'Colocar outro vírus em mim?': medo de vacina da dengue é herdado da covid

Uma pesquisa feita no Brasil mostra como as pessoas e as comunidades lidam com a prevenção de dengue, zika e chikungunya. O estudo, divulgado nesta quinta-feira (24) e feito pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) com apoio da biofarmacêutica Takeda, foi realizado com moradores de Sinop (MT) e Montes Claros (MG).

Pandemia de covid-19 impactou prevenção

Hesitação vacinal herdada da pandemia. A pesquisa mostrou que a experiência com a vacinação durante a pandemia é frequentemente trazida ao discutir o tema, tanto entre aqueles que tomariam quanto entre os que não tomariam o imunizante contra a dengue.

Na pesquisa de campo em Sinop (MT), houve repetidas manifestações de desconfiança sobre a vacina da dengue. As razões apontadas para a hesitação foram a crença de que a vacina não foi testada por tempo suficiente, de que poderia induzir dengue em vez de proteger dela e de que poderiam ocorrer efeitos colaterais graves (perda de visão, problemas cardíacos). Pessoas com esta atitude também desconfiavam da vacina de covid-19, por razões muito similares.

Já em Montes Claros (MG), todos os entrevistados confiavam na vacina de dengue. A diferença entre as cidades mostra o efeito do mensageiro e comunicador sobre a crença na mensagem. Isso indica que pode haver resistências em determinados contextos para que a vacina da dengue atinja a cobertura esperada, sendo a hesitação uma das causas.

É necessário combater notícias falsas e reforçar a confiança na segurança e eficácia das vacinas. Em contextos com maior desconfiança, é fundamental reforçar a comunicação com mais de um agente (esferas de governo, sociedade civil, postos de saúde e agentes de endemias), segundo estudo.

Se tivesse vacina contra a dengue, você tomaria? Eu não tomaria, não. Por que não? Por que vai botar outro vírus de novo em mim? A do covid tomei, mas não quero mais, porque eu passei mal, porque todas as vacinas é vírus morto para combater, aí vai que ele vive. Participante de Sinop, de 35 a 50 anos, Classe DE

Vacina é segura, eficaz e pode prevenir contra dengue. A vacina, chamada de Qdenga, é um imunizante tetravalente produzido a partir do vírus vivo atenuado, ou seja, enfraquecido. Essa condição pode melhorar a resposta do sistema imunológico, funcionando de forma semelhante à defesa do corpo humano nos casos de infecção pela dengue.

Caixas com primeiras doses de vacina contra a dengue em São Paulo
Caixas com primeiras doses de vacina contra a dengue em São Paulo Imagem: 16.fev.2024-Divulgação/Governo de São Paulo

Outros achados da pesquisa

Quem nunca teve a doença tende a não acreditar na gravidade. A percepção de risco e as práticas de prevenção podem aumentar em situação de epidemia, mas relaxar quando não há.

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Eu não tinha cuidado [antes de pegar] porque eu não sabia. Aí, depois que peguei, eu passei a cuidar. (...) Queremos ter um cuidado maior ainda, porque fico com medo de pegar nos meus filhos, porque se eu peguei e quase morri, imagina eles que são crianças. A criança não aguenta. [Vocês acham que crianças e idosos sofrem mais com isso?] Muito mais, idoso também. Participante de Montes Claros, de 20 a 34 anos, Classe DE

Práticas preventivas são vistas como algo complexo. A limpeza de calhas, caixas d'água e locais de difícil acesso são tidas como algo difícil, demorado, complexo, para o qual as pessoas não têm tempo ou disponibilidade.

Custos financeiros impactam. Especialmente em locais mais vulneráveis, gastar recursos para a limpeza de caixa d'água, compra de repelentes, entre outros, pode não ser viável.

Participar de organizações de bairro está associado a um aumento das práticas de prevenção. Mas, em várias regiões, muitas pessoas não conhecem seus vizinhos, não se veem como parte de um grupo, e não há uma organização coletiva para cuidar do bairro. Muitas pessoas se sentem moralmente obrigadas a cumprir práticas de prevenção que acreditam que é esperado delas.

Estrutura urbana faz diferença. A falta de coleta de lixo e a presença de terrenos baldios estimula o descarte inadequado de lixo.

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Imagem: iStock
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Atuação dos agentes está associada à diminuição das arboviroses. Em alguns lugares, no entanto, pode não haver agentes suficientes, ou pode haver obstáculos na relação dos agentes com a comunidade.

Baixa confiança no poder público atrapalha. A baixa confiança nos órgãos de governo pode ser uma barreira para que se siga orientações de saúde e prevenção.

Metodologia da pesquisa

Pesquisa usou modelo de Determinantes Comportamentais (Behavioural Drivers Model, na sigla em inglês). Método desenvolvido pelo Unicef considera que o comportamento é multideterminado por aspectos psicológicos, sociológicos e ambientais (incluindo as políticas públicas).

Etapa qualitativa foi realizada com 24 grupos etnográficos. As entrevistas foram conduzidas na casa das pessoas, com participantes de seu próprio círculo social, em dois municípios de médio porte, selecionados através de dados epidemiológicos.

Coleta qualitativa de percepções com populações foi realizada nos municípios de Montes Claros (MG) e Sinop (MT). Estudo considerou ainda entrevistas com gestores públicos de outras oito cidades das regiões da Amazônia e do Semiárido.

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Locais foram selecionados por apresentarem alta incidência de casos de dengue. Cidades também integrarem a lista de municípios prioritários do Ministérios da Saúde para ações de combate às arboviroses e estão localizados na área de atuação da iniciativa Selo Unicef.

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