Dormir muito é tão perigoso para sua saúde quanto dormir pouco
Basta dormir menos horas do que o costume que você já sente os efeitos negativos: corpo cansado, mau humor e sonolência durante o dia. No longo prazo, a falta de sono aumenta o risco de transtornos do humor, como depressão e ansiedade.
Mas tão ruim quanto dormir pouco é dormir muito. "Estatisticamente, sabemos que os que dormem mais de nove horas e os que dormem menos de sete horas vão ter mais problemas de saúde", diz o psiquiatra Eduardo Ruffa, presidente da área de medicina do sono e cronobiologia da APSA (Associação de Psiquiatras da Argentina).
Esse entendimento, porém, é mais por associação numérica do que uma relação de causa e consequência. Ainda não se sabe exatamente como a falta ou excesso de sono se conecta a doenças.
Segundo o médico, uma pequena porcentagem de pessoas dorme por dez horas porque o organismo realmente precisa. "A maioria vai dormir por dez horas porque tem um problema. O sono não rende, e a pessoa vai dormir dez como se tivesse dormido por cinco horas, porque tem pouca eficiência de sono", disse Ruffa a VivaBem, após apresentar o tema na 41ª edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria.
Essa baixa eficiência pode ser resultado da apneia do sono, por exemplo, em que há bloqueio das vias aéreas, o que dificulta a respiração. Ao mesmo tempo, a apneia aumenta o risco de doenças cardiovasculares.
Para quem dorme muito ou pouco, o risco à saúde cresce para:
Doenças cardiovasculares;
Doenças neurodegenerativas: dormir mal pode aumentar o risco de demência, além de comprometer a memória;
Obesidade: ao mesmo tempo que as variáveis do sono (horário, duração, qualidade) estão associadas ao aumento de peso, a obesidade contribui para distúrbios do sono. Ruffa lembra que pessoas com IMC acima de 30 estão no grupo de risco para apneias.
É importante lembrar também que cada pessoa terá uma necessidade de sono diferente. Há quem durma por menos de cinco horas ou mais de dez e se sinta bem.
Nem muito, nem pouco: ausência
Sete em cada dez brasileiros sofrem de transtornos relacionados ao sono, entre eles, a insônia. O problema é mais frequente em mulheres e pessoas com problemas socioeconômicos.
Temos que identificar esses grupos de risco e tentar medidas que não sejam tão generalizadas, ainda mais para as mulheres que, dependendo da idade, têm o sono alterado, como as que estão perto ou na menopausa. Eduardo Ruffa, psiquiatra
De modo geral, espera-se que as pessoas adotem medidas saudáveis para boas noites de sono: manejo do estresse, peso adequado, alimentação saudável e prática de exercícios físicos. Ensinar essas estratégias é o que os profissionais de saúde mental chamam de psicoeducação. Mas a qualidade do sono é influenciada por fatores externos que, por vezes, estão fora do controle.
Sono não é problema individual
Ruffa dá um exemplo: uma pessoa é orientada a dormir por oito horas, em um ambiente tranquilo, escuro, não muito quente nem muito frio, mas ela diz que não consegue dormir porque escuta tiros no bairro. Nesse caso, orientações sobre higiene do sono não bastam, porque o que se precisa é de segurança nas ruas. A discussão sobe de patamar, para a esfera de políticas públicas. "Seu sono não é um problema seu apenas, é meu e de todos os demais", ele diz.
As intervenções para a boa saúde do sono é uma soma de esforços que vai além do nível individual e inclui:
Aspectos culturais e demográficas para grupos de maior risco, analisando as particularidades de cada pessoa;
Ações familiares, uma vez que o comportamento de sono de uma pessoa influencia no padrão de sono e vigília de quem mora com ela (por exemplo, alguém que dorme com outra que ronca);
Medidas comunitárias, em termos de infraestrutura do local e condições ambientais (prédios, luminosidade, barulho);
Intervenções sociais, com ações vindas de políticas públicas e de lideranças locais, por exemplo.
Remédios para dormir
O especialista da APSA considera "elevado e alarmante" o uso de remédios para o tratamento de transtorno de insônia. Ele observa que a adesão às medicações ocorre em meio a uma vida agitada, sem tempo ou acesso a outras técnicas de cuidado.
"A primeira escolha de tratamento para os transtornos do sono nunca são os medicamentos, embora sejam as primeiras coisas que as pessoas recebem", afirma.
O psiquiatra Almir Tavares, coordenador do Departamento de Medicina do Sono da ABP, falou sobre o uso racional de hipnóticos e drogas Z (como zolpidem, zaleplona e zopiclone). A classe de medicamentos é aprovada para tratar insônia, mas pouco se sabe sobre a utilização em longo prazo.
As evidências apontam que elas são bem toleradas no curto prazo (até quatro semanas), com estudos de eficácia em até 12 meses, mas o que se vê é o uso por tempo superior. Entre os efeitos colaterais dessas medicações, ele cita:
Sonolência durante o dia;
Dor de cabeça;
Boca seca e amarga;
Sonambulismo;
Comprometimento cognitivo;
Impulsividade;
Queda e fraturas;
Acidente veicular.
Camilla Pinna, especialista em medicina do sono e preceptora da residência médica em psiquiatria do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ, falou sobre como as drogas Z reduzem a performance na condução de veículos.
A sedação residual tem sido um problema bastante observado, que acontece pelo prolongamento do efeito hipnótico na vigília. O paciente pode ficar sonolento, mas também pode ter prejuízos na performance psicomotora mesmo que se sinta acordado. Camilla Pinna, especialista em medicina do sono e secretária geral do Departamento de Medicina do Sono da ABP
Com isso, as drogas Z têm sido associadas a acidentes de trânsito fatais e não fatais. "Foi observado que, entre as pessoas que eram atendidas em acidentes de trânsito, teve um aumento bem importante da prevalências de testes positivos para medicações controladas", diz Pinna.
Tavares também mencionou o uso de melatonina, autorizada no Brasil como suplemento alimentar. "Não é medicamento, e aí você tem uma série de dúvidas sobre a qualidade desse suplemento. Isso não é tão regulado como ocorre com medicamentos", disse.
A substância é indicada para transtornos do ritmo circadiano, mas se tornou uma das substâncias mais usadas para induzir o sono —de forma errônea, segundo o médico. "Nós não temos evidências para propor que ela deva ser usada na insônia do adulto."
*A repórter viajou a Brasília a convite da Associação Brasileira de Psiquiatria
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