Vacina em gotinha contra a pólio será aposentada no Brasil; por quê?
A partir de hoje, o Ministério da Saúde irá substituir as duas doses de reforço da VOPb (vacina oral poliomielite bivalente), conhecida como a "vacina da gotinha", por uma dose injetável da VIP (vacina inativada poliomielite). A mudança já havia sido decidida e informada pela pasta em julho de 2023 e está alinhada com novas evidências científicas que indicam a maior eficácia desse imunizante na proteção contra a doença.
Agora, o esquema vacinal será feito exclusivamente com a vacina injetável. As doses serão administradas aos 2, 4, 6 meses e um reforço será aplicado aos 15 meses. O calendário fica assim:
- 2 meses - 1ª dose
- 4 meses - 2ª dose
- 6 meses - 3ª dose
- 15 meses - dose de reforço
Não haverá mais as campanhas anuais de vacinação com a gotinha em crianças de 1 a 5 anos.
Vale dizer que o Brasil estará alinhado a países como Estados Unidos, Inglaterra e outras nações europeias que já não fazem uso da gotinha e utilizam exclusivamente o imunizante injetável em seus programas de vacinação.
Não há a introdução de uma vacina nova: o imunizante injetável já é conhecido, utilizado e previsto dentro do PNI (Programa Nacional de Imunizações).
Mas, em tempos de polarização política, é claro que a mudança suscitou debates acalorados sobre o que estaria por trás da substituição da famosa "gotinha". Afinal, por que a vacina, introduzida na década de 1970 no Brasil e fundamental para o controle da doença no país, precisa ser aposentada?
O passado e o presente
Também conhecida como pólio ou paralisia infantil, a poliomielite é uma doença contagiosa provocada pelo poliovírus, que pode infectar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes ou secreções eliminadas pela boca das pessoas doentes e provocar ou não paralisia. Nos casos graves, em que acontecem as paralisias musculares, os membros inferiores são os mais atingidos.
Diante das devastadoras sequelas da doença, alguns médicos dedicaram suas carreiras a desenvolver vacinas para proteger as crianças da infecção.
Um deles foi Jonas Salk, que criou a vacina Salk em 1952 utilizando o poliovírus inativado. Com ela, 99% das pessoas se torna imune ao poliovírus após a aplicação de três doses.
Além dele, Albert Sabin lançou oficialmente sua vacina em 1968. Seu imunizante tinha aplicação oral (gotinha) e era feito com vírus atenuado —ou seja, o microrganismo estaria vivo, porém, incapacitado de provocar a doença.
Havia uma razão para o imunizante ser oral. "O vírus da vacina ia para o intestino, o local onde o vírus selvagem se instalava no corpo", explica Isabella Ballalai, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). "Ali, o vírus vacinal se multiplicava, mas sem adoecer a criança, e criava uma imunidade na própria mucosa do órgão", afirma.
Uma vez no intestino, o vírus vacinal acabava sendo excretado com o cocô e ia parar no esgoto. E essa era outra vantagem da vacina Sabin. "Quem entrasse em contato com esse vírus vacinal também ficava imunizado contra a doença, mesmo sem ter tomado as gotinhas", adiciona Ballalai.
As duas vacinas eram extremamente seguras e eficientes. Mas, por ser mais barata, de fácil administração e produzir uma boa imunidade diretamente no intestino, a gotinha foi eleita para controlar a doença em diversos países, inclusive no Brasil. E deu certo: por aqui, não registramos casos de poliomielite desde 1989.
No entanto, em casos muito raros, a permanência desse vírus atenuado no meio ambiente por longos períodos tornou possível que ele sofresse mutações genéticas e provocasse uma forma da doença, a poliomielite por vírus derivado da vacina (VDPV). Porém, o custo-benefício da vacina tornou-a uma referência no combate à doença.
Substituição
Quando a vacina Sabin —a gotinha— foi introduzida no combate à pólio, o cenário era diferente do encontrado hoje e havia uma grande circulação do vírus selvagem no mundo todo.
Precisávamos de uma vacina que protegesse individualmente a criança, mas que também protegesse a população de forma indireta, quando esse vírus vacinal fosse parar no ambiente. Rosana Richtmann, infectologista e consultora em vacinas do Alta Diagnóstico, marca pertencente à Dasa
Hoje, a situação é outra: o vírus selvagem é encontrado apenas no Afeganistão e no Paquistão. Mas, como não está erradicado do mundo, e as taxas de vacinação seguem insuficientes (o Brasil alcançou 86,55% de cobertura vacinal contra a pólio em 2023, mas o ideal é pelo menos 95%), a preocupação está em continuar despejando vírus atenuados no ambiente e criar mais risco para eventuais surtos da doença.
"Para eliminar esse risco, a OMS pediu aos países que pudessem para trocar a vacina oral pela inativada injetável. E o Brasil decidiu fazer isso neste momento", complementa Richtmann.
Importante: o Ministério da Saúde já esclareceu que o personagem Zé Gotinha permanecerá ativo e atuando em prol da vacinação e do SUS.
Mas a vacina é segura?
Sim, a vacina injetável é segura e bastante eficaz na proteção contra a poliomielite. Aliás, ela não é uma vacina nova, como falamos, e já é aplicada nas crianças há muitos anos em conjunto com a vacina oral contra a pólio.
Outra vantagem é que, no novo esquema vacinal, será preciso uma dose a menos do imunizante para garantir a proteção, explica Socorro Martins, médica pediatra e presidente da Sociedade Paraibana de Pediatria.
Por fim, os efeitos adversos também prometem ser mais leves: enquanto a vacina oral poderia provocar sintomas intestinais como diarreia, a injetável tende a apresentar apenas dor e vermelhidão no local da aplicação.
Por que devo continuar vacinando?
Porque, embora esteja circulando menos, o vírus da poliomielite ainda existe e pode ser reintroduzido a qualquer momento no país —basta alguém viajar para alguma área em que o poliovírus exista, se contaminar e voltar ao Brasil em áreas com baixo índice de imunização contra a doença, por exemplo.
"Por isso, precisamos manter nossas crianças vacinadas, protegidas, para que esse vírus não volte a circular por aqui e não volte a provocar a paralisia infantil", diz Richtmann.
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