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Jogue fora: utensílios pretos de cozinha podem liberar toxinas na comida

Estudiosos analisaram a composição química de 203 produtos de uso doméstico e encontraram níveis perigosos de retardantes de chamas presentes antes da reciclagem Imagem: Roxiller/Getty Images

Colaboração para VivaBem

01/11/2024 05h31

Espátulas, pegadores e outros utensílios plásticos de cozinha na cor preta têm o potencial de liberar produtos tóxicos e cancerígenos, apontou um estudo conduzido por pesquisadores da organização independente de pesquisa Toxic-Free Future, dos EUA, e da Universidade Vrije, dos Países Baixos, publicado na edição de outubro do periódico Chemosphere.

Para chegar a esta conclusão, estudiosos analisaram a composição química de 203 produtos de uso doméstico (utensílios de cozinha, brinquedos infantis, acessórios de cabelo e embalagens de comida de delivery ou congelados) em busca de dois tipos de substâncias retardantes de chamas: os bromados (BRFs) e os organofosforados (OPRFs), além de outros polímeros plásticos.

Imagem: James Pauls / eyecrave LLCwww.eyecrave.com/Getty Images

A exposição prolongada a estes químicos, geralmente utilizados para conter o fogo em caso de explosão, curto-circuito ou incêndio, pode levar ao desenvolvimento de câncer, disfunções hormonais e doenças cardiovasculares, associam estudos anteriores.

O resultado foi preocupante: 85% dos produtos analisados possuíam algum dos retardantes de chamas, sendo que os níveis mais altos foram encontrados em uma bandeja de sushi, uma espátula e um colar de contas plásticas para crianças.

Como o plástico preto é difícil de reciclar, ele frequentemente é rejeitado no processo tradicional e reaproveitado de resíduos eletrônicos, sem regulamentação clara, o que aumenta o risco de contaminação em utensílios domésticos.

Tevês e outros eletrônicos podem ser origem do problema

Também foi detectado em 70% dos itens o composto éter decabromodifenílico (decaBDE), que era usado em invólucros de eletrônicos há décadas, mas foi proibido há mais de 20 anos em países que assinaram a Convenção de Estocolmo, como o Brasil, por ser considerado um "poluente orgânico persistente".

A Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), por exemplo, considera o decaBDE como tóxico, especialmente para fetos e crianças.

A IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer) classifica o éter decabromodifenílico em seu grupo 3 de substâncias, isto é, ele é considerado "não classificável quanto a carcinogenicidade" —uma categoria comumente usada para agentes para os quais a evidência de câncer é inadequada em humanos e animais de experimentação.

No entanto, esta avaliação feita pela agência da ONU é de 1998. Um estudo realizado pela Universidade de Ciência e Tecnologia da China e publicado em abril no periódico Jama Network Open, da Associação Médica Americana, concluiu que há relação significativa entre o aumento de mortalidade por câncer e a exposição a este tipo de produto.

Imagem: Liudmila Chernetska/Getty Images

Diversos dos utensílios de cozinha testados pelo time de pesquisadores que publicou na Chemosphere possuíam o decaBDE em níveis (34.700 ng/por dia) acima dos limites de exposição involuntária segura, como através da poeira.

De acordo com os padrões estabelecidos pela União Europeia, por exemplo, é considerada tolerável a presença do decaBDE até 10 ppm (partes por milhão). Os pesquisadores os detectaram em níveis de 5 a 1.200 vezes maiores.

E como uma substância que era encontrada em tevês e aparelhos de som nos anos 70 veio parar no seu prato?

"Estes resultados claramente demonstram que eletrônicos contendo retardantes de chamas, como invólucros de grandes televisões, estão sendo reciclados em utensílios e potes de comida. Apesar de ser crítico que desenvolvamos abordagens sustentáveis ao lidar com o nosso fluxo de lixo plástico, temos que tomar algum cuidado e garantir que não estejamos contribuindo para exposições adicionais a estes químicos perigosos em materiais recicláveis", apontou a professora Heather Stapleton, da Universidade Duke, em um comunicado à imprensa sobre o estudo.

Reaproveitar o potinho da entrega nem sempre é boa ideia

Apesar de esforços de reaproveitamento de materiais serem geralmente interessantes para o meio ambiente, neste caso é preciso cuidado, como lembrou Stapleton. Um dos itens com maior nível de decaBDE (11.900 ppm) era a bandeja utilizada para a entrega de um sushi.

E se não vale a pena guardar a embalagem para deixar a comida na geladeira, o nível de preocupação aumenta caso você leve um potinho de delivery destes para o microondas —nenhum plástico deve ser aquecido dentro dele, mesmo que a embalagem diga que é seguro. Esta orientação se refere a risco de explosões ou danos a ambos os equipamentos, não à sua saúde.

"Levar o pote plástico ao microondas aquece tanto a embalagem quanto a comida. O aumento de temperatura permite que substâncias químicas dentro do plástico sejam liberadas dentro da comida enquanto é aquecida", explicou à revista Travel and Leisure a professora de farmacologia e toxicologia Phoebe Stapleton, da Universidade Rutgers, nos EUA.

Imagem: SeventyFour/Getty Images

A toxicologista Linda Birnbaum, ex-diretora do Instituto Nacional para Ciências da Saúde Ambiental e do Programa Nacional de Toxicologia dos EUA, explicou à CNN que é melhor evitar o plástico preto já no supermercado.

"Eu recomendaria não utilizar plástico preto para materiais que terão contato com a comida ou comprar brinquedos com peças plásticas pretas".

Para ela, o resultado do estudo não é novidade —quem trabalha na indústria sabe que este tipo de plástico não deveria ser reciclado porque pode conter produtos químicos perigosos, mas que o seu alerta é importante.

"Não estou ciente [de que haja] qualquer nível seguro de retardantes de chamas bromados", categorizou ainda o médico Leonardo Trasande, professor de pediatria e saúde populacional da Universidade de Nova York à emissora americana.

Ele frisa que este tipo, especialmente, tem a tendência de se acumular no corpo humano por anos e são bastante tóxicos. Trasande é o autor principal de um estudo que concluiu que a intoxicação por este tipo de substância levou a um custo de US$ 159 bilhões ao sistema de saúde dos EUA apenas em 2018.

A Toxic-Free Future mantém uma plataforma, a Retailer Report Card, em que é possível checar os níveis de materiais tóxicos presentes em produtos de marcas internacionais. Caso queira checar a avaliação do que você tem em casa, é só acessar o retailerreportcard.com.

Substituir utensílios de plástico preto por opções de silicone, vidro ou aço inoxidável é uma medida prática para reduzir a exposição a esses compostos.

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