'Era viciada a ponto de pegar bitucas da rua, mas parei de fumar por amor'
Évia Casita, 61, de São Bernardo (SP), começou a fumar aos 13 anos, influenciada por uma colega de escola. Ela diz que, na época, fumar era moda e que achava charmoso. Mesmo tendo engasgado na primeira tragada, insistiu e acabou presa a um vício que a persegue até hoje, de outra forma. A VivaBem, ela conta sua história.
'Perdi meu pai para um câncer'
"Havia perdido meu pai para um câncer de pulmão quando comecei a fumar. Mas era jovem e, estudando à noite, conheci pessoas que fumavam. De dia eu trabalhava numa rede de supermercados, então ali também era mais fácil comprar meu próprio cigarro.
Daí, para que minha família não soubesse, fiz com que minha irmã mais velha aprendesse a fumar e passei a sustentar o vício dela, para que continuasse a encobrir o meu. Hoje isso me traz uma enorme tristeza, porque ela é totalmente dependente.
'Comecei a procurar bitucas'
Para chegar ao trabalho, eu descia uma longa rua até o ponto de ônibus. Aí, com o aumento do vício em cigarro, eu, toda elegante de salto alto, comecei a procurar bitucas nas guias da calçada para fumar.
Eu procurava as maiores bitucas entre uma e outra, acendia, fumava duas tragadas e jogava fora por nojo e vergonha. Sempre verificava se havia alguém conhecido por perto, já imaginou se me vissem?
Fazia isso todos os dias, durante quase um ano. Deixava os cigarros que tinha na carteira para fumar depois e usava os da rua. Não sei se isso me causou alguma doença, mas fato é que aos 17 anos tive pneumonia e fui hospitalizada.
No supermercado onde eu trabalhava, havia um funcionário mais velho, já idoso, que também era fumante. Quando possível, eu pedia os restinhos dos cigarros dele para mim. Lembro que as bitucas estavam sempre úmidas, pois ele as mantinha no canto da boca enquanto carregava as mercadorias, mas meu vício falava mais alto.
'Meu noivo sentia repulsa'
Naquela época, não tinha apoio de ninguém, pois todo mundo ao meu redor fumava. Não havia informação e nem campanhas de conscientização como hoje. Só fui fazer psicoterapia anos mais tarde, não era algo comum.
O que me ajudou a superar o vício foi a repulsa que meu noivo tinha pelo cigarro. Ele detestava, e a fumaça o incomodava muito. Sabendo disso, comecei a diminuir aos poucos: pensava 'agora não vou fumar, fumo mais tarde' ou 'em vez de fumar 30 cigarros, vou fumar 25'.
Até que um dia peguei um maço de cigarro inteiro e fechado e o joguei num bueiro. Fiz isso por amor ao meu noivo, pois queria começar uma vida nova. Ele foi meu primeiro amor e permanecemos casados por 33 anos.
Dessa relação, tivemos três filhas. Uma delas, de 34 anos, começou a fumar aos 13, como eu, na escola. Descobri isso aos 16 anos dela, quando abri sua bolsinha e encontrei um cigarro. Fiquei em choque!
Foi desesperador, já que perdi meu pai, minha mãe, dois irmãos, cunhados, todos fumantes. Morreram muito jovens, de câncer, problemas cardiorrespiratórios, cerebrais...
'Quero ajudar outros'
Por isso, vê-la fumar um cigarro atrás do outro me entristece muito. Vou recolhendo os restos e jogando fora, porque me dá nojo, não suporto, odeio cigarro.
Escrevi recentemente um livro para ela sobre minha história de lutas e superações. Mesmo com minhas mãos trêmulas e minha caligrafia prejudicada pelos medicamentos, quis deixar registrado, como um diário pessoal, que ela pode superar o vício do cigarro. Se eu consegui, ela também pode.
Temos muito a desfrutar juntas, com saúde. E, enquanto eu estiver viva, quero ajudar o próximo de alguma forma também. Às vezes, ler um relato é mais impactante do que ouvir, então espero que minha história incentive os fumantes a refletirem e abandonarem essa dependência terrível. O cigarro mata, destrói vidas e famílias."
Quer parar de fumar?
O processo pode ser mais fácil com ajuda especializada. Cardiologistas, pneumologistas e psiquiatras podem ajudar. Também é importante saber que a decisão de parar de fumar pode envolver recaídas: é comum vivenciar os altos e baixos da síndrome de abstinência —o importante é não desistir. Nunca é tarde para parar: independentemente da idade, parar de fumar aumenta a expectativa e a qualidade de vida, segundo o Ministério da Saúde.
O tratamento deve ser elaborado de forma individual, levando em conta diversos fatores. Além das medicações, outras medidas ajudam, como atividade física, uma dieta saudável e apoio da família e amigos.
Para atendimento público, a pessoa que fuma pode procurar ajuda na UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima de casa. O tratamento inclui avaliação clínica, abordagem mínima ou intensiva, individual ou em grupo e, se necessário, terapia medicamentosa.
Uma das terapias para auxiliar no tratamento contra o tabagismo é a cognitivo-comportamental, segundo Lidia Maria Guerra Brito, psicóloga especializada pela USP e do Instituto Perin (SP). Esta abordagem ajuda a identificar e alterar os padrões de pensamento que levam ao vício. "Essa terapia inclui técnicas de mindfulness [atenção plena] e meditação, extremamente úteis para lidar com estresse e ansiedade sem recorrer ao cigarro, já que envolvem o autoconhecimento do paciente."
Dona Évia foi ajudada por uma combinação de abordagens e apoio contínuo, ajustado às suas necessidades. Mesmo já tendo parado de fumar quando a conheci, ela continuava a buscar superação. Ela mostra suas vulnerabilidades e confronta a verdade de sua história, encontrando forças para cuidar melhor de si e ser coerente com suas escolhas.
Lidia Maria Guerra Brito, psicóloga
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