'Engordei 14 kg ao tratar 3 meses uma alergia que na verdade era ansiedade'
A designer de moda e modelo Eduarda Paixão, 30, começou a perceber, em novembro de 2022, sinais no corpo provenientes do que ela soube mais tarde ser fruto da ansiedade. A crise foi tratada inicialmente como alergia, o que causou ainda mais impactos à vida de Eduarda. A VivaBem, ela conta sua história.
'Minha vida parou de fazer sentido'
"Estava meio perdida na profissão e isso vinha me consumindo. Tinha também a cobrança para o Instagram, de ter de postar, criar conteúdo, fazer e aparecer.
Paralelamente a isso, tinha a responsabilidade de cuidar da minha bisavó de 94 anos e do meu irmão de 17 anos —que veio morar comigo para me ajudar.
Minha mãe, vendo meu cansaço, achou melhor que minha bisa fosse morar com ela e, de repente, me vi sozinha em casa. E a vida parou de fazer sentido.
Nesse período comecei um relacionamento a distância, com um namorado que mora em Morro de São Paulo, uma ilha a cerca de 2h30 de Salvador.
'Glote fechando e corpo empolado'
Foi quando, em novembro de 2022, começaram os primeiros sintomas em meu corpo. Manchas surgiram na barriga, pernas, rosto e não fazia ideia do que poderia ser.
Fui para a emergência do hospital, com a glote fechando, corpo todo empolado e todo médico achava que era alergia. Fiz vários exames e nada era detectado.
Tomei corticoide por três meses, além de antialérgicos na veia. E, nesse processo, acabei engordando e retendo líquido. Quando vi, estava com 14 kg a mais. Isso me impactou muito, porque sempre trabalhei com meu corpo, sou modelo e fazia muito evento, fotos e parei com tudo porque não me reconhecia quando olhava no espelho.
Depois de alguns meses nesse processo, sem solução, meu namorado levantou a possibilidade de tudo ter um fundo emocional.
No começou, não aceitei: era muito difícil aceitar que precisava de ajuda. Logo eu, que me considerava uma pessoa forte, que cuidava de tudo e resolvia tudo para todo mundo.
'Aceitei que estava mal'
Fui em busca de terapia, tive o diagnóstico confirmado de ansiedade e aceitei que estava mal, que precisava mergulhar em mim e entender os gatilhos para tudo aquilo. E foi um mergulho intenso.
Decidi sair das redes sociais, porque percebia que ficava mais ansiosa e mais crise eu tinha. Estar online, mas não produzir, não aparecer (devido às manchas) me deixava ansiosa. Além das coisas que consumia por lá, que também me deixavam mal. Fiquei um ano afastada.
Aos poucos, durante o processo de terapia, as manifestações no meu corpo foram diminuindo, até que, 1 ano e 8 meses depois, elas pararam completamente de surgir. Ainda tenho algumas manchas de cicatriz causada pelas coceiras, mas nada que me incomode.
Também ainda não perdi completamente os 14 kg que ganhei, mas estou no processo e me sentindo cada vez melhor. Percebi que o pior havia passado, que a ansiedade não tem cura, mas é controlada.
Hoje, as redes sociais são um instrumento de trabalho para mim, não me sinto mais com obrigação de sempre estar produzindo e presente em tudo. Estou mais seletiva com as pessoas com quem eu ando, quem eu sigo, conteúdos que consumo e o que posto, se têm algum tipo de relevância e pode ajudar alguém.
Hoje não tenho mais aquela obrigação de dar satisfação nas minhas redes sociais."
Manifestações físicas da ansiedade
A ansiedade pode se manifestar no corpo por meio de diversos sintomas:
- Taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos)
- Sudorese excessiva
- Tremores ou agitação corporal
- Sensação de falta de ar ou dificuldade em respirar
- Tensão muscular
- Tontura ou vertigens
- Náuseas ou desconforto gastrointestinal (inclusive diarreia ou constipação)
- Boca seca
- Sensação de aperto no peito
- Calafrios ou ondas de calor
- Formigamento nas extremidades (mãos e pés)
- Sensação de desrealização ou despersonalização (sensação de estar desconectado da realidade)
Manifestações ainda mais visíveis podem ocorrer, como as vividas por Eduarda. Isso ocorre porque os sintomas físicos da ansiedade estão intimamente ligados à ativação do sistema nervoso autônomo, especificamente a resposta de luta ou fuga mediada pelo sistema nervoso simpático, explica Arthur H. Danila, médico psiquiatra e coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
A alta liberação de hormônios, inclusive o cortisol, durante períodos recorrentes de ansiedade acabam afetando a função imunológica. Isso pode atingir a saúde da pele e levar a quadros de dermatites como os que ocorreram com Eduarda, explica Tâmara Marques Kenski, médica psiquiatra e diretora do Ilumina Clinic.
