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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Quero partir antes de chegar ao limbo. Defendo eutanásia porque amo viver'

De VivaBem, Em São Paulo

25/10/2024 05h30

Sentado em sua cadeira de rodas com um cabo de vassoura acoplado ao cortador de grama, Edison Ferreira, 63, percorre um gramado aparando os ramos da propriedade onde vive com a esposa, filhos e netos em Bragança Paulista (SP). Esse é um hábito que ele preservou, mesmo com o tronco e as pernas quase totalmente paralisados.

Edison tem tetraparesia —a perda das funções motoras dos membros e do tronco—, provocada por uma doença genética conhecida como distrofia muscular de Becker.

O quadro leva à degeneração e à perda progressiva de toda a massa e controle muscular —e não tem cura. É por isso que Edison quer ter um direito: o de escolher quando será sua hora de "morrer" ou, como prefere dizer, de se "desligar de uma vez".

Direito de decidir

Diagnosticado aos 17 anos, ele sabia que, com o passar do tempo, perderia os movimentos gradativamente e se tornaria uma pessoa com deficiência.

O quadro se agravou em 2015 e, aos 54 anos, ele precisou ir para a cadeira de rodas. Desde então, tem visto a doença avançar progressivamente e sua autonomia diminuir.

Também acompanhou, com sofrimento, a agonia de um parente com a mesma condição. Ver o primo seis anos mais novo morrer com a doença aos 52 anos fez com que Edison começasse a pensar na possibilidade da eutanásia, um procedimento proibido no Brasil.

Sou a favor da eutanásia porque amo viver e reconheço o que é realmente viver. Infelizmente, meu primo morreu bem acometido pela doença, com a língua de fora, pois não tinha mais como colocá-la para dentro. Não penso em como vou morrer, mas em como vou viver. Sempre fui muito prático, nunca fui romântico.
Edison Ferreira

Edison e sua família sempre tentam sair juntos, apesar das limitações. Imagem: Arquivo pessoal

Hoje, Edison só consegue se locomover com a cadeira de rodas e depende da esposa para realizar tarefas do dia a dia, como se alimentar, tomar banho e fazer as necessidades básicas.

O sofrimento de se 'desligar aos poucos'

Outro ponto que o angustia é a possibilidade de se ver "desligando" aos poucos, uma vez que a doença não afeta a capacidade cognitiva.

"Quando meu primo morreu, fiquei ainda mais alerta. Todo o conjunto neuromuscular dele estava comprometido, mas o cognitivo, não. Então, ele se viu parando e entendeu, pois a doença não afeta a cognição", diz.

Eu quero me desligar não quando a vida quiser, mas quando achar que deve ser. Vou até onde a vida me permitir, mas quero partir antes de chegar ao limbo. Quem é contrário a isso é por egoísmo.
Edison Ferreira

Tabu e a busca pela eutanásia

Edison, que é formado em tecnologia da informação e trabalhou na área antes de se aposentar, fez uma pós-graduação em gerontologia antes de os sintomas se agravarem, para compreender melhor sua condição.

A expectativa é que, com o avanço da doença, consiga ir a países como a Suíça ou a Holanda, onde o suicídio assistido ou eutanásia são permitidos —sob uma série de regulamentações e avaliações psicológicas para aprovar o procedimento em cada caso.

Edison Ferreira operando seu cortador de grama adaptado, em sua propriedade. Imagem: Arquivo pessoal

A família, apesar de entender sua busca, se mostra contrária à ideia da realização da eutanásia. "Se isso é um desejo dele, devo respeitar. Ele fala muito de ter a possibilidade de escolher se um dia estiver totalmente inválido", diz o filho, o gerente comercial Fernando Tavares, 33, que vive com Edison e explica ser contra a ideia do pai.

Já a esposa, Maria Ferreira, 56, que o acompanha em todas as atividades diárias, tem conseguido enxergar aos poucos com outros olhos a questão.

