - 20%, significa que foi encontrada 2,4 g na dose, e assim por diante", explica Bella. "Assim, -100% = zero de creatina encontrada na dose informada pelo fabricante."

Confira a seguir a lista com todas marcas aprovadas e reprovadas:

Marcas e produtos aprovados (variação de 0 a 5%, dentro das normas da Anvisa)

Adaptogen: Creatine, Creatine Super e Hd Cret

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Ast Sports Science: Micronized Creatine

Atlhetica Nutrition: 100% Creatine Flavour

Black Skull: Creator, Creatine, Creatine Turbo

Body Shape: Creatina Pura

Bruthal Sports: Creatina

Cellgenix: German Creatine

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Dark Lab: Creatine

Elemento Puro: Creadop Creapure

Eleva Nutrition: Creatina

Equaliv Creatina: Creapure

Espartanos: Creatina 100% Pure

Euro Nutry: Creatine Powder 100%

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Extreme Action: Creatine

Extreme Nutrition: 100% Creatina

Fisio Nutri: Strong Creatine 100% Pure

Ftw: Creatina Monohidratada

Growth Sup: Monohidratada Creatine

Health Labs: Creatina Gourmet

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Iridium Labs: Atlas Creatina

Leader Nutrition: Creatine Micronized

New Millen: Creatine Atp

New Nutrition: Creatina

Nitro Max: Max Creatina

Nutrata Creatine: Creapure

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Optimum Nutrition: Micronized Creatine

Pro Corps: Creatine

Pro Healthy: Creatine Micronized

Pura Vida: Creatina Premium

Qnt Move: Creatine

R74 Premium: Creatina 100% Pura

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Shape Nutrition: 100% Creatine Pure

Smart Fit Supps: Creatina Smart e Creatina 100% Pura

Soldiers Nutrition: Creatina

Top Way: Creatina

Underlabs: Creatine Fuze

Universal: Creatine

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Venom Labs: Pure Creatina Monohydrate

Vitafor: Creatine

Vitamax Nutrition: Creatina 100% Pura

X Pro Nutrition: Kreat

Zupler: Creatine

Marcas e produtos aprovados (variação de 5,1% a 10%, dentro das normas da Anvisa)

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+MU: Creatina Monohidratada

Canibal Inc.: Creatina Plus

Evorox Nutrition: Evo Creatine

Nutrex Research: Creatine Drive

Shark Pro: Energy Creatina

Marcas e produtos aprovados (variação de 10,1% - 20%, dentro das normas da Anvisa)

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Demons Lab: Creature Evolution e Creature 100% Pure

Hardcore Sports Nutrition: Creatina

Profit Lab: Creatine Power

Red: Brutal Creatine

Synthesize: Creatina Powder

Vitamax Nutrition: Creatine Booster

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Brn Foods: Premium Creatina

Marcas e produtos reprovados (variação de -21% a -99%, fora das normas da Anvisa)

Dark Dragon: Crea Delite

Demons Lab: Creature

Evolution Nut.: Creawell

Melius Nutrition: Creatina 100%

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Muscle Full: Creatina

Prosize: Creatine

Sci Nutrition: Creatina Pura

Wise Health: Creatine Monohydrate

Marcas e produtos reprovados (variação de -100%, fora das normas da Anvisa)

Age: Creatine Monohidratada

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Cellucor: Creatin

Dymatrix Nutrition: Creatina Monohidrate

Generic Labs: Creatina Monohidratada

Impure Nutrition: Creatina

Intlab Power: Creatina

Iron Tech Sports Nutrition: Creatina Monohidratada

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Muscle Pharm: Creatine

Nft Nutrition: Creatina 100% Pura

Tribe Nutrition: Creatina Monohidratada

Análise gera disputa de narrativa entre associações

Algumas das marcas citadas se aliaram a Brasnutri (Associação Brasileira dos Fabricantes de Suplementos Nutricionais e Alimentos para Fins Especiais) contra a atuação da Abenutri com relação às análises de creatinas.

"Sobre os laudos em questão, afirmamos que a Abenutri não dispõe de uma área técnica qualificada que confere legitimidade à análise dos laudos, sendo esses assinados pelo coordenador do Programa de Automonitoramento (Félix Bonfim), que não possui atribuição legal para tamanha responsabilidade", disse Bruno Busquet, presidente da Brasnutri, ao VivaBem.

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A Brasnutri esclarece que não concorda com o processo e com a metodologia de análise usados pela Abenutri, destacando que apenas o monitoramento e a fiscalização realizados pela Anvisa oferecem uma comprovação isenta de controvérsias.

"A Anvisa complementa os esforços regulatórios com análises adicionais e individuais, afinal, ela é o único órgão oficial responsável pela regulamentação, monitoramento e fiscalização do mercado. Qualquer estudo realizado fora desses padrões não pode ser considerado legítimo, de fé pública e está sujeito a questionamentos quanto à sua validade", disse o presidente da Brasnutri.

Quando os laudos do ano passado foram divulgados, o VivaBem conversou com a Anvisa, que disse não estabelecer ranking de produtos, porém, reforçou que estudos feitos pelo próprio mercado (como esses testes feitos pela Abenutri) são importantes e sinalizam parâmetros de automonitoramento, podendo até mesmo servir para subsidiar futuros estudos e investigações da Agência.

Porém, vale destacar que os testes da Abenutri não são regulamentados diretamente pela Anvisa, apesar de esta aprovar a atitude da Abenutri em avaliar o mercado. Esse é mais um fator que gera controvérsia e questionamento das marcas que entraram com ação judicial. Marcelo Bella, porém, garante que a Abenutri segue as normas da Anvisa.

"A Brasnutri diz que nós da Abenutri não seguimos as RDCs [sigla para Resolução da Diretoria Colegiada, um tipo de regulamentação técnica] da Anvisa para a testagem dos produtos. Para você ter uma ideia como eles são mentirosos, quando a empresa vai participar do programa de automonitoramento, ela recebe uma correspondência, depois, quando ela recebe o resultado, ela recebe a cópia integral do laudo do Laboratório Eurofins — e está lá no laudo o número da RDC, que a Anvisa avaliza o teste", garante Bella.

Representantes da BRG fazem questão de rebater estas afirmações do presidente da Abenutri, alegando que a Anvisa não a reconhece como legítima representante da categoria. Para isso, usa um ofício emitido pela própria agência (Nº 383/2022/SEI/DIRE4/ANVISA) que diz: "A Agência tem conhecimento de que a entidade (Abenutri) desenvolve e executa um Programa de Automonitoramento de Mercado. Entendemos que ações de autorregulação são bem-vindas, mas deixamos claro à entidade que a execução e desenvolvimento do referido Programa são de responsabilidades exclusivas da Abenutri".

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A Anvisa diz que se interessa em receber os relatórios anuais do Programa realizado pela Abenutri, que poderão ser usados como fonte de informação para apoiar as ações de competência da Agência. "No entanto, foi ressaltado que, para as ações fiscalizatórias de competência da Anvisa, é necessária a realização de análise fiscal, conforme os dispositivos do Decreto-Lei no 986/69", diz um trecho do ofício.

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