'Somos uma ponte': famílias acolhem bebês até serem adotados

A aposentada Ivone Mucci, 65, e sua filha Andressa, 25, que é designer, têm a guarda provisória de um menino de 8 meses desde fevereiro, mas elas não irão adotá-lo —nem tampouco estão no cadastro nacional de adoção. Elas cuidam para que ele possa se desenvolver e criar vínculos de amor, carinho e cuidado até voltar à família de origem ou extensa — avós, tios, primos— ou ser encaminhado a uma nova.

Mãe e filha são voluntárias no serviço de acolhimento pela Associação Santa Fé, uma ONG de São Paulo que atua com bebês de 0 a 2 anos em situação de vulnerabilidade, cuidando e protegendo-os enquanto estão afastados de seus parentes em razão de violação de direitos.

Este é o terceiro bebê que elas acolhem. "Somos uma ponte", fala Ivone. O objetivo principal é sempre buscar o melhor para a criança e garantir sua segurança, estabilidade e bem-estar a longo prazo.

Ela conta que descobriu o programa ainda durante a pandemia, pela internet, fez o curso de capacitação e logo foi contata para receber o primeiro bebê. "A questão do apego é uma pergunta constante que todos fazem ao saber do programa de acolhimento. No entanto, sabe-se que haverá esta ruptura." O máximo de tempo que cada família acolhe é de 18 meses.

Segundo Ivone, quando a criança sai do acolhimento temporário para adoção, passa-se, sim, por um processo de luto, mas, em suas palavras, deve-se pensar na criança e no bem-estar dela, em primeiro lugar.

O programa deixa a critério das famílias manter ou não o contato. Ivone e a filha mantém amizade com os pais do segundo bebê de que cuidaram.

Mudar a história de uma criança

"Eu sempre penso na mamãezinha e no paizinho que estava esperando lá do outro lado. Estou cuidando do pedacinho mais precioso para aquele casal. Não há preço você entregar uma criança para alguém que sonhou tanto tempo", afirma a empreendedora Thriza Martinez, 46. Ela e o marido Alexandre, 48, serralheiro, que têm um filho de 3 anos, acolhem uma menina de 8 meses.

Thriza com marido e filho
Thriza com marido e filho Imagem: Arquivo pessoal
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Para ela, não há nada que pague a sensação de saber que você está fazendo a "diferença na vida de alguém que não sabe nem se defender" e que você foi o porto seguro em um momento tão delicado da vida dele.

Claro que, quando vai embora, é uma mistura de sentimentos, mas há algo muito maior que nos reconforta. Sente-se tristeza porque a criança está indo, mas, ao mesmo tempo, fica-se feliz porque a história dela está continuando. Thriza Martinez

Ela e o marido já acolheram um menino quando o filho deles tinha um pouco mais de um ano. "Se eu puder ficar com uma criança para que ela não passe por abrigo e mudar a sua história, é isso que quero."

Como funciona o acolhimento familiar

Na Associação Santa Fé, em dois anos do programa foram acolhidos 14 bebês em 12 famílias, mas existe potencial para mais 24 famílias acolhedoras, segundo Andrea Barbosa, coordenadora do Projeto Família Acolhedora na ONG.

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Os interessados passam por entrevistas e avaliações com psicólogo e assistente social e só depois participam da capacitação, onde passam a compreender o acolhimento e a questão do vínculo com a criança.

Entre os requisitos para acolher os bebês estão:

idade acima de 25 anos;

ter condições adequadas de moradia;

não ter interesse de adotar e não estar no Cadastro Nacional de Adoção;

não possuir antecedentes criminais;

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ter boas condições de saúde física e mental;

ter disponibilidade de afeto e tempo para cuidar de bebês de 0 a 2 anos;

todos os membros de família candidata precisam concordar.

Podem se candidatar pessoa singular com rede de apoio, casais e famílias, seja qual for a configuração.

"Ensinamos às famílias e às crianças que existe a transferência de vínculo afetivo e que pode ser reproduzido ao longo da vida toda, de maneira saudável", esclarece a coordenadora na Santa Fé.

As famílias são voluntárias e as crianças recebem auxílio financeiro para custear alimentação, vestimenta e cursos, como de natação.

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Serviço é pouco conhecido

O artigo 34 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que o acolhimento em famílias acolhedoras deve ser prioritário em relação ao acolhimento institucional. Porém, não é o que acontece na prática, o serviço ainda é pouco conhecido.

No estado de São Paulo, existem mais de 9.000 crianças e adolescentes acolhidos em serviços de acolhimento institucional e apenas cerca de 500 em famílias acolhedoras.

O serviço é gerido pelos municípios, por meio do órgão gestor da Assistência Social ou por organizações da sociedade civil, as OSC, selecionadas por chamamento público e financiadas com recursos públicos.

O Governo de São Paulo e o Ministério Público do Estado de São Paulo assinaram um acordo no início do ano para ampliar o Serviço de Família Acolhedora. Apenas 52 cidades possuem o serviço e o acordo pretende alcançar os 645 municípios do estado.

Para mais informações, as famílias podem acessar o site: www.ei3familiaacolhedora.com

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