Por que memorizamos algumas coisas mais facilmente que outras?
O que você comeu no café da manhã na última sexta-feira? Se a resposta está na ponta da língua, ou é porque foi um dia marcante para você ou porque os produtos que estavam à sua disposição, muito provavelmente, eram seus favoritos.
Para o cérebro, é muito mais fácil se lembrar de algo que foi importante para nós de alguma maneira do que simplesmente armazenar todas as situações pelas quais passamos.
"Conseguimos decorar uma letra de música, mas ela será muito mais facilmente memorizada se no momento que a escutamos estamos em um encontro romântico. Outro exemplo é quando estamos conversando com alguém, porém com muitas perturbações ao redor (barulhos, outra pessoa falando, ou mesmo uma preocupação na nossa cabeça). Nossa atenção pode ficar mais dispersa e a memória daquela conversa ser mais difícil de ser guardada ou evocada", explica Juliana Luchin, médica neurologista.
Além das informações que têm forte apelo emocional, as que são repetidas várias vezes também são memorizadas. Já informações pouco relevantes tendem a ser esquecidas mais rapidamente.
Tipos de memória
Podemos separar nossa memória em dois tipos principais:
Declarativa: responsável por eventos e experiências pessoais, assim como conceitos que adquirimos. Exemplo: a lembrança de uma história curta da sua vida, o que foi comido no café da manhã, como é o desenho de um coração.
De procedimentos: responsável pela aquisição de habilidades, hábitos e comportamentos. É a memória que nos faz lembrar como é andar de bicicleta ou saber dirigir um carro, por exemplo.
Segundo Luchin, a diferença entre elas é a forma como as adquirimos, mas também como as evocamos. "A memória declarativa é evocada conscientemente e mais fácil de ser formada, porém a esquecemos com mais facilidade, já que demanda mais nossa atenção. A memória de procedimentos exige a repetição de uma atividade que segue sempre o mesmo padrão para ser consolidada, assim é mais difícil de ser perdida."
Máquina de memórias
O cérebro tem uma capacidade incrível de aprender coisas novas e adquirir informações, o que chamamos de aprendizado.
"A memória é a capacidade de reter o aprendizado. Isso acontece devido à plasticidade neural, ou neuroplasticidade, uma habilidade que o sistema nervoso tem de reorganizar os neurônios e os seus circuitos e formar novos neurônios. A formação de memórias envolve uma região do cérebro chamada hipocampo, e o armazenamento a longo prazo depende de diversas regiões corticais", explica Eliane Comoli, neurocientista.
Assim, podemos dizer que há uma divisão temporal de memória de curto prazo e de longo prazo.
Memórias de curto prazo: é fundamental para viver algumas situações e contextos, como deixar o carro ou a bicicleta estacionada num local enquanto você faz compras e após alguns minutos ou horas você se lembra e volta para o local para pegar. Depois essa memória é descartada e esquecida. Elas envolvem mudanças mais simples na estrutura neural (muitas vezes, mudanças neuroquímicas apenas).
Memórias de longo prazo: nossas vivências podem se transformar em memórias de longa duração e são muito importantes porque nos dizem quem somos e influenciam nosso comportamento. Elas envolvem uma mudança mais robusta dos circuitos neurais, como aumento da ramificação neuronal, formação de sinapses, de novos neurônios e circuitos.
"O efeito do componente emocional tem um peso enorme e facilita a formação e consolidação de memórias de longa duração", diz Comoli. No entanto, a neurocientista aponta que emoções associadas ao medo têm mais relevância que emoções prazerosas, por tratarem de relações de sobrevivência e riscos.
"É como se formasse uma arquitetura cerebral que sinaliza para que não coloquemos a nossa vida em risco. Nesse sentido, o sistema é muito protetor em relação às emoções aversivas. As memórias relacionadas ao medo são evocadas muito rapidamente em circunstâncias de ameaça para facilitar as estratégias de defesa que serão utilizadas para se defender", diz Comoli.
Cérebro saudável
O cérebro pode perder a capacidade de memorização ao longo dos anos devido à degeneração natural dos neurônios pelo envelhecimento ou por algum fator patológico.
Devemos lembrar que o cérebro também envelhece junto com o corpo. Portanto, é natural que haja um declínio cognitivo ao longo do tempo (assim como o coração, pele, cabelos, ossos), mesmo sem haver doença em atividade. Edson Issamu Yokoo, neurologista
Segundo Yokoo, o declínio cognitivo natural, geralmente, é mais observado a partir dos 70 anos, podendo variar de caso a caso. Algumas atividades, no entanto, podem ajudar a manter o cérebro ativo e fazer com que nos lembremos mais regularmente de coisas e situações. Mas é bom ressaltar que não existe fórmula milagrosa para manter o cérebro saudável.
O neurologista destaca algumas dessas medidas, dividindo em saúde geral e de estímulo ao cérebro:
Saúde geral
- Equilíbrio na dieta;
- Evitar sedentarismo;
- Praticar atividades físicas;
- Evitar uso de álcool, tabaco ou substâncias sabidamente tóxicas;
- Manter o equilíbrio da mente;
- Evitar o estresse.
Estímulo cerebral
- Leitura;
- Prática ou aprendizado de idiomas e de instrumentos musicais;
- Desafios cerebrais variados, mas desde que sejam prazerosos.
"Não recomendamos prática de idiomas para quem não se adapta a línguas, por exemplo, o que tornaria a atividade mais estressante do que benéfica, perdendo então a sua utilidade", diz Yokoo.
Para Keila Narimatsu, neurologista clínica, ainda vale ter boas noites de sono, ter atenção e concentração nas atividades do dia a dia, e o mais importante de todos: fazer exames de check-up rotineiramente.
*Com informações de reportagem publicada em 20/05/2021
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