A gente sempre gostou de fazer tudo juntos. Regar e cuidar da nossa hortinha é uma das coisas preferidas. Estamos juntos há 41 anos, sabíamos desde a adolescência que um dia ele se tornaria uma pessoa com deficiência. Entendo esse desejo dele, mas ainda estou em processo de aceitação.
Maria Ferreira

Edison Ferreira, 63 e sua esposa Maria Ferreira, 56, que o auxilia nas atividades diárias. Imagem: Arquivo pessoal

"Quando a gente fala em eutanásia, as pessoas ficam assustadas, mas eu quero viver. Quando penso em eutanásia, não é para fazer uso dela agora", explica Edison, que hoje mora com toda a família, justamente para que apoiem uns aos outros.

Como é a doença

A distrofia muscular de Becker afeta diretamente as fibras musculares, explica o neurocirurgião Wuilker Knoner, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e doutor em neurociências. "Devido à falta de uma proteína chamada distrofina, os músculos começam a se deteriorar, dificultando movimentos simples e, em casos avançados, até respirar e engolir."

A doença não afeta a cognição, o que significa que as funções mentais e o intelecto dos pacientes permanecem intactos, mas eles comumente experimentam dificuldades emocionais e psicológicas devido aos desafios físicos da condição. Atualmente, não há cura e a doença é progressiva.
Wuilker Knoner

Os tratamentos podem aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida, diz o neurocirurgião Renato Andrade Chaves. "Terapias físicas, uso de órteses e medicamentos como corticosteroides podem ajudar a retardar a progressão muscular. Pesquisas em terapias genéticas estão em andamento, mas ainda não estão amplamente disponíveis. O suporte psicológico e cuidados paliativos são cruciais."

Pacientes com doenças degenerativas como a distrofia muscular de Becker podem vivenciar diversos tipos de sofrimento, incluindo emocional e físico. "Se deparam com questões sobre o significado da vida, dignidade, e valor pessoal em face da deterioração física", diz a psicóloga Alessandra de Freitas, especialista em terapia cognitivo comportamental.

O que é a eutanásia?

A palavra eutanásia vem do grego "eu" (bem) e "thanásia" (morte). Significa "boa morte" ou "morte tranquila".

O procedimento consiste na antecipação da morte de pacientes com doenças incuráveis. Nele, a morte de um paciente é induzida após o seu consentimento. Em geral, ocorre com o auxílio de um médico e por meio de injeção letal e indolor.

Em países onde a eutanásia é permitida e regulamentada por lei (Bélgica, Canadá, Colômbia, Holanda e Luxemburgo), há condições específicas para a sua realização, como existência de doença incurável, sofrimento exacerbado e altos índices de dores, mediante comprovação médica.

A Holanda foi pioneira na aprovação de uma lei que torna a eutanásia um direito. A legislação entrou em vigor em 2002 e condiciona o procedimento a pacientes que estejam em sofrimento físico ou mental profundo.

Eutanásia é diferente de ortotanásia. A ortotanásia não prolonga e nem abrevia a vida, ou seja, é a morte natural. Nesses casos, os médicos podem limitar ou suspender tratamentos quando não há chance de melhora.

Termo também difere de suicídio assistido. No suicídio assistido (também permitido mediante uma série de normas em poucos países, como Holanda e Suíça), a pessoa que solicita o procedimento tem acesso a uma substância letal, que deve ser ingerida ou aplicada por ela própria. O suicídio assistido na Suíça foi a forma escolhida pelo poeta Antonio Cicero para morrer.

O que diz a lei brasileira

No Brasil, a eutanásia e o suicídio assistido são proibidos. Os termos ou expressões referentes a esses procedimentos não constam no Código Penal, mas quem praticá-los pode ser acusado de homicídio doloso.

Pena de até 20 anos. De acordo com o Código Penal brasileiro, as penas para quem causa a morte de um doente podem variar de dois a seis anos, quando comprovado motivo de piedade, a até 20 anos de prisão.

Diferentemente da eutanásia e do suicídio assistido, a ortotanásia foi regulamentada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) em 2006. Segundo a resolução, o médico responsável deveria ministrar os cuidados necessários para aliviar sintomas que levem ao sofrimento do paciente.

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