Tratamentos
O tratamento da ansiedade geralmente combina intervenções psicoterapêuticas (como terapia) e, em alguns casos, medicamentos. Exercícios físicos regulares também são importantes para reduzir o cortisol e aumentar neurotransmissores como serotonina e endorfinas, promovendo bem-estar.
A medicação pode ser necessária quando os sintomas de ansiedade são incapacitantes, persistentes ou não respondem adequadamente às intervenções psicoterapêuticas, como em casos de transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico e ansiedade social severa.
Dificuldade médica
A dificuldade de estabelecer conexão entre sintomas físicos e saúde mental pode decorrer da segmentação tradicional na medicina, em que o corpo e a mente são tratados como entidades separadas, diz Danila.
Em contextos de pressão por diagnósticos rápidos e objetivos, a ansiedade pode ser subdiagnosticada, especialmente quando o paciente não verbaliza seus estados emocionais ou não associa suas preocupações com o impacto físico que está sentindo.
Arthur H. Danila, psiquiatra
Redes sociais x ansiedade
Diversos estudos têm relacionado o uso problemático das redes sociais à ansiedade. Segundo a psiquiatra Tâmara Marques Kenski, o uso excessivo das redes sociais tem contribuído para a ansiedade e a depressão, gerando comparação social, sentimento de inadequação, exposição ao cyberbullying e a conteúdos negativos.
Além disso, o uso excessivo da rede social pode gerar isolamento social, dificultar as relações interpessoais saudáveis, piorando os sintomas de depressão.
Tâmara Marques Kenski, psiquiatra
Os algoritmos das redes sociais podem ser responsáveis por exacerbar esses sentimentos, na opinião da psicóloga e neurocientista do comportamento Emili Barberino, que estuda o tema. É o que ela chama de ansiedade algorítmica —o impacto da exposição contínua e personalizada a conteúdos nas redes sociais, determinados pelos algoritmos, que podem intensificar sentimentos de ansiedade.
O algoritmo prioriza postagens que geram mais engajamento, muitas vezes polêmicas ou alarmistas, e isso pode amplificar o medo de estar desatualizado, a sensação de urgência e a necessidade constante de validação social.
Emili Barberino, psicóloga
Os aspectos neurobiológicos da ansiedade algorítmica estão ligados ao sistema de recompensa do cérebro. O uso das redes sociais estimula a liberação de dopamina, o que gera uma sensação de prazer temporário. "No entanto, a exposição contínua a conteúdos selecionados por algoritmos pode ativar repetidamente o sistema de resposta ao estresse, levando a um aumento dos níveis de cortisol e a uma sobrecarga do sistema nervoso, o que gera ansiedade", alerta.
O excesso de uso das redes sociais também tem levado muitos usuários a dormirem mal, com interrupções durante a noite que não permitem sonos profundos e regeneradores, contribuindo para o aumento da ansiedade, diz Kenski.
Grupos mais vulneráveis
Adolescentes e jovens adultos são especialmente vulneráveis aos efeitos negativos das redes sociais. Essa faixa etária está em um período de desenvolvimento da identidade e é mais suscetível à comparação social, busca por validação externa e influência de padrões de beleza irreais. "Além disso, mulheres e indivíduos com baixa autoestima ou histórico de problemas de saúde mental também podem ser mais suscetíveis", diz Barberino.
Para encontrar um equilíbrio entre o mundo real e virtual, a sugestão é limitar o tempo nas redes sociais, reservar momentos offline para interações presenciais e atividades que promovam o bem-estar, como exercício físico e hobbies. "Além disso, é essencial praticar a autoconsciência, percebendo quando o uso das redes começa a impactar negativamente o humor ou a produtividade, e buscar ajustes", diz Barberino.
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