Pai da psicologia positiva fala sobre otimismo: 'Não tem a ver com sorrir'
Compreender a felicidade como causa, não consequência, e ter o otimismo como um modo de viver contribui para uma posição mais resiliente diante de situações ruins. Essa é uma visão embasada cientificamente e está longe da positividade tóxica —que se resume a estar feliz o tempo todo, com sorriso constante.
A psicologia positiva é essa vertente de estudo que busca compreender e cultivar as virtudes das pessoas para que elas prosperem. O psicólogo Martin Seligman é considerado o pai dessa teoria e falou sobre o tema em uma coletiva de imprensa promovida pela Heineken na segunda-feira (11), em São Paulo.
Parte de seus estudos foca no ambiente de trabalho, que é discutido no livro recém-lançado no Brasil "A Mente do Amanhã: Como Alcançar Sucesso no Trabalho com Resiliência, Criatividade e Conexão em um Futuro Incerto" (Companhia das Letras, selo Objetiva). A VivaBem, Seligman falou sobre otimismo, felicidade e o papel das lideranças em promover o bem-estar de funcionários.
Como podemos descrever uma pessoa otimista?
Existem três dimensões para diferenciar os otimistas dos pessimistas. A primeira é sobre como as pessoas explicam eventos ruins em suas vidas, se como temporário ou permanente. Por exemplo: se você for reprovado em um exame e disser "sou estúpido", isso será permanente, porque a estupidez não desaparece. Se você diz "estou de ressaca", isso é temporário e isso é otimismo.
A segunda dimensão é pensar: a causa dos acontecimentos ruins é algo que ocorre apenas nesta situação ou vai afetar você em todas as situações? O otimista encontrará uma causa apenas para esta situação, e o pessimista encontrará uma causa geral.
A terceira dimensão é: você acredita que os acontecimentos ruins o controlam ou há algo que você possa fazer? No caso da versão da estupidez, se você explicar os acontecimentos ruins, eles não serão mutáveis. Se você acredita que há um novo ângulo para mudança, esse é um olhar otimista.
Como ser otimista ajuda a encarar as situações diárias e contribui para resiliência?
O otimista está se esforçando mais. Pessoas otimistas, quando falham, são mais persistentes, se esforçam mais e por mais tempo. Pessimistas desistem, não tentam e, quando tentam, não é por muito mais tempo. O principal comportamento é tentar.
Como ser positivo na vida sem cair na positividade tóxica?
A positividade tóxica tem a ver com sorrir o tempo todo, e psicologia positiva não é sobre isso, mas sobre cinco coisas diferentes. A primeira é positividade (ter emoções positivas), que está bem no cerne da positividade tóxica dizendo às pessoas para sorrirem e serem felizes. Mas o quanto você sorri?
Estudos científicos com gêmeos idênticos versus gêmeos fraternos (bivitelinos) mostram que isso é cerca de 50% hereditário dos seus pais biológicos. Se você tentar mudar o quanto as pessoas sorriem, será de 5% a 10%. Você não pode transformar alguém em líder de torcida.
O quanto você está completamente engajado no que está fazendo é a segunda parte da psicologia positiva e não tem nenhuma relação com o sorriso. Pessoas introvertidas que não relatam muita felicidade dizem ter muito envolvimento com as pessoas que amam, em seu trabalho e em seus hobbies.
O terceiro fator são os bons relacionamentos, e como construí-los, e o quarto é significado. Se você pensar em Madre Teresa, ela quase nunca sorria, mas teve uma vida extremamente significativa. A quinta parte da psicologia positiva é a realização. Sou uma pessoa que me importo muito com propósito e realização na minha vida.
Qual o papel das empresas e das lideranças no bem-estar e felicidade dos funcionários?
Acho que é o papel dos seres humanos, de modo geral. Você faz o que pode para deixar outras pessoas mais felizes. Acho que a felicidade é importante por si só, mas muitas empresas não se importam com isso e querem aumentar a rentabilidade do mercado de ações. Mas o que há de novo no último ano é que o aumento da felicidade e do bem-estar é uma alavanca importante para o aumento dos preços e da produtividade. Portanto, mesmo que você seja um empregador que não se importa nem um pouco com a felicidade, só quer ganhar mais dinheiro, é uma boa ideia deixar seus funcionários mais felizes.
Se as empresas não se preocupam com isso, existe algo que os funcionários possam fazer?
A maioria dos funcionários fica bastante impotente para mudar grandes empresas. Eu não gostaria de trabalhar em uma empresa assim, mas muitas vezes ficamos presos. Mas existe algo chamado reelaborar seu trabalho.
Uma distinção importante é entre emprego versus carreira versus vocação. Em geral, quem tem emprego trabalha por dinheiro, e quando o dinheiro não vem, elas param de trabalhar. Para as pessoas que têm carreira, elas trabalham por promoção, e quando a promoção não vem, elas param. Para quem tem vocação, elas trabalham porque amam o que fazem —e é irrelevante para promoção e coisas do gênero.
Uma pessoa com quem trabalhei atuava em um hospital, limpando coisas. Eu o entrevistei sobre seu trabalho e claramente para ele não era um trabalho porque ele disse: 'Eu sou parte do sistema de saúde e quando lido com um paciente em coma, vou para casa, recorto lindas fotos de revistas e coloco na parede para que quando ele acordar veja algo lindo'. Muitas vezes, podemos encontrar maneiras de reformular o que estamos fazendo.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.