'Câncer tirou minha língua e médicos reconstruíram com músculo da coxa'
O representante Thiago dos Reis, 40, que mora em Porto Alegre, levou um susto ao escovar os dentes após um almoço em família no fim de 2022: sua língua começou a sangrar.
Foram mais de seis meses até o diagnóstico, um sarcoma alveolar de partes moles lingual. Thiago teve toda a língua removida e reconstruída com o músculo da coxa. A VivaBem, ele conta sua história:
'Minha língua sangrou e descobri tumor'
"No final de novembro de 2022, ao escovar a língua depois de almoçar, começou a sangrar. Era muito sangue e fiquei apavorado.
Chamei minha esposa e, com uma lanterna, ela viu que tinha uma bolinha que estava jorrando o sangue.
Fiz um exame que identificou uma lesão e, no mesmo instante, a médica disse que meu caso era para um especialista em cabeça e pescoço.
Estava perdendo muito sangue e tive um novo sangramento forte em 25 de dezembro, quando fui para a emergência. Dois dias depois, fiz minha primeira tomografia de pescoço, que mostrou um tumor.
Thiago dos Reis
Descobrimos que meu tumor era altamente vascularizado, se alimentava bilateralmente, então não poderíamos fazer a biópsia direto.
Enquanto eu aguardava a primeira cirurgia, tive um novo sangramento que resultou em internação e tive de fazer uma embolização [procedimento para reduzir o fluxo sanguíneo] no local.
Fiz embolização acordado: não podia tomar anestesia porque tinha muito sangramento na boca.
Perdi muito sangue e precisei repor, minha hemoglobina abaixou e perdi muito peso. No dia 11 de maio de 2023, fiz a última embolização, que necrosou metade do tumor.
Em junho, recebi meu diagnóstico: era um câncer, um sarcoma alveolar de partes moles lingual. Foi quando começou a mudar toda a história da minha vida. É um câncer raríssimo, novo até para os médicos.
Thiago dos Reis
Meu primeiro pensamento foi: quero ficar vivo, vou fazer o possível e impossível para isso acontecer.
'Tumor tomou 90% da língua'
Depois do diagnóstico, por ser um sarcoma, a única alternativa era a retirada total do tumor porque ele já tinha tomado 90% da minha língua. Fiz a glossectomia no dia 15 de agosto e, depois, 30 sessões de radioterapia.
Foi a data mais importante e impactante da minha vida. Arranquei toda a língua e reconstruí com o músculo lateral da coxa. Foi uma cirurgia que durou 7 horas e meia: muito longa, pesada e exaustiva. A reconstrução foi feita no mesmo dia.
Thiago dos Reis
Logo após a cirurgia, comecei a fazer acompanhamento com a fonoaudióloga. Na radioterapia, tive reações fortes.
Por nove meses, usei sonda gástrica para me alimentar e foi um período bem desafiador, mas sempre tive um entendimento de tudo o que estava acontecendo comigo, sempre usei o mantra: mente forte, corpo forte.
Queria ficar vivo pelos meus filhos, pela minha esposa, pela minha família.
'Minha fala não vai voltar a ser como antes'
Sabia que teria de passar pelo processo e me adaptar à nova realidade. Depois de nove meses, já conseguia me alimentar somente pela boca e pude retirar a sonda.
E aí começou uma outra etapa, de muitos exercícios para articulação e dicção. Não perdi o paladar, consigo sentir o gosto de tudo, mas minha fala não vai voltar a ser como era antes. Estou vivo, é o que importa.
A adaptação é diária, faço exercícios e todo dia tenho um desafio novo. Trabalho muito a mente para sempre progredir. Hoje, estou em remissão. Faço acompanhamento por exames, com os médicos, e com fonoaudióloga, nutricionista e geneticista.
Hoje levo tudo isso como uma missão de vida: quero mostrar para as pessoas que existe vida após um câncer difícil.
Thiago dos Reis
Quando descobri a doença, eu não tinha uma referência. Não sabia se ia falar ou me alimentar de novo. Não tinha ninguém. Então, é o que eu estou procurando fazer: mostrar que é possível viver com adaptações e que isso não significa que vou viver menos, ser infeliz.
A adaptação é um detalhe. Mesmo sem língua, é possível viver uma vida normal."
Como é o sarcoma alveolar de partes moles
Sarcomas podem surgir do osso, da cartilagem, do músculo, da pele. "E podem afetar todos os membros do tronco e região da cabeça e pescoço", explica Virgilio Zanella, cirurgião de cabeça e pescoço da Santa Casa de Porto Alegre.
Os sarcomas são tumores raros. E existem diversos tipos de sarcomas. Dentro deles, o sarcoma alveolar de partes moles é uma raridade também.
Virgilio Zanella, cirurgião de cabeça e pescoço
Diagnóstico nem sempre é simples. "Dependendo da região onde o sarcoma alveolar surge, é uma lesão bastante vascularizada e tem uma circulação sanguínea bem exuberante. Ele pode mimetizar e nos levar a pensar que é uma má formação vascular, tipo um hemangioma", avalia Zanella.
Sintomas variam de acordo com a região do corpo. "Se é na musculatura da coxa, por exemplo, o paciente vai sentir uma tumoração que antes não tinha. No caso do Thiago, era uma lesão da língua. Se sangrasse, provavelmente ele procuraria ajuda por sentir uma um crescimento na garganta, uma certa dificuldade para engolir", exemplifica.
Assim que se nota a existência de um tumor, é solicitado um exame de imagem —de preferência uma ressonância magnética. Depois, o tumor é biopsiado. Exames adicionais, como para identificar alguns tipos de mutações genéticas, também podem ser pedidos pelos médicos.
Thiago passou por glossectomia total: a retirada completa da língua. "A gente optou por fazer uma reconstrução com um retalho microcirúrgico, com uma porção de tecido que a gente pega do próprio paciente. É como se fosse um transplante do paciente para ele mesmo."
No caso dele, a gente optou por remover da coxa. Fabricou o retalho, de modo a tentar reconstruir o formato da língua dentro da boca. Ligou os vasos no pescoço através da técnica de microcirurgia.
Virgilio Zanella, cirurgião de cabeça e pescoço